Nesta quinta (19), estreia nos cinemas a mais nova animação de Wes Anderson, Ilha dos Cachorros. Com um imenso elenco estelar – vozes de Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Bill Murray, Edward Norton, Jeff Goldblum, Greta Gerwig, Tilda Swinton, Frances McDormand e, até mesmo, Yoko Ono –, o stop motion traz para as telas um grupo de cachorros que, excluídos em uma ilha com depósitos de lixo, simboliza a segregação racial entre os humanos.
Dentro da história, os brancos opressores da vida real são todos os moradores de Megasaki, uma cidade japonesa e distópica. Neste universo, os cachorros – supostamente – estariam pondo em risco a saúde dos humanos; uma vez que esses animais poderiam transmitir uma nova doença, e pelo simples contato com as pessoas.
Baseando-se na duvidosa constatação, Kobayashi (voz do ator japonês Kunichi Nomura), o prefeito corrupto da cidade, decreta o isolamento de todos os cachorros em uma ilha afastada e lotada de lixo. Sob a perspectiva dos animais, o diretor (assim como em sua outra animação, O Fantástico Sr. Raposo) explora uma cruel realidade canina.
Separado de seu dono, até mesmo o cachorro do sobrinho de Kobayashi, o pré-adolescente Atari (Koyu Rankin), é enviado à ilha – o que dá o ponto de partida para o início da trama. Atari, empenhado em encontrar o amigo Spots (Liev Schreiber), faz amizade com os demais cães da ilha e, assim, segue em uma jornada em meio ao lixo acumulado.
Wes Anderson, como de costume, trabalha unicamente com enquadramentos simétricos. Os takes com pontos de fuga, além de suas fotografias solares e coloridas, são a marca registrada do diretor. Então, se depender de sua qualidade técnica, Ilha dos Cachorros agradará a todos. O filme aborda muito bem o conceito de amizade, e a história, de fato, surpreende – a partir de suas várias reviravoltas.
Os personagens são todos carismáticos e a sacada de Anderson, ao colocar diálogos em inglês somente para os animais (enquanto que os humanos falam em japonês), garantem a graciosidade e o humor da produção. Mesmo com um argumento bastante válido – quanto à segregação e à soberania racial –, Ilha dos Cachorros peca na representação simbólica dos personagens ativistas; que, claramente, fazem referência ao movimento negro.
Algo que deixa isso claro é a intercambista estadunidense, e branca, Tracy Walker (Gerwig). Em sua primeira cena, a menina aparece à frente de um grupo de protestantes, com um corte de cabelo em black power (loiro), um braço estendido para cima e a mão fechada em punho. Esses detalhes juntos, por mais que não sejam apontados em momento algum do filme, associam o contexto da narrativa diretamente com o movimento em questão.
É importante ressaltar que não há nada de errado em metaforizar a luta dos negros através de cachorros. O que podemos interpretar, no mínimo, como uma gafe do diretor é o fato de uma personagem branca fazer esse tipo de alusão, a um grupo do qual não faz parte. A impressão que fica é a de que Anderson se apropriou do movimento negro para contar uma história bonitinha – e, com isso, vem certa falta de representatividade.
Mesmo que o longa-metragem seja repleto de japoneses, esse problema de representatividade é inegável; o que inclui a feminina. As fêmeas e mulheres da produção, por mais marcantes que sejam, aparecem em número consideravelmente menor do que o masculino. E isso acaba, sim, por prejudicar a experiência de assistir ao filme.
Ainda que agradável e fluido, Ilha dos Cachorros poderia ter sido muito mais do que aquilo que entrega. Já como diretor de animação, Anderson parece estar cada vez melhor – mas é evidente que um ótimo filme não se faz apenas com boas técnicas de filmagem e intenções aparentemente nobres.
Ficha técnica
Direção: Wes Anderson
Duração: 1h42
País: Alemanha, EUA
Ano: 2018
Elenco: Bryan Cranston, Frances McDormand, Edward Norton, Scarlett Johansson
Gênero: Animação, Aventura
Distribuição: Fox Film do Brasil
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