Pegue um pouco do reality show Keeping Up With The Kardashians, misture com os clássicos do canal Discovery Home & Health e acrescente doses do brasileiro Mulheres Ricas (exibido pela TV Bandeirantes em 2012). Pronto, você conseguiu imaginar, mais ou menos, do que se trata Made in México, o primeiro reality show mexicano original Netflix, lançado no último dia 28.
O programa, que não inventou a roda, mas gira conforme suas próprias particularidades, é “protagonizado” por nove mexicanos famosos e/ou ricos, homens e mulheres – no geral, altas, magras e brancas. Entre eles: um dono de boates, um ator, uma apresentadora, uma blogueira, uma modelo e uma benfeitora compulsiva.
Ao longo de oito episódios, com aproximadamente 50 minutos de duração cada, acompanhamos nossos personagens interagindo no que parece não ser uma jornada pura e simplesmente de ostentação. O show se esforça em perseguir as fragilidades de suas personalidades e histórias com um pouco mais de “sustança”, digamos. Mas, obviamente, acompanhar gente rica interagindo não é das tarefas mais educativas do mundo.
Apesar de contar com imagens belíssimas do México – principal qualidade da série, inclusive -, Made in México é, indiscutivelmente, uma produção de entretenimento escapista sobre pessoas muito conhecidas que, de certa forma, já trabalham com entretenimento. Sendo assim, não espere nada além de conflitos de uma elite mexicana branca e privilegiada, que se comunica falando metade das frases em espanhol e a outra metade em inglês.
Talvez a “personagem” Hanna Jaff seja a síntese perfeita da essência do reality. Filantropa e ativista dos direitos humanos, Hanna possui inúmeros diplomas, estudou em Harvard e morou em diversos países. Com tanta bagagem, sua participação em um reality como esse chega a ser curiosa – até percebermos sua necessidade de palco.
Uma das metas de vida de Hanna é colaborar para estabelecer a paz mundial e o fim das discriminações. Como ela decide trabalhar para fazer acontecer? Produzindo roupas cafonas com estampas de várias religiões sem nenhum contexto e frases de ordem contra o bullying e as ideias xenófobas do presidente norte-americano Donald Trump.
Em determinado momento, Hanna é alertada por duas colegas de reality que suas estampas são apropriação cultural e desrespeitosas. Sem aceitar sem contrariada e taxando as outras de ignorantes, ela se reúne com vários líderes religiosos para ouvir suas opiniões. Eles também lhe dizem que sua ideia de camisetas para estabelecer a paz mundial soa um pouco equivocada, mas Hanna Jaff , sentindo-se incompreendida, decide bancar suas escolhas como mulher decidida que é.
Esse descolamento impressionante da realidade vindo de uma pessoa que se diz tão aberta e detentora de conhecimento, mas que se fecha para o que diverge do que lhe interessa, representa, ironicamente, o cerne do entretenimento escapista – e desse tipo de situação nasce também uma espécie de humor crítico inconveniente aos protagonistas, mas delicioso para o público.
Pelo twitter, as reações do público foram das mais diversas. Usando a hashtag #MadeinMexico, algumas pessoas chegaram a comparar Hanna com Tahani Al-Jamil, personagem fictícia da série The Good Place. Uma jovem que, em vida, fez de tudo para agradar a todos e para obter reconhecimento. Tudo por sofrer de uma carência exorbitante.
Há quem tenha chamado Made in México de “basura clasista” (lixo classicista), “asco de série” e “patética”, e há também aqueles que encontraram diversão nos absurdos dos ricos mexicanos. Essas divergências são completamente compreensíveis num país marcado por contrastes sociais e econômicos como é o México.
Uma matéria do jornal El País, de janeiro deste ano, chamou atenção para as taxas de violência no México em 2017. De acordo com os dados expostos pelo texto, “nem nos anos mais cruéis da guerra contra o narcotráfico foram registrados números de homicídios tão altos como os do ano de 2017”. Uma tabela destaca que foram cerca de 70 assassinatos por dia, mais de três sequestros por dia e aproximadamente 35 mulheres violadas diariamente. Além disso, algum tempo antes das gravações do reality, o México sofreu com terremotos.
Levando essas informações em conta, o porquê de as pessoas reagirem ao espetáculo de formas tão distintas torna-se absolutamente claro e justificável. A incompatibilidade entre realidade popular e reality é gritante. Por isso, as reações ficaram divididas entre quem enxerga o programa como obsceno, dado o contexto do país, e quem aproveita a oportunidade para se distrair dos problemas. Entre os brasileiros que se manifestaram no Twitter, muitos chegaram a recomendar a produção para “pessoas que não aguentam mais falar sobre eleições”.
Made in México até chega a ser um programa assustadoramente divertido – mais pelo contexto de absurdo do que pela existência de piadas ou coisas do tipo, é verdade. Como passatempo para apaixonados por realities ele deve cair como uma luva. Mas, se você não ama reality shows, La Casa de las Flores, série mexicana que desvenda as hipocrisias de uma família tradicional endinheirada, pode ser uma opção muito melhor.
Ficha técnica
Produtor executivo: Kevin Bartel
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: Shanik Aspe, Roby Checa, Columba Diaz, Pepe Diaz, Hanna Jaff
Gênero: Reality Show
Distribuição: Netflix
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