Sexta-feira, 8 de março de 2019 – Dia Internacional da Mulher. Há muitas formas de aproveitar esta data tão especial, sem reproduzir ações que não sejam idôneas à mesma. Em palavras mais simples, é possível extrair do 8 de março aquilo que ele oferece de melhor: o reconhecimento das demandas femininas; e não a reafirmação de comportamentos sexistas. Uma forma de fazer isso com sucesso é consumir artes que validem o papel social e individual das mulheres.
Em uma passagem de Vagina, uma biografia, por exemplo, livro-relato da escritora contemporânea estadunidense Naomi Wolf, esta última resume o tema central da obra em poucas palavras: “Mas eu argumentaria, menos literalmente, que a deusa – um sentido do ser a que se aplica o gênero feminino, que brilha, sem mácula, sem ansiedade ou medo – é inerente a cada mulher; e argumentaria, ainda, que as mulheres tendem a intuitivamente saber se tiveram um vislumbre ou tocaram esse estado.”*
É a partir da transcrição acima que o conceito de feminino será explorado neste texto. Na lista abaixo, você pode conferir indicações de longas-metragens com suas próprias frações do que é “ser o feminino” – e que, por sinal, nada têm a ver com manifestações deturpadas de feminilidade. Veja a seguir os seis títulos nacionais dirigidos por mulheres, sobre elas e selecionados por nós, para você desfrutar neste 8 de março:
1. Como Nossos Pais (2017)
Direção: Laís Bodanzky
Por que aborda o “feminino”?
No longa-metragem, Rosa (Maria Ribeiro) é uma mulher que desdobra-se para dar conta de duas filhas pequenas, de um casamento instável e da carreira estagnada. Após uma revelação bombástica por parte de sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), a protagonista vê suas relações interpessoais definitivamente modificadas.
Além de ser um relato extremamente honesto da mulher moderna – aquela que tenta desesperadamente equilibrar sua vida pessoal com a profissional – Como Nossos Pais aborda o papel da maternidade a partir da figura de Rosa; que é mãe e filha, ao mesmo tempo. Ao final das contas, criar empatia para com nossas mães é algo que vem em doses homeopáticas, e à medida em que amadurecemos.
Por que é para todos?
Por explorar as nuances de um casamento heterossexual (revestido sob uma máscara de “desconstruído”), o filme de Bodanzky acaba por passar um sermão genuíno ao sexo masculino. E, nem tanto por isso, a produção mostra-se bastante relevante; muito pouco empenhada em julgar seus personagens, Como Nossos Pais abre margem para que o espectador identifique-se profundamente com, pelo menos, uma daquelas figuras – tão comuns e tão mal retratadas em histórias convencionais.
2. A Hora da Estrela (1985)
Direção: Suzana Amaral
Por que aborda o “feminino”?
Inspirado no romance homônimo da célebre Clarice Lispector, A Hora da Estrela é um clássico do cinema brasileiro. Macabéa (Marcélia Cartaxo) é uma jovem nordestina que migra para São Paulo, no intuito de uma vida melhor. Extremamente humilde e sem muitas ambições, a doce protagonista conquista-nos com sua ingenuidade, ao passo em que acompanhamos a falta de habilidade amorosa da mesma. Frágil, Macabéa é um espelho de tantas mulheres sofridas e renegadas por uma sociedade excludente.
Por que é para todos?
Através de seu lirismo, e também de um conteúdo crítico, a plena transposição do trabalho de Lispector para as telas é um deslumbramento aos olhos. Além do que, a história de Macabéa continua atemporal; visto que um texto que expressa tantas sutilezas da vida contemporânea será sempre necessário às artes.
3. A Memória Que Me Contam (2013)
Direção: Lúcia Murat
Por que aborda o “feminino”?
Neste filme, a presença feminina justifica-se através da entidade que a ex-guerrilheira Ana (Simone Spoladore) representa. Dentre os variados integrantes de um grupo de amigos – agora, já na terceira idade –, Ana aparece como uma espécie de “memória-fantasma”; relembrando-os do elo que há entre eles. Na iminência de sua morte, a personagem aparece sempre jovem, como forma de resgatar o sentido de ações dolorosas do passado.
Por que é para todos?
Um retrato bastante sensível de narrativas pessoais, A Memória Que Me Contam é a impressão de Murat sobre um período conturbado de sua própria vida. Ainda assim, a universalidade de temas como ideais políticos, luta e resistência faz do filme passível de rápida identificação.
4. Olmo e a Gaivota (2014)
Direção: Petra Costa e Lea Glob
Por que aborda o “feminino”?
Em meio aos ensaios da peça de teatro A Gaivota, de Tchekhov, a atriz Olivia Corsini descobre estar grávida de seu parceiro de palco e de vida, Serge Nicolai. Tido como uma fusão entre os gêneros documentário e drama, Olmo e a Gaivota é um ensaio sobre as inseguranças mais íntimas de uma gestante que, presa em seu apartamento e sem elevadores, embarca no processo de introspecção mais profundo de sua carreira – e de sua vida.
Por que é para todos?
A união entre os dois gêneros cinematográficos citados faz com que assistir ao longa-metragem – de uma brasileira (Costa) com uma dinamarquesa (Glob) – seja, no mínimo, interessante. É muito difícil apontar quando uma cena é documental, totalmente dramatizada ou apenas parcialmente. Assim, constrói-se um enredo sensível; dentre o vai e vem da câmera mais visceral e daquela mais analítica.
5. Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995)
Direção: Carla Camurati
Por que aborda o “feminino”?
Como denuncia o próprio título, a produção de Camurati tem como pano de fundo a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil do século XVIII – ou, mais especificamente, a da Princesa Carlota Joaquina de Bourbon (Marieta Severo). Contada de maneira satírica, Carlota Joaquina (o filme) mostra a forte e intransigente personalidade dessa figura histórica – que teve de casar-se com Dom João VI (Marco Nanini) ainda muito jovem.
Por que é para todos?
É claro que o longa-metragem não substitui a leitura de livros de História, mas assistir à chegada da Família Real é simplesmente impagável. Ademais, a direção de arte e as ótimas atuações são capazes de criar uma atmosfera bastante convincente ao espectador. Tal qual sua protagonista, a personalidade característica do filme fez com que a produção fosse (e ainda é) vista como uma retomada da popularidade do cinema brasileiro.
6. Chega de Fiu Fiu (2018)
Direção: Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão
Por que aborda o “feminino”?
Inspirado na campanha de combate ao assédio da ONG Think Olga, o documentário Chega de Fiu Fiu acompanha a jornada diária de três brasileiras: a jovem transexual e periférica Rosa Luz; a professora de História de classe média Teresa Chavez, e a estudante nordestina Raquel Carvalho. Por detrás de óculos com microcâmeras, presenciamos as protagonistas serem vítimas de abuso em plena luz do dia.
Por que é para todos?
Com a experiência das personagens e a partir da fala de diversos especialistas, vamos a fundo na história da urbanização – e de como as cidades transformaram-se em locais de imposição dos homens sobre as mulheres. Assim, através do didatismo da produção, fica explícita a diferença entre assédio e cantada; e também que é, sim, possível fazer uma denúncia mediante diferentes tipos de constrangimento sexual.
*(WOLF, Naomi. Vagina: uma biografia. São Paulo: Geração Editorial, 2013).
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