É noite de sexta-feira. Majeca (Majeca Angelucci) está no apartamento da amiga Gilda (Gilda Nomacce) tomando vinho e colocando a conversa em dia. Elas são atrizes, trabalham juntas. Mas Gilda parece distante, incomodada. Ela prefere que a amiga desista de chamar um carro para ir embora e passe a noite lhe fazendo companhia. Alguns cachorros latem do lado de fora do prédio. A angústia de Gilda vai aumentando. Ela tem um segredo um tanto insólito para contar a Majeca.
Em As Viajantes, curta-metragem escrito e dirigido por Davi Mello, a ação acontece toda dentro do apartamento da protagonista Gilda, ao longo de intensos dez minutos. O tempo e o espaço podem parecer limitados, mas talvez sejam essas limitações justamente o segredo da excepcionalidade do filme.
Misturando ficção científica e suspense, Mello trabalha uma atmosfera envolvente de inquietação. A história se revela em etapas, numa crescente de interrogações e medos causados por algum tipo de falha no espaço-tempo que transforma o pequeno apartamento de Gilda num labirinto cheio de armadilhas.
Nada é explicado, porém. Nada de causas, razões ou consequências. A curiosidade ansiosa é o que dá o tom da experiência. Gilda pode estar vivendo uma crise de identidade ou presenciando algum fenômeno extraordinário. Universos paralelos? Viagens no tempo? Não importa, ela não parece estar em busca de soluções. O que importa é a forma como Gilda se relaciona com o tal segredo e a forma como Majeca o recebe.
Através das interpretações de Nomacce e Angelucci, da captação dos sons, de artifícios visuais simples e objetivos e um roteiro pra lá de engenhoso, As Viajantes nos transporta para dentro daquele apartamento. Como a protagonista, não sabemos de nada e talvez não tenhamos como descobrir nada, mas ainda assim precisamos lidar com as sensações causadas pela constante da iminência.
Quando os dez minutos acabam, depois de um espetáculo de instigação, o espaço e o tempo se tornam questões também entre o espectador e o filme. Gostaríamos de ter visto mais do que acontecia no apartamento? Gostaríamos de ter tido mais tempo para observar aquelas movimentações? Uma excelente obra nacional de ficção científica.
As Viajantes está disponível gratuitamente no Itaú Cultural Play.
Texto originalmente publicado na newsletter ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA. Para acompanhar as novidades do cinema latino-americano, considere assiná-la gratuitamente.
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