Crítica: Agente Duplo

Sérgio não é nenhum agente 007, mas sua missão parece (quase) impossível. Aos 83 anos, e em busca de uma ocupação que lhe ajude a superar a recente viuvez, o protagonista de Agente Duplo (El Agente Topo), documentário representante do Chile no Oscar 2021, se candidata a uma vaga de emprego inusitada, divulgada por uma agência particular de investigações num anúncio de jornal. 

“Agente Duplo”/ Divulgação

Contratado, Sérgio assume a tarefa de passar três meses infiltrado numa casa de repouso para idosos, com o objetivo de, fingindo ser um interno comum, investigar um suposto caso de maus-tratos a uma das senhoras hospedadas. Antes de ir, ele deve superar a inaptidão com tecnologias para aprender a enviar relatórios de voz e fotos à agência.

Dirigido por Maite Alberdi, Agente Duplo se beneficia dos rumos inesperados que um documentário pode tomar. A princípio, trata-se de um documental de estética noir ligeiramente jocoso sobre os procedimentos de uma espionagem contemporânea corriqueira – requisitada por clientes afetados por medos, inseguranças e ansiedades de nosso tempo. Mais tarde, quando Sérgio já está inserido no cotidiano da casa de repouso, sentindo na pele como é viver num lugar como esse, ainda que sendo bem cuidado e por tempo determinado, o filme tende ao drama para registrar as nuances das percepções e reações de seu protagonista diante de uma realidade até então por ele desconhecida.

Assim, a certa altura a investigação deixa de fazer sentido – não há evidências de abusos -, e o registro se transforma em um exercício de observação sobre a velhice; especialmente sobre a solidão na velhice. Reside na surpresa da reviravolta dos rumos da obra, então, o mais especial de sua essência. De repente,questões que emergem espontaneamente confrontam a subjetividade do protagonista de 83 anos, já baqueado pelo luto, e também as expectativas do espectador.

SOLIDÃO NA VELHICE

No limite entre o documentário e a ficção, fazendo bom uso da dramédia e do formato filme de espião, Alberdi conduz de maneira quase lúdica uma história baseada em afetos e vulnerabilidades. Uma história que parte do micro para refletir o macro de uma questão geracional: o isolamento sistemático.

Imagem: divulgação

Para bem ou  para mal, os portões do asilo representam a segregação daqueles que, em um mundo moldado pelo produtivismo, vão deixando de ser acomodados nas exigências do cotidiano. Como consequência, a privação do desenvolvimento de relações pessoais para além muros, acentuada pela brecha digital.

Mergulhado nessa realidade à parte, a que não teria acesso se não tivesse se transformado em espião, Sergio percebe que a suposta verdade desagradável que investigava não tem nada a ver com a violência óbvia dos maus-tratos, mas, sim, com a violência da invisibilização, da solidão – principalmente num Chile que serviu de cobaia ao fundamentalismo neoliberal e acabou fissurado em todas as suas dinâmicas sociais. É a partir dessa descoberta desconcertante, portanto, que o espião passa a operar como um agente duplo, notificando as movimentações do dia a dia para a agência e, ao mesmo tempo, tentando negociar com o chefe alguns agrados para seus novos colegas.

Engenhoso na forma e delicado na abordagem, Agente Duplo é respeitoso em seu registro, embora, às vezes, também profundamente incômodo.  Um filme bonito e único no quesito jornada do protagonista, mas melancólico ao deixar para o final o retrogosto amargo da impossibilidade de transformação imediata do contexto apresentado.

*Disponível no catálogo da Globoplay

Trailer:
(Fonte: Globoplay/ YouTube)

Ficha Técnica:

Direção: Maite Alberdi

Duração: 1h30

País: Chile

Ano: 2020

Gênero: Documentário

Distribuição: Globoplay 

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