Atenção! Este texto contém spoilers da segunda temporada da série.
Dois anos depois da estreia de Big Little Lies, em fevereiro de 2017, a produção original da HBO parece ter chegado ao fim de sua breve exibição. Baseada no romance de Liane Moriarty, a série de David E. Kelley encerrou a sua segunda temporada no último domingo (21).
Ainda em 2017, no ano de lançamento, a produção levou oito prêmios Emmy na categoria de minissérie; para a qual fora inicialmente idealizada. No entanto, o desenvolvimento de uma nova temporada, dirigida por Andrea Arnold (O Morro dos Ventos Uivantes, 2011), modificou o conceito da obra televisiva.
Na privilegiada Monterey (Califórnia, EUA), Madeline (Reese Whiterspoon), Celeste (Nicole Kidman), Jane (Shailene Woodley), Renata (Laura Dern) e Bonnie (Zoë Kravitz) tentam seguir normalmente com suas vidas. Agora, mais próximas do que nunca, as cinco protagonistas compartilham de um segredo obscuro quanto à morte de Perry (Alexander Skarsgård), o marido de Celeste.
Enquanto isso, cada uma enfrenta problemas subjetivos; Madeline sofre com um casamento em crise e com a recusa da filha Abigail (Kathryn Newton) em ir à faculdade; Jane é uma mãe solo que jamais se recuperará totalmente de um abuso sexual sofrido; Bonnie revive momentos dramáticos com a mãe, Elizabeth (Crystal Fox), e luta contra uma culpa avassaladora; e, por fim, Renata e Celeste têm questões pessoais mais surpreendentes que as das demais protagonistas.
Comédia e representatividade
Em termos narrativos, a série não avança muito mais do que o esperado. Avaliando ambas as temporadas da produção, é possível concluir que a segunda atua muito mais como um epílogo da primeira do que qualquer outra coisa. Logo, os dois únicos pontos que realmente merecem a devida atenção são os arcos de Celeste e o de Renata.
Neste último, a relevância da subtrama dá-se pela interpretação de Dern. O tom acentuado de comédia é centralizado na história da falência do marido de Renata; e em como a granfina lida – ou surta – com o mau-caratismo do parceiro. Os seus rompantes e comportamento explosivo, aliás, são muito bem contextualizados pelo talento da atriz veterana.
Já a Celeste de Kidman, que divide a tela com a estrela Meryl Streep, é o ponto de partida para uma abordagem fundamental da produção: o desequilíbrio dos papéis de gênero na sociedade contemporânea. Ou melhor, em Big Little Lies, Celeste representa as vítimas de violência doméstica, de forma muito verosímil; à maneira passiva e confusa através da qual muitas mulheres da vida real (não) reagem.
Mesmo após a morte de seu marido abusivo, Celeste continua a lembrar-se dele com carinho e saudades. Inclusive, algumas de suas atitudes sexuais relacionam-se com o passado ao lado de Perry.
Justiça
De qualquer modo, o diferencial no núcleo da protagonista resume-se à sua luta na Justiça. Cercada de impeditivos à guarda dos filhos Josh (Cameron Crovetti) e Max (Nicholas Crovetti), a personagem é posta em uma clara situação sexista pelo Judiciário estadunidense.
Tida como “doente” pela sogra Mary Louise (Streep) e seu advogado machista, Celeste é também estigmatizada por ter sofrido agressões e pela resposta sexual instável a isso. Afinal, o conservadorismo hipócrita de Monterey enxerga a mãe viúva como uma mulher promíscua e nada confiável.
Além disso, há outras situações que contribuem à representatividade de Big Little Lies. Evidentemente, Jane é uma figura muito importante para compreender-se a dimensão de uma violência sexual. Já Madeline e Renata, estas importam-se enormemente com aparências e bens materiais; portanto, ambas as personagens podem representar a toxicidade da divisão de classes. E, por último, as dificuldades de relacionamento de Bonnie refletem a relação pouco saudável dentre ela e a mãe.
Todas essas características, das cinco protagonistas, auxiliam em sua decisão conjunta e final; a qual vemos na última cena da segunda temporada. Mesmo que incerto, o momento em que as amigas entram na delegacia de polícia indica a confissão compartilhada de seu maior segredo: o que, ou quem, matou Perry.
Mistério
Por isso, é difícil dizer se esta temporada de Big Little Lies trouxe, mesmo, algo de próximo à primeira. Encerrada perfeitamente, aquela temporada cumpriu com as expectativas do espectador, ao intrigá-lo durante todos os seus episódios. Já na segunda, a produção parece ter arrastado-se um pouco. A escrita do roteiro é, sim, de um trabalho cuidadoso. Mas, mesmo assim, a série não foi capaz de empolgar, como quando não havia a perspectiva de uma continuação.
Ainda que detalhista e coerente, a obra televisiva concluiu o seu maior mistério nos primeiros sete episódios. Então, talvez o ponto mais fraco da nova temporada seja a não manutenção de um suspense refinado e envolvente. Aguardemos a confirmação de uma terceira temporada ou, somente, do fim previsível que a segunda já apresentou.
Trailer oficial legendado:
Ficha técnica
Criação: David E. Kelley
País: EUA
Ano: 2019
Elenco: Reese Whiterspoon, Nicole Kidman, Shailene Woodley, Meryl Streep
Gênero: Drama, Suspense
Distribuição: Warner Bros. Television / HBO Enterprises
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