Chico, uma distopia realista?

O ano é 2029. Durante os 13 anos seguintes ao golpe que provocou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o racismo foi institucionalizado no Brasil. Pressupõe-se que, mais cedo ou mais tarde, crianças pobres, negras e marginalizadas virão a cometer algum crime. Por isso, assim que nascem elas são marcadas com tornozeleiras de rastreamento que as acompanharão por toda a vida. Chico é uma dessas crianças. Negro, pobre, morador de favela.

No dia de seu aniversário, uma lei de ressocialização preventiva autoriza a prisão de menores por “precaução”. Nesse momento, o clima de comemoração perde espaço para angústias, incertezas, medos e resistência.

Imagem: divulgação

Os moradores tentam lutar e proteger suas crianças, mas como é resistir diante de forças opressoras e violentas que representam o preconceito coletivo de uma sociedade e que parte das mais altas esferas de poder?

Com poucos recursos, os diretores, Irmãos Carvalho, criam sua atmosfera distópica a partir da iluminação, cenografia e subtexto. Não é difícil comprar a ideia de que o trágico contexto do curta seja uma ameaça real ao futuro brasileiro, afinal, quantas crianças negras já foram mortas nas guerras das favelas do Rio de Janeiro? Guerras financiadas pelo Estado. Na teoria, hoje, racismo é crime no Brasil, enquanto que, na prática, ele circula e destrói livremente.

Imagem: divulgação

Chico, aproveita, sabiamente, sua ambientação futurística para denunciar, em 22 minutos,  o que já acontece no país de forma “mais velada” e o que pode vir a acontecer, caso ignoremos as consequências de um golpe de Estado e a crescente dos preconceitos e da perda de direitos dolorosamente conquistados.

Destacam-se aqui as atuações de Jeckie Brown (Nazaré, mãe de Chico) e Lucia Talabi (Benedita, avó de Chico). A primeira representando o desespero e a dor de uma mãe que não consegue vislumbrar qualquer possibilidade de um futuro digno, e a segunda representando uma avó que faz de tudo para poupar o neto da desumanidade legitimada por governo e sociedade civil.

Imagem: divulgação

No final, a brutalidade de uma realidade distópica se choca com a poesia das interpretações de liberdade e da perseverança de relações baseadas em amor. O resultado disso é um curta-metragem forte, enérgico e desconcertante para qualquer pessoa disposta repensar seus privilégios.

Chico é um dos indicados na categoria Melhor Curta-metragem de Ficção do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2018 e está disponível gratuitamente no site Porta Curtas.

 

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Ficha técnica

Direção: Irmãos Carvalho

Duração: 22 min

País: Brasil

Ano: 2016

Elenco: Fabrício Assis, Jeckie Brown, Lucia Talabi

Gênero: Drama

Disponível em: Porta Curtas

 

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