[Coluna] Por que Insatiable é uma das séries mais polêmicas da Netflix?

[ATENÇÃO: Pode conter spoilers!]

Entre julho e agosto deste ano, quando a Netflix divulgou o lançamento de Insatiable, série em que Debby Ryan (ex-estrela do Disney Channel) interpreta uma menina com compulsão alimentar e fome de vingança, as reações à sinopse foram diversas. Isso, porque grande parte da internet simplesmente se recusou a acreditar na qualidade de um programa que exploraria a gordofobia (aversão a pessoas gordas) de modo cômico.

Com a estreia da série, no dia último dia 10, os piores receios dos assinantes do streaming se confirmaram. Explica-se: a personagem de Ryan, Patty Bladell, sofrera bullying durante toda a vida por ser gorda. Então, após ser agredida por um mendigo desconhecido, ela fratura a mandíbula e vai parar no hospital. Por meses, a garota é submetida a uma dieta líquida, e acaba emagrecendo drasticamente. Quando retorna ao convívio social, Patty é abordada por um preparador de concursos de misses, Bob Armstrong (Dallas Robert), que vê na jovem insegura uma perfeita chance de se sair vitorioso.

Patty Bladell (Debby Ryan) / Divulgação

 

VAMOS ÀS EXPLICAÇÕES

Não bastasse a trama principal e exagerada envolvendo a protagonista, a de seu preparador não fica muito atrás; aliás, tudo em Insatiable tem um “quê” de surreal. Antes de conhecer sua mais nova pupila, Bob (cuja profissão é a de advogado) é acusado falsamente de ter assediado uma de suas candidatas a misse, e pela própria mãe da menina – a desequilibrada Regina Sinclair (Arden Myrin).

No entanto, a “tática” de Regina é um ato de pura vingança, pelo simples fato de sua filha Dixie (Irene Choi) não ter ganhado um concurso. E, para a nossa surpresa, descobrimos posteriormente que Regina é quem mantém um caso com um jovem menor de idade – que, por sinal, é filho de Bob Armstrong.

 

VOCÊ QUER NOVELÃO, @?

Com ares de novela mexicana, o enredo de Insatiable é, mesmo, uma salada de frutas azeda. Desde o princípio da história, é difícil engolir temas tão polêmicos expostos de modo tão forçado. Quanto ao humor escrachado, que claramente tem o intuito de denunciar ações deploráveis (como o bullying contra gordos), é tão descabido que chega a beirar o ofensivo.

Patty, antes de emagrecer (Debby Ryan) / Divulgação

Basicamente, quando imaginamos que as coisas podem começar a melhorar – quando Patty faz um belo discurso sobre aceitação, por exemplo; ou quando ela e Coralee (Alyssa Milano), a esposa de Bob, estreitam laços afetivos; e até no cômico momento em que a relação entre Armstrong e seu antagonista, Bob Barnard (Christopher Gorham), sofre uma reviravolta… –, tudo sempre vem acompanhado de um desfecho indigesto.

Descrever a reação do espectador de Insatiable, em poucas palavras, é um trabalho árduo; mas que poderia ser simplificado através da seguinte colocação: “ok, então é sobre isso que a série irá falar agora…ah, não. Espere. Não é. Mas…o quê?”. A cada episódio, os personagens estabelecem novas metas – o que não seria um problema, se tudo não fosse tão absurdo e inconsistente.

 

A MAIOR COMPULSÃO É A POR REVIRAVOLTAS NONSENSE

Para se ter uma ideia, em doze horas de série, Patty: emagrece; é processada por agredir um mendigo; provoca a morte de um homem; apaixona-se por Bob (Armstrong), fica a fim de Brick (Michael Provost), o filho de Bob; envolve-se com o bad boy Christian (James Lastovic); rompe com sua mãe Angie (Sarah Colonna), e depois torna-se amiga dela; participa de alguns concursos de misse; expõe, duas vezes, os dois casos extraconjugais de Bob Armstrong para a esposa; foge com o namorado; pensa estar grávida; descobre um teratoma (tumor germinativo); planeja um sequestro; é sequestrada, perseguida, bulinada, malfalada, exorcizada (!), tem vídeos pessoais expostos e sofre mais uma porção de desventuras, a princípio, “engraçadas”.

Mas, não. Pouquíssimas coisas ali são, de fato, divertidas. A maioria é fruto de um humor apelativo, com estratégias dignas de um “Zorra Total para maiores”. Além de tudo pelo o que Patty passa, e mesmo com um elenco tão pequeno, há ainda as subtramas dos outros personagens, que tornam a lista de reviravoltas de Insatiable ainda maior.

Bob Armstrong (Dallas Roberts) e Patty Bladell (Debby Ryan) / Divulgação

 

E, DIGO MAIS…

Nonnie (Kimmy Shields), a melhor amiga da protagonista, é uma das figuras mais simples e interessantes – e, sim, simplicidade é um colírio para os olhos nesta série. Isso porque a menina é uma das únicas com autoconsciência e cujo plot sobre a própria sexualidade é bom de se acompanhar. No caso dos Bob (Armstrong e Barnard), que passam a exercer uma afeição um pelo outro, também chega a ser um ponto positivo, a uma altura em que já estamos nos sentindo quase derrotados pela dura tarefa de seguir assistindo à série.

Mas, como tudo que é bom, aqui, dura pouco, a esposa (separada) de Armstrong passa a se meter na relação entre os dois homens – forçando, por um tempo, um chamado trisal. Há também a vilã obsessiva de Beverly D’Angelo, a preparadora de concursos Stella Rose, que aparece em não mais do que três ou quatro episódios. Seus objetivos, por sinal, são tão esvaziados de sentido que sequer podemos classificá-la como sendo “a” vilã do programa. Talvez, a grande vilã seja, na verdade, uma anti-heroína: a própria Patty.

Insatiable é, no geral, uma grande bagunça. Há muitas séries de comédia ou de humor dark na Netflix, cuja qualidade é inegável – como Orange Is the New Black, Unbreakable Kimmy Schmidt e a animação Big Mouth –, mas, a estrelada por Debby Ryan não é uma delas. Pode ser que você goste da dita “salada de frutas” que é Insatiable; mas não se esqueça de que sua abordagem problemática sobre questões sociais é algo que pode não agradar muita gente – e com razão. Sem falar que, salada de frutas azeda pode dar afta na boca.

Imagem: divulgação

 

Ficha técnica

Criação: Lauren Gussis

País: EUA

Ano: 2018

Elenco: Debby Ryan, Dallas Roberts, Alyssa Milano, Kimmy Shields

Gênero: Comédia, Drama

Distribuição: Netflix

 

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