Na última sexta (02), estreou no catálogo da Netflix a série cyberpunk do momento, Altered Carbon – inspirada no livro lançado em 2002, Carbono Alterado, de Richard K. Morgan. Ambientada em uma sociedade futurista, altamente tecnológica e distópica, a trama conta a história de Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), um ex-rebelde que, após passar 250 anos inconsciente, desperta em um novo corpo; ou melhor, em uma nova capa (como é chamada na série).
Contratado pelo magnata Laurens Bancroft (James Purefoy), Kovacs é “ressuscitado” para ajudá-lo a descobrir quem o matou. A partir daí, o destino do ex-Emissário (termo usado para identificar a posição política e filosófica de um antigo grupo rebelde, do qual o protagonista fizera parte) cruza inúmeras vezes com o da enigmática policial Kristin Ortega (Martha Higareda) e, assim, os demais eventos se desenrolam.
No universo da história, a morte integral de um ser humano – ou seja, aquela que determine a não-existência não somente de uma capa, mas sim da consciência de um indivíduo – só é possível a partir da destruição dos denominados cartuchos: aparelhos eletrônicos instalados no organismo de todas as pessoas, desde seus nascimentos, a fim de gravar as suas experiências e ser passível da realização de backups. Sendo assim, qualquer capa danificada poderá ser substituída por outra que estiver disponível e, nessa sociedade, quanto mais pobre alguém for, menos liberdade para escolher um novo corpo essa pessoa terá.
É simplesmente impossível não lembrar de Blade Runner (1982), assistindo à série. Os cenários externos, produzidos por técnicas de CGI, parecem ter saído diretamente de um spin-off do filme de Ridley Scott. Inicialmente, a original Netflix revela-se uma homenagem a produções como, além do próprio Blade Runner, o anime japonês Ghost in the Shell (1995) – baseado no mangá lançado em 1989. Ao longo das últimas décadas, Ghost inspirou inúmeras histórias e filmes do gênero cyberpunk. A ambientação do desenho, seus personagens e até mesmo sua narrativa, com certeza influenciaram (direta ou indiretamente) na criação de Altered Carbon (livro e série).
Se, até aqui, você acha que a série apresenta elementos o suficiente para a composição de uma história, está enganado. Em seus dez episódios, de pouco mais de 50 minutos cada, Altered não apenas nos introduz a seu universo, mas principalmente nos superestima, ao tratar os espectadores, em diversos momentos, como se todos estivéssemos familiarizados às leis e regras sociais daquele mundo futurista. Ao mesmo tempo em que isso denota certo mérito à produção – afinal, audiências insatisfeitas sempre reclamam da obviedade e monotonicidade de diversas tramas –, também a torna um tanto confusa.
As complexidades de vários personagens – como a ex-Emissária Quellcrist Falconer (Renée Elise Goldsberry), a irmã de Kovacs, Reileen Kawahara (Dichen Lachman), e Poe, uma Inteligência Artificial (Chris Conner) –, brigam entre si pelo tempo de tela e atenção dos espectadores. Diferentemente de produções que apresentam vários núcleos, Altered parece ter apenas dois focos em sua narrativa: solucionar o suposto assassinato de Bancroft e esclarecer a história do protagonista. A certa altura, ambos os personagens veem suas desventuras conectadas e, aí, a mistura de explicações científicas e tramas familiares não acompanha um ritmo fluido.
É claro que, pela série tratar de uma questão extremamente relevante para a atualidade – que seria a falta de ética contida em muitas pesquisas e produtos tecnológicos –, Altered Carbon tem, sim, seu prestígio. Os efeitos visuais e sonoros são mesmo impressionantes para um programa de streaming, e a atuação de Kinnaman é bastante consistente ao lidar com os tantos elementos postos em tela.
Outro ponto importante da narração diz respeito à temática religiosa. Na série, o Cristianismo tradicional cedeu lugar a um “Neocristianismo”, cuja função narrativa é a de questionar constantemente a existência de “alma” vs. cartucho. A família da detetive Ortega, de origem latina e (neo)cristã, protagoniza cenas próximas de reuniões de família da vida real, trazendo o que há de mais verossímil e mundano na série – assim como os laços afetivos. Todos os personagens valorizam a ideia de família, e isso determina cada uma de suas atitudes.
Por falar em realidade, e assim como demais produções da Netflix, a representatividade do elenco é notável. Apesar de o ator principal (Kinnaman) ser um homem branco, todo o passado de seu personagem é contado em flashbacks com atores asiáticos. A irmã de Kovacs, Reileen – cujas intenções soam um tanto exageradas em determinados momentos –, também é interpretada por uma atriz asiática. Além da família latina e da própria Kristin Ortega, há personagens negros em grande destaque – como a imponente ex-Emissária Falconer, o pai desesperado, Vernon Elliot (Ato Essandoh), e sua filha, Lizzie (Hayley Law) –, assim como um muçulmano – o parceiro da detetive Ortega, Abboud (Waleed Zuaiter).
Variedade é o que não falta nessa série. E, por mais que ela se esforce para se equiparar a grandes sucessos do gênero, seja talvez pela quantidade exaustiva de conflitos pontuais ou pelo desgaste de produções de ficção científica dos últimos anos – como Elysium, Oblivion (ambos de 2013), Prometheus (2012), A Série Divergente (iniciada em 2014), RoboCop (2014), O Exterminador do Futuro: Gênesis (2015) e Alien: Covenant (2017) –, o fato é que Altered Carbon poderia ter sido muito mais do que uma diversão momentânea. Esperemos pela segunda temporada, para saber o que será da série.
Ficha técnica
Criação: Laeta Kalogridis
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: Joel Kinnaman, James Purefoy, Martha Higareda, Renée Elise Goldsberry
Gênero: Policial, Ficção Científica, Suspense
Distribuição: Netflix
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