Layla M. (Nora El Koussour), personagem-título do filme da holandesa Mijke de Jong, é uma garota muçulmana que nasceu em Amsterdam. Apesar de nunca ter conhecido outra realidade, a jovem vive ininterruptamente assombrada por uma sensação de não pertencimento, consequência da crescente onda de xenofobia que assola a Europa.
No dia a dia, Layla sente as pequenas violências de olhares tortos e comentários inconvenientes na pele. Mesmo sendo uma cidadã holandesa, ela sabe que seu véu, suas feições e suas crenças a transformam no outro. Um outro excêntrico, que causa medo e que não é muito bem quisto.
Enquanto sua família, de origem marroquina, parece lidar com perfeito equilíbrio entre religião e modo de vida holandês, cresce em Layla uma profunda revolta contra o preconceito velado (e às vezes não tão velado assim) a que é submetida todos os dias. A jovem sabe que aos olhos brancos e cristãos de seu país, seu povo é cada vez mais genericamente considerado perigoso e terrorista.
Com a intenção de fazer alguma coisa a respeito do que acha injusto e cruel – como a proibição do véu e os pequenos avanços xenófobos sobre sua comunidade -, Layla começa a se envolver com uma organização fundamentalista. A princípio, a jovem quer protestar, questionar, incomodar o status quo e construir algum tipo de senso de coletividade entre os muçulmanos holandeses.
Ao passo em que toma conhecimento sobre a situação de total ausência de direitos humanos em que pessoas de sua religião vivem em outros países, sua indignação cresce e ela começa a enxergar no extremismo a única saída contra toda a miséria que acomete seus semelhantes.
Tomada por fúria e desgosto, Layla decide casar-se com Abdel (Ilias Addab), um jihadista, e abandonar a Holanda – ignorando o sonho da mãe de vê-la formada em medicina e todas as vezes que escutou de seu pai que situações de ódio não podem ser resolvidas com mais ódio.
Assim que chega ao Oriente Médio com o marido, a protagonista conhece mais a fundo a organização com a qual se envolveu e se depara com outra realidade, também repleta de contradições e diferente de tudo que ela havia idealizado.
A partir desse momento, Layla se divide entre a alegria de estar diante de suas origens e o espanto de ter que lidar com ideias absolutamente radicais, variações de intolerância e de machismo que ela não imaginaria vivenciar e cenas de violência que contrariam seus valores.
Internacionalmente, a Holanda sempre foi vista como um país um tanto quanto tolerante e progressista, principalmente em relação a questões como homossexualidade, drogas e aborto. Ao optar por fazer um filme como Layla M., a diretora traz à tona um embate legitimo entre estereótipos destinados às duas realidades que sua protagonista enfrenta ao longo da narrativa.
Em um primeiro momento, Layla vive na Holanda e revela a fragilidade de uma “democracia tolerante” posta à prova frente ao caos da crise de refugiados e a crescente ideia de que quem vem de fora é um inimigo sorrateiro.
Mais tarde, imersa em tudo que ela acreditava ser perfeito quando vivia na Holanda, a protagonista descobre novas restrições e preconceitos e percebe que, às vezes, manter tradições ao pé da letra pode ser retrógrado e até nocivo.
Quando escolhe contar sua história através da perspectiva de uma mulher, a diretora consegue dar o tom exato de seu filme, acrescentando elementos extras ao conflito. Além do confronto de realidades (por diferenças religiosas, políticas, econômicas, de costumes), as vivências de Layla atravessam questões de gênero e opressões que não poderiam ser discutidas a partir de um personagem homem.
Isso tudo torna o filme singular. Uma obra que decide não tratar de toda a estrutura de poder política e ideológica que envolve grupos extremistas, preferindo, portanto, abordar o assunto a partir das motivações de uma garota que corresponde ao patamar mais baixo da hierarquia da organização que a recruta – humanizando pessoas que podem fazer escolhas erradas por desespero e ignorância.
Layla M. não é repleto de cenas emocionantes, violentas, ou dramaticamente carregadas. Não existem aqui grandes ápices narrativos que apelam para o envolvimento emotivo do espectador. E é justamente por isso que o filme cumpre sua função de confrontar realidades complexas com qualidade, sem se perder em juízos de valor tolos sobre bem e mal e certo e errado.
*A produção foi exibida no Festival de Toronto, escolhida como o candidata da Holanda na busca por uma indicação ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro e chegou ao Brasil distribuída pela Netflix.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 1h43
Direção: Mijke de Jong
Elenco: Nora El Koussour, Hassan Akkouch, Ilias Addab
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
País: Bélgica, Holanda, Alemanha, Jordânia
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