O cinema mexicano tem muito em comum com o brasileiro, a começar pelo fato de México e Brasil serem dois dos poucos países latino-americanos onde é possível dizer que existe alguma indústria cinematográfica. Também como no Brasil, a distribuição é um problema para os filmes mexicanos, que disputam espaço com as grandes estreias hollywoodianas.
Para girar o mercado do cinema nacional, então, o México aposta em produções comerciais; geralmente comédias influenciadas pela linguagem tradicional da televisão e, inclusive, protagonizadas por rostos conhecidos das telenovelas. É este modelo de negócio, muito semelhante ao brasileiro, que logra arrastar multidões às sessões nacionais, gerando expressivos números de bilheteria. Por outro lado, e inevitavelmente, tal característica desencadeia discussões sobre as diferenças de qualidade criativa entre o cinema autoral e o comercial (ou “de entretenimento”).
Quase sempre padronizadas e apenas local, financeira e instantaneamente bem-sucedidas, as comédias mexicanas de grande apelo popular costumavam ser raras nos circuitos brasileiros de exibição. Isso tem mudado, porém, com a ascensão das plataformas de streaming. Hoje, por conta da necessidade de serviços de vídeo sob demanda preencherem catálogos com mais e mais títulos, parte dos lançamentos comerciais mexicanos tem circulado mundialmente.
Nesta lista, portanto, comentamos três “tipos” de comédias românticas que chegaram ao Brasil via Prime Vídeo e que dizem muito sobre o tratamento comercial dado ao gênero no México. São elas: En las Buenas y en las Malas, Doblemente Embarazada e El Hubiera Sí Existe.
Os comentários abaixo contêm spoilers dos filmes.
A INTRAGÁVEL: En las Buenas y en las Malas
Dirigida por Gabriel Barragán e protagonizada por Zuria Vega e Alberto Guerra, a dramédia En las Buenas y en las Malas tem como proposta abordar um ponto de vista masculino sobre relacionamentos. O problema é que o ponto de vista de Sebastián (Guerra), o protagonista, é bastante problemático e nada engraçado.
A contragosto, sentindo-se pressionado por uma gravidez inesperada, Sebastián pede a namorada Valeria (Vega) em casamento. Depois disso, sempre afetivamente irresponsável, o personagem faz a parceira passar por maus bocados. No fim, tudo acaba em pizza, e uma serenata de 2 minutos é suficiente para que o sujeito conquiste o perdão da amada.
Criativamente infeliz e extremamente desagradável, o filme se arrasta carregando personagens medíocres do nada a lugar nenhum – o que inclui o “desenvolvimento” de uma representação esdrúxula de “homossexualidade enrustida”.
No caso de En las Buenas y en las Malas, nem os clichês do gênero comédia romântica ajudam a aliviar os defeitos de uma trama absurdamente leviana, digna de um péssimo programa de TV.
A FRUSTRANTE: Doblemente Embarazada (Duas Vezes Grávida)
Cristina (Maite Perroni) está vivendo uma gravidez de gêmeos inusitada: cada bebê é filho de um pai diferente; e os dois homens estão dispostos a guerrear pelo amor da moça.
Engessada nos quesitos clichês de gênero e conflitos pastelão de relacionamento, além de estranhamente obcecada pela cor amarela, Doblemente Embarazada, produção de Koko Stambuk, mantém certa regularidade até os minutos finais, quando decide tentar surpreender o espectador apelando para uma reviravolta trágica e rocambolesca.
A partir daí, tudo o que já não era lá grandes coisas descamba; e a protagonista, que aturou dois homens inconvenientes durante todo o filme, acaba jogada para escanteio. Um injustificável balde de água fria no espectador.
A QUE É MEDIANAMENTE RUIM: El Hubiera Sí Existe
Com um pouco (ou talvez muito) de boa vontade, é possível se entreter assistindo a El Hubiera Sí Existe. Para isso, basta aceitar a estrutura previsível do romance entre Elisa (Ana Serradilla) e Carlos (Christopher Von Uckermann) e desconsiderar todas as incoerências do desenvolvimento de algum tipo de ficção científica no roteiro. Dirigido por Luis Eduardo Reyes, o filme aposta em viagens do tempo para se diferenciar no cenário das comédias românticas; mas aposta com limitações.
Na trama, Elisa é uma moça tímida que mantém pouca vida social; seu único colega de trabalho é Carlos. Um dia, ela é visitada por sua eu do futuro, que lhe explica como tomar as rédeas da própria vida e encontrar a felicidade. Tudo vira uma confusão, porém, quando as interferências de vários viajantes do tempo saem de controle – resultado de um enredo que vai perdendo qualquer mínimo lastro de consistência em relação às consequências do uso desleixado da ciência e da tecnologia num futuro próximo.
Assim, se visto como história de amor entre duas pessoas que demoraram muito tempo para perceber que formariam um bom casal, El Hubiera Sí Existe pode até ser considerada razoável. A tal da ficção científica, por outro lado, fica restringida ao âmbito da experimentação descuidada.
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