A pandemia da Covid-19 representa um novo marco na trajetória ciclicamente interrompida da produção audiovisual latino-americana, e não sabemos ao certo como se darão os efeitos dessa inflexão a longo prazo. Por enquanto, como no resto do mundo, os cinemas da região estão há meses de portas fechadas, festivais procuram por novos formatos, filmagens foram paralisadas, bem como a maioria dos conteúdos de entretenimento inéditos da televisão, e o streaming despontou como a tábua de salvação tanto para o consumo do público entediado como para o escoamento do material que estava prestes a estrear antes do isolamento social começar.
Diante desse cenário de mudanças, crises e incertezas de mercado, diversos realizadores se dedicaram a adaptar o modo de fazer audiovisual para registrar o que vivemos em 2020. O trabalho remoto, a internet e as tecnologias se tornaram parte estruturante dos processos criativos, e a pandemia como eixo temático é predominante. Por outro lado, a confecção a poucas mãos, executada por pequenas equipes (ainda que em distanciamento social), desafia a engenhosidade de artistas e recupera algo da essência artesanal dos primórdios do audiovisual.
Se os novos formatos vieram para ficar ou se são apenas improvisos de um período atípico, não sabemos. Contudo, não se pode negar que os frutos desses tempos representarão, no futuro, documentos significativos de uma das tantas etapas conturbadas da contemporaneidade.
Abaixo, conheça alguns dos destaques da produção latino-americana durante pandemia:
DIÁRIO DE UM CONFINADO
Criada, escrita e protagonizada por Bruno Mazzeo, Diário de um Confinado é a primeira série global completamente realizada via trabalho remoto; da pré à pós-produção.
Ao todo, 12 episódios curtos destrincham a quarentena de Murilo (Mazzeo), um solteirão da classe média carioca que, aos 40 anos, enfrenta dificuldades com a rotina doméstica e enfadonha do isolamento social. Paranoias, fake news, obsessão por álcool em gel, lives e robôs aspiradores de pó dão o tom desse conjunto de crônicas tragicômicas sobre o cotidiano em tempos de pandemia – e podem facilmente provocar a identificação do espectador.
Confinado com a esposa Joana Jabace e os filhos, Mazzeo transformou o apartamento da família em set de filmagem para gravar as desventuras prosaicas de Murilo. Jabace, co-criadora do projeto, assumiu também a função de diretora artística. O resto do trabalho técnico foi feito por uma equipe que colaborou à distância, cada um em sua casa.
Além disso, a série conta com as ilustres e virtuais participações de Arlete Salles, Fernanda Torres, Lázaro Ramos, Lúcio Mauro Filho, Georgette Fadel e Renata Sorrah. Débora Bloch e Matheus Nachtergaele, vizinhos de Bruno Mazzeo, participam presencialmente.
Diário de um Confinado está disponível na íntegra para assinantes do Globoplay
A PESTE DA INSÔNIA
Dirigido pelo venezuelano Leonardo Aranguibel e disponibilizado pela Fundação Gabo no YouTube, sem fins lucrativos, o curta-metragem A Peste da Insônia (La Peste del Insomnio) reúne mais de 30 atores e atrizes de sete países latino-americanos numa leitura remota, conjunta e intimista de trechos do livro “Cem Anos de Solidão”, do colombiano Gabriel García Márquez.
O objetivo da obra, de acordo com o diretor, é aludir às pestes do realismo fantástico de García Márquez para evocar esperança em meio à crise sanitária e econômica causada pela Covid-19, além de homenagear as vítimas da pandemia.
Entre os convidados estão os argentinos Leonardo Sbaraglia e Ricardo Darín e a brasileira Alice Braga.
FEITO EM CASA
Em Feito em Casa, antologia composta por 17 curtas-metragens originais Netflix e idealizada pelo diretor chileno Pablo Larraín em conjunto com seu irmão, Juan de Dios, renomados diretores, de vários países, propõem diferentes perspectivas e narrativas sobre o mundo em quarentena.
Entre eles, o próprio Larraín, com um curta ficcional jocoso sobre um homem que vive em uma casa de repouso e decide fazer uma chamada de vídeo com a ex-namorada da juventude, para dizer a ela que nunca a esqueceu.
Outro dos curtas, dirigido pelo também chileno Sebastián Lelio (Uma Mulher Fantástica), consiste em um musical existencialista protagonizado pela atriz Amalia Kassai. Enquanto performa as tarefas domésticas, Kassai reflete sobre as inquietações humanas acentuadas durante isolamento.
Da América Latina, há ainda o curta da mexicana Natalia Beristáin, que, confinada, resolve registrar como sua pequena filha faz para se divertir ao longo de dias que parecem todos iguais.
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