[Crítica] Essa Não É Uma Comédia

Não há nada de muito gracioso na vida do humorista e aspirante a diretor de cinema Gabriel. Talvez por isso o título do mexicano El Comediante, na tradução, tenha se transformado em Essa Não é Uma Comédia.

Dirigido por Rodrigo Guardiola e Gabriel Nuncio, que também assina o roteiro e interpreta o protagonista, emprestando nome e bagagem a ele, o filme experimenta trafegar entre o humor, o drama e até a ficção científica para contar a história de um homem que beira os 40 anos e coleciona frustrações.

Imagem: divulgação

Gabriel não tem emprego fixo nem dinheiro, sua carreira no stand-up é um fiasco, a relação com a família é constrangedora, sua namorada, Leyre (Cassandra Ciangherotti), toca ukulele e pretende buscar transcendência espiritual indo atrás de extraterrestres. Além disso tudo, Melissa (Adriana Paz), sua melhor amiga, quer engravidar e o convida para ser o doador de esperma, despertando no personagem, talvez pela primeira vez, inquietações sobre paternidade. 

Como um hamster correndo em sua rodinha, o protagonista se acostuma a viver repetições que não levam a lugar algum.  Em suas dinâmicas cotidianas há sempre encontros não muito relevantes com um ou outro amigo, alguma decepção pessoal, profissional ou sentimental e, no fim do dia, a necessidade de chamar o chaveiro para entrar em casa depois de mais uma vez esquecer as chaves. 

O único norte de Gabriel é a obsessão em realizar seu primeiro filme, um drama que contaria a história da primeira astronauta a chegar a Marte. O problema é que ninguém parece entender a essência de sua ideia, e por isso uma possível estreia no cinema acaba se transformando em mais uma jornada de descontentamentos.

Com participações especiais de Cecilia Suárez, Manolo Caro e Tenoch Huerta, Essa Não é Uma Comédia está disponível na Netflix.

A ANTÍTESE DA GRAÇA

Essa não é uma comédia, de fato. Mas há humor nas entrelinhas, um humor que vem da ironia intrínseca aos desassossegos da vida adulta, às miúdas decadências do cotidiano. Um humor ácido, que aparece conforme transbordam as crises e se desgastam os ânimos de um protagonista casmurro: inflexível, melancólico, ensimesmado. Também há,  na combinação  do onírico com o mundano, o humor sobre os absurdos cotidianos.

(Netflix Latinoamerica/YouTube)

Ao mesmo tempo, o drama embala a história de instabilidades do protagonista e a ficção científica aparece aqui e acolá, quando Gabriel projeta sua própria trajetória de frustrações na história que pretende contar no cinema ou quando ouve Leyre falar sobre a possibilidade de abandonar a inércia e partir rumo ao contato com o desconhecido. 

Desenvolvido a partir de anedotas pessoais dos diretores e coescrito por Nuncio e Alo Valenzuela, o roteiro faz do fracasso o condutor narrativo de uma trama que oscila entre gêneros, dispensando categorizações e abraçando a experimentação na montagem das situações.

Então, entre o tom abrumado da composição visual e cenas que conseguem retirar excentricidades do ordinário, Essa Não é Uma Comédia se destaca por sua forma assumidamente estranha e cínica de contar as historietas de um homem que de tanto experimentar antíteses da graça acaba transformando-se numa sátira de si mesmo. 

Ficha Técnica:

Direção: Rodrigo Guardiola, Gabriel Nuncio

Duração: 1h45

País: México

Ano: 2021

Elenco: Gabriel Nuncio, Cassandra Ciangherotti, Adriana Paz, Cecilia Suárez, Alejandro Saevich, Tenoch Huerta, Manolo Caro

Gênero: Comédia, Drama

Distribuição: Netflix

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