Durante o pré-lançamento de um filme, é muito comum nos depararmos com uma porção de propagandas enganosas quanto à representatividade. Você já foi assistir a uma produção de Hollywood pensando em encontrar uma mulher empoderada, um casal LGBT ou uma pessoa gorda com grande destaque? E, tudo porque o trailer, os cartazes ou os próprios membros da equipe promoveram o filme como algo bastante diferente do que é?
Infelizmente, esse tipo de abordagem das distribuidoras visa exclusivamente a bilheteria do produto, não só hollywoodiano, mas de qualquer lugar – e, sim; nesse caso, o longa-metragem é visto muito mais como uma fonte de lucro do que como material artístico. Em contrapartida, há produções com temáticas verdadeiramente representativas, e que enriquecem suas narrações devido à genuinidade através da qual são exploradas.
Este último é o caso de uma série de filmes do polêmico – e político – diretor estadunidense Spike Lee, que retrata o papel dos negros na sociedade contemporânea; do brasileiro Eduardo Coutinho que, durante grande parte de sua vida, deu voz àqueles que nunca antes foram escutados; da também brasileira Anna Muylaert, e de uma série de outras figuras importantíssimas ao cinema como instrumento cultural. Confira abaixo 5 filmes que enfatizam a representatividade genuína no cinema!
1. Ela Quer Tudo (1986)
Dirigido pelo já citado Spike Lee, Ela Quer Tudo conta a história de uma jovem que vive sua sexualidade livremente. Sustentando três relacionamentos com homens diferentes, Nola Darling (Tracy Camilla Johns) é uma mulher negra, moderna e moradora do Brooklyn (Nova Iorque). Confusa diante de suas opções amorosas, a jovem adulta mantém as três relações por não saber com quem ficar efetivamente. Ainda assim, Nola é extremamente empoderada e ciente de seus direitos como mulher.
Um filme simples, e sofisticado em sua sutileza, Ela Quer Tudo é uma das obras mais marcantes do cineasta. Com participação do próprio Lee, como Mars Blackmon, a produção é surpreendente.
2. Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)
Tal como nas obras de Spike Lee, Barry Jenkins, o diretor de Moonlight: Sob a Luz do Luar, é um grande representante do movimento negro. Isso, porque seus poucos – mas brilhantes – trabalhos carregam um fortíssimo apelo crítico, e através de uma sensibilidade sem igual. Diferentemente de Lee, no entanto, Jenkins conta histórias mais poéticas do que políticas; mais agridoces do que ácidas.
Em Moonlight, Chiron (Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes) é um garoto negro de uma comunidade de Miami. Passando por três momentos distintos de sua vida, o filme acompanha os fatos mais marcantes das respectivas fases – envolvendo sua sexualidade, o bullying sofrido, a relação conturbada com a mãe, Paula (Naomie Harris), e também com o seu único exemplo masculino, o traficante Juan (Mahershala Ali). Vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2017.
3. Tudo Sobre Minha Mãe (1999)
Depois da morte do único filho em um acidente, Manuela (Cecilia Roth) parte de Madrid para Barcelona, à procura do pai do jovem. Assim, a mulher em luto reencontra sua amiga travesti, Agrado (Antonia San Juan), e conhece a freira Rosa (Penélope Cruz), que tem a intenção de ir para El Salvador.
Manuela acaba se tornando assistente de Huma Rojo (Marisa Paredes): uma famosa atriz, e a ídola de seu filho falecido – cujo acidente ocorreu enquanto o garoto tentava pedir um autógrafo para Roja. Dos inúmeros acasos – ou não – de Tudo Sobre Minha Mãe, constroem-se relações íntimas e extremamente delicadas entre os personagens. Um belo retrato sobre identidade de gênero e maternidade. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2000.
4. Cabra Marcado para Morrer (1984)
Considerado, por muitos, um dos melhores (senão o melhor) filmes nacionais de todos os tempos, Cabra Marcado para Morrer é a obra-prima de Eduardo Coutinho. Em 1964, as filmagens de uma dramatização biográfica sobre João Pedro Teixeira, líder camponês assassinado em 1962, foram suspensas devido ao golpe militar.
Todo o material de Cabra Marcado para Morrer (o filme que nunca existiu) fora confiscado – até mesmo aquilo que já havia sido filmado. Na adaptação, Elizabeth Teixeira, a viúva de João Pedro, interpretaria a si mesma. Já em 1981, em tempos de abertura política, Coutinho resolveu retomar a produção do longa-metragem; mas, daquela vez, sob a forma de um documentário que uniria as histórias do ruralista executado com a interrupção de seu filme de 1964.
Cabra Marcado para Morrer, o documentário, foi lançado oficialmente em 1984. As entrevistas com sindicalistas e participantes da luta pela reforma agrária, em plena década de 1980, chamaram a atenção do público brasileiro. Ainda que nos últimos anos de ditadura, Coutinho e as figuras reais de seu filme demonstram verdadeira coragem ao posicionarem-se da forma como o fazem. Elizabeth, mãe de onze filhos e recolhida em segredo, é a personagem de maior apelo e de – merecido – destaque do longa. Sua resistência é simplesmente inspiradora. Recebeu o prêmio Hours Concours do Festival de Gramado em 1985.
5. Que Horas Ela Volta? (2015)
Em 2015, o cinema nacional de drama ganhou um de seus maiores representantes do milênio. Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, é um tapa na cara da sociedade brasileira hierárquica e elitista da atualidade. Val (Regina Casé) é uma empregada doméstica que, como muitas mulheres reais, dorme em um quarto separado no próprio local de trabalho e vive afastada de sua filha, Jéssica (Camila Márdila).
Vinda de Pernambuco para São Paulo com o intuito de ingressar na faculdade, Jéssica espera hospedar-se na casa de Val; mas, quando chega no Sudeste, a menina descobre que sua mãe vive na casa dos patrões, o casal Bárbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli). Tendo, praticamente, educado o filho do casal, Fabinho (Michel Joelsas), Val teve de abrir mão de conviver com a própria filha, e também de uma parte de seu direito a respeito (inerente, mas nada autoconsciente na protagonista).
Que Horas Elas Volta?, por mais interessante que seja, não é um filme perfeito. Na época do lançamento, alguns veículos e internautas criticaram a produção por pecar na representatividade negra – que, no caso, é inexistente (saiba mais aqui). Geralmente, a questão da contratação de empregadas domésticas está aliada também ao racismo, e não somente às diferenças de classe e/ou de gênero. Ainda assim, a discussão proposta pelo longa é bastante válida; e construída em cima de uma verossimilhança cruel. Vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2016 de Melhor Filme.
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