Como explicar Fogo Sombrio? Dirigido pelo mexicano Bernardo Arellano, o longa original Netflix tenta harmonizar uma ambiciosa combinação de gêneros que poderia ser promissora, mas vai do nada ao lugar nenhum. A jornada deste verdadeiro desatino cinematográfico inicia-se pela história de um criminoso renegado, envolvido por um drama familiar; depois, percebemos estar assistindo a um filme de vampiros, costurado por melodrama.
Durante sofridos 80 minutos, então, acompanhamos o protagonista Franco (Tenoch Huerta) em busca de uma familiar desaparecida. Atrás de pistas, ele se hospeda num hotel sinistro. É ali onde a maior parte das cenas são ambientadas, e também onde o personagem, tentando obter ajuda de uma garota médium, cai nas armadilhas de um homem assombroso e se envolve com uma femme fatale (Erendira Ibarra).
Sem nenhum tipo de evolução lógica do roteiro, Fogo Sombrio se desdobra em uma sucessão de cenas estranhas, quase aleatórias. O argumento da produção não chega nem perto de convencer, bem como as motivações dos personagens e as manobras disparatadas que tentam fazer passar como razoável o esdrúxulo universo sobrenatural criado em torno do tal hotel.
COLCHA DE RETALHOS
É difícil compreender as intenções desta trama mal-ajambrada. Espantados pela completa marmota que se instaura diante de nossos olhos e na esperança de que algo minimamente coerente finalmente aconteça, continuamos assistindo ao filme. No entanto, nos deparamos somente com retalhos de ideias, montados desordenadamente, sob métodos e técnicas que parecem fazer sentido apenas para a equipe envolvida na produção – como uma piada interna compartilhada, sem contextualização, com quem é alheio a ela.
Falta consistência à narrativa, falta substância aos personagens e ao universo criado. Sobram nojeiras bizarras que fazem referência ao trash, relacionamentos interpessoais farsescos que dão forma a uma variedade intragável de melodrama, coreografias caricaturais de luta, usos vulgares de cores primárias e elementos clichês do gênero horror. Horror essencialmente estadunidense, aliás – porque a única aparente “ambientação mexicana” dada ao enredo é uma subtrama duvidosa sobre tráfico de mulheres.
Informações relevantes sobre Franco raramente são oferecidas ao espectador. Também não sabemos por que aquele hotel, em específico, reúne tantos hóspedes excêntricos. Nada é justificado. As passagens entre uma cena e outra são completamente relapsas, e os flashbacks lembram simulações de programas de televisão dos anos 2000. A ação acontece apenas porque sim. Em resumo, os 80 minutos do longa podem facilmente ser confundidos com o pesadelo caótico de alguém que pegou no sono após uma maratona de filmes de terror.
Não há boa vontade que suporte a jornada infundada do protagonista. No fim, parece impossível dizer se Fogo Sombrio é um experimento conceitual pretensioso e malfadado ou simplesmente uma aventura comercial que, deliberadamente ou não, massacra quaisquer processos de contação de histórias em prol de um desfile forçado de elementos de gêneros. Uma coisa é certa, porém: a obra concorre como forte candidata ao título de pior filme original Netflix de 2020.
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Ficha Técnica:
Direção: Bernardo Arellano
Duração: 1h21
País: México
Ano: 2020
Elenco: Tenoch Huerta, Erendira Ibarra
Gênero: Drama, Thriller
Distribuição: Netflix
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