Nesta quinta (23), estreia Histórias Que O Nosso Cinema (Não) Contava, primeiro longa-metragem da diretora Fernanda Pessoa. O documentário faz uma releitura histórica da década de 70 a partir de fragmentos das famosas pornochanchadas (filmes de baixo orçamento que misturavam humor e erotismo), gênero cinematográfico nacional mais produzido e assistido na época, e hoje um dos mais rechaçados do cinema brasileiro.
Sem usar entrevistas, narração em off ou muitos letreiros, a diretora faz de seu filme um exímio trabalho de pesquisa, resgate de memória e montagem. Durante os 80 minutos de duração, assistimos somente a trechos de mais de 20 pornochanchadas, editados e montados de tal forma que, unidos, se transformam num filme autoral que retira, de cada uma de suas referências, o material necessário para recontar a história do cinema e do Brasil dos anos 70 sob outra perspectiva.
Fernanda Pessoa parte do sensato pressuposto de que toda obra cinematográfica é um registro de seu tempo, seja ela considerada boa ou não, para revisitar os mais variados filmes setentistas e resgatar de suas entrelinhas a essência do cotidiano da massa da população brasileira da época.
Assim, a diretora divide sua narrativa entre eixos temáticos, como o milagre econômico, repressão e ditadura civil-militar, representação da mulher, liberação de costumes (aborto, sexualidade, direitos).
Nas obras originais, estes assuntos não eram tratados como ponto de partida da narrativa – ou eram assuntos conduzidos de maneira um tanto quanto duvidosa -, mas estavam presentes no subtexto. Por isso, na organização de trechos realizada por Pessoa e pelo montador Luiz Cruz, os fragmentos formam um conjunto muito rico de informação.
Ao subir dos créditos, também notamos que todos os filmes utilizados pela diretora eram dirigidos por homens. Nesse sentido, Histórias Que O Nosso Cinema (Não) Contava, dirigido e produzido por mulheres, soa como a própria ressignificação e evolução de tudo aquilo que ele aborda.
Se hoje discutimos forma, qualidade técnica, distribuição, conteúdo e representatividade é porque, um dia, passamos por filmes populares como as pornochanchadas, consideradas apelativas e vulgares. Filmes que possuíam inúmeros problemas de qualidade e de discurso, mas que faziam muito sucesso comercial e que nos indicam de onde vem, por exemplo, a afetividade do brasileiro em relação às comédias nacionais – ainda sucessos de bilheteria .
O que Fernanda Pessoa realizou em Histórias Que O Nosso Cinema (Não) Contava é um trabalho minucioso de registro e de contextualização histórica. Seu filme é como uma aventura um tanto quanto inusitada ao centro de temas sempre convenientemente ignorados pelo público brasileiro – como a ditadura civil-militar e questões de gênero e de costumes.
Sendo assim, este é um documentário fundamental para todos aqueles que queiram entender o cinema popular da década de 70 e sua relação com os espectadores e com o país. Afinal, como dizem por aí, é necessário recordar para não repetir.
Veja o trailer:
(Fonte: Boulevard Filmes / YouTube)
Ficha técnica
Direção: Fernanda Pessoa
Duração: 1h20
País: Brasil
Ano: 2018
Gênero: Documentário, Histórico
Distribuição: Boulevard Filmes
COMENTÁRIOS