Em Los Territorios, nosso personagem principal é Iván Granovsky (também diretor do longa), um sujeito que tentou se formar em história e acabou fazendo cinema. Depois, tentou fazer alguns filmes com assuntos relevantes, mas não teve compromisso para terminá-los.
Ofuscado pelo prestígio do pai – um importante jornalista argentino que passou a vida entre editorias internacionais, viagens por diversos países, entrevistas com as mais diversas personalidades e registros de importantes momentos da história – e sem conseguir produzir conteúdo, Iván decide começar um novo projeto audiovisual para falar sobre como é produzir conteúdo, mas isso lhe exige mais do que talvez possa, seja capaz ou esteja disposto a fazer.
Representando – em algum grau – as novas gerações que têm acesso a mais conhecimento mas não sabem como aplicá-lo, Iván sente que é o momento de “ir para a linha de frente” dos acontecimentos internacionais e encontrar algum sentido não medíocre para sua vida. Assim começa sua peregrinação rumo aos maiores conflitos geopolíticos da contemporaneidade – financiado pelos cartões de crédito da mãe.
Em meio a sua jornada pessoal de auto-afirmação, o protagonista deixa bem claro, através de seu comportamento, que suas maiores preocupações são individualistas. Ele não quer mudar o mundo ou usar seu filme como ferramenta de debate. Ele quer provar para si mesmo, para o pai e para o espectador que consegue fazer “coisas grandiosas”.
O filme, por sua vez, corrobora as intenções do protagonista com edição e montagem. Iván passa pelas manifestações de 2013 no Brasil, aparece preocupado em ter uma boa foto com o presidente Lula, explora o pós-ataque ao jornal francês Charlie Hebdo, a crise de refugiados na europa e o sofrimento do povo palestino segregado pelo muro de Gaza.
Nenhum desses conflitos é abordado com profundidade em Los Territorios, e nem seria essa a intenção. Ao passar superficialmente por questões tão caras a atualidade, a produção monta seu mosaico intercalando as viagens do diretor com mensagens de uma mãe furiosa com os gastos do cartão, um pai que sempre tenta ajudar, bandeiras de países diversos e musiquinhas de games antigos.
Passar pelos lugares e explorá-los com algum descaso é realmente tudo que o aventureiro consegue fazer. Por isso, a pergunta que fica é: quanto há de apropriado em estar presente num local de conflito em benefício próprio? Não parece haver nada de verdadeiramente enriquecedor em apenas provar a si mesmo que é capaz de ir até lá e ter “boas histórias para contar depois”, sem necessariamente se importar com as pessoas envolvidas ou com algum tipo de solução. Sem expressar o mínimo de indignação.
Los Territorios chega a ser arrastado em alguns momentos, reforçando demais e sem necessidade a mesma mensagem, mas também é provocador, sutilmente violento ao escancarar a brutalidade da indiferença com o coletivo e até bem humorado ao tratar da mesquinhez humana. Além disso, o longa levanta uma discussão recorrente nos campos do jornalismo, do documentário e da fotografia: como noticiar e registrar sem explorar a miséria do outro?
Iván Granovsky diz não ser muitas coisas, mas seu filme é ousado. Uma narrativa conduzida a partir do próprio diretor, disposto a usar sua persona para gerar desconforto. Sem entregar suas intenções com facilidade, mas causando exatamente o tipo de reação que planejou, Granovsky parece zombar com acidez das gerações do imediatismo superficial. Em tempos de impaciência, um filme como este é de uma beleza singular.
Como complemento, a Sessão Vitrine Petrobras, responsável pela distribuição de Los Territorios, exibirá, antes do filme, o curta-metragem The Beast, dirigido por Michael Wahrmann (coprodutor do lançamento de Granovsky) e pela Sul Africana Samantha Nell, e exibido na Quinzena dos Realizadores de 2016, do Festival de Cannes.
The Best acompanha um dia num parque temático da África do Sul. Ali, funcionários e turistas (brancos) convivem em uma espécie de harmonia desarmônica. Por um lado, cada funcionário do parque sabe exatamente como se comportar diante de turistas que os enxergam como seres excêntricos e que buscam somente viver a experiência da África performática (tribal, colorida, selvagem, primitiva), que habita o imaginário coletivo preconceituoso. Mas, por outro lado, essas pessoas demonstram ter plena consciência da problemática de seus empregos. Dos problemas de representatividade e dos prejuízos da manutenção de estereótipos.
Los Territorios e The Beast compartilham do mesmo formato narrativo sutil, assertivo e nem um pouco digesto e do mesmo humor sofisticado e funcional (presente em outros filmes argentinos, como O Cidadão Ilustre e Medianeras). Juntos, eles proporcionam importantes reflexões sobre o olhar que vem do outro e as consequências desse olhar no dia a dia de quem é, de alguma forma, espetacularizado.
Trailer de Los Territorios:
(Fonte: Vitrine Filmes/ YouTube)
Trailer de The Beast:
(Fonte: Vitrine Filmes/ YouTube)
Ficha técnica
Ano: 2018
Duração: 1h41
Direção: Iván Granovsky
Elenco: Iván Granovsky, Alberto Ajaka, Rafael Spregelburd
Gênero: Doc- Ficção
Distribuição: Vitrine Filmes
País: Argentina, Brasil
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