Estreou na última sexta-feira (31/01) a esperada Luna Nera, série italiana original Netflix inteiramente escrita e dirigida por mulheres; e cuja trama é ambientada na Itália do século XVII, período marcado pela Inquisição que perseguiu, torturou e assassinou principalmente mulheres solteiras, pobres, não heteronormativas ou que dominavam conhecimentos sobre corpo e ervas medicinais. Mulheres que por não se encaixarem nas determinações sociais eram acusadas de bruxaria e consideradas perigosas pela comunidade.
Com roteiro adaptado do livro “As Cidades Perdidas – Lua Negra”, de Tiziana Triana (quem também prestou consultoria às roteiristas), a produção acompanha a protagonista Ade (Antonia Fotaras), uma jovem parteira acusada de ter matado um bebê. Perseguida, ela é obrigada a abandonar a vila com seu pequeno irmão. Em seguida, Ade acaba acolhida por um grupo de mulheres que vivem escondidas na floresta e que, de fato, são bruxas poderosas.
Em seu novo lar, a personagem começa a descobrir que não é uma jovem comum; ao mesmo tempo em que se vê apaixonada por Pietro (Giorgio Belli), filho de um líder de caçadores de bruxas.
UM ROMANCE ADOLESCENTE
Ade e Pietro pertencem a mundos opostos. Ela é neta de uma mulher humilde; que trabalhava ajudando e cuidando de mulheres doentes ou grávidas e que também foi perseguida. Ele, por sua vez, escapou do fanatismo religioso do pai caçador por ter ido estudar medicina em Roma; racional ao extremo, sequer acredita em bruxas. Nasce entre eles, portanto, um amor impossível.
Tal arco principal frustra – e muito – todas as altas expectativas geradas quando se fez o anúncio de uma produção que trataria de caça às bruxas e seria inteiramente conduzida por uma equipe de mulheres. Tamanha demonstração de preocupação com representatividade nas partes técnica e criativa deixou subentendido que a trama daria peso merecido às questões sociais e econômicas que afetavam a autonomia e ameaçavam as vidas femininas durante a Inquisição.
O que se vê, porém, é uma obra repleta de diálogos expositivos e nada desapegada do conforto proporcionado pelo formato “série adolescente impregnada de feminismo superficial”. Como consequência, abre-se mão de explorar a complexidade política do período.
No fim das contas, Luna Nera não se distingue muito da colombiana e também mediana Sempre Bruxa – outra que usa um período histórico, a escravidão na América Latina, como pano de fundo para um romance impossível.
POUCO FANTÁSTICA, MUITO FORÇADA
Preocupada mais em forçar reviravoltas no relacionamento entre os jovens amantes potencialmente inimigos, a produção deixa até a fantasia de escanteio; reservando poucos e fracos momentos de glória para suas outras personagens. Não há, aliás, qualquer esforço em apostar no realismo como fonte de consistência para a construção da carga simbólica da obra. O enredo das “bruxas verdadeiras”, por exemplo, vagamente interage com a situação das mulheres comuns perseguidas pelos preconceitos do imaginário coletivo da época.
Há, sim, algumas boas cenas que tratam de discriminação de gênero e contextualizam o papel dos poderes do período na implementação do medo e da paranoia coletiva sobre a figura da bruxa; além de um subtexto interessante sobre o avançar do racionalismo científico e de seu embate com as crenças místicas. Entretanto, nada disso é o suficiente para anular a aparência de enlatado da produção.
Nem um pouco disposta a desenvolver profundidade em seu discurso ou qualquer tipo de singularidade narrativa ou estética, Luna Nera parece não ter muito a oferecer além de uma resposta futura sobre a possibilidade de vitória do amor de Ade e Pietro. A pergunta que fica, no final, é como pode uma série tão preocupada com representatividade ter como arco central um romance completamente clichê.
Ficha técnica :
Direção: Francesca Comencini, Susanna Nicchiarelli, Paola Randi
País: Itália
Ano: 2019
Elenco: Antonia Fotaras, Giorgio Belli
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
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