Quando Eloá Cristina Pimentel foi sequestrada e mantida em cárcere privado por dias pelo ex-namorado Lindemberg Alves, em outubro de 2008, o Brasil inteiro parou para acompanhar o desenrolar do caso. Na época, todas as emissoras de TV voltaram-se massivamente para o evento que ficou conhecido como “Caso Eloá”. Eram 24 horas de transmissões, boletins, debates e exploração midiática.
O sequestro da jovem foi acompanhado de perto pela imprensa e pelo público, tal qual uma novela ou um reality show. Esse é, com certeza, um dos episódios mais sérios envolvendo um caso de violência e falta de profissionalismo por parte dos veículos de comunicação. Veículos esses que chegaram a interferir diretamente no sequestro. Jornalistas e apresentadoras de programas vespertinos telefonavam para conversar com o sequestrador, indo contra qualquer indicação minimamente responsável sobre as negociações entre Lindemberg e a polícia.
Além do absurdo das ligações “entrevistando” um sequestrador durante o sequestro, esses programas de variedades da televisão aberta ainda exploraram a pauta exaustivamente, juntando pessoas para debaterem os rumos que as coisas tomariam, como se tudo não passasse de uma simples discussão sobre o final de uma novela ou sobre uma final do Big Brother Brasil.
O espetáculo estava armado. Ignorando toda a violência dos crimes cometidos contra Eloá, uma das apresentadoras envolvidas diretamente no caso, não contente em “apenas” telefonar para conversar com Lindemberg, ainda criava narrativas românticas. Dizia, ao vivo e sem qualquer constrangimento, que tudo não passava de um caso de amor mal resolvido. Que, com sorte, Eloá perdoaria o ex e os dois se acertariam. Assim, o sequestro teria um “final feliz”.
Eloá foi morta por Lindemberg depois de quase cinco dias de cativeiro. Nunca existiu nenhuma possibilidade de final feliz para a jovem. Se saísse com vida, carregaria consigo um imenso trauma. Mas, por conta da abordagem da imprensa brasileira, o caso Eloá se transformou em folhetim, entretenimento puro. No documentário Quem Matou Eloá?, a diretora Lívia Perez propõe um debate importantíssimo justamente sobre o comportamento da mídia em casos de violência, principalmente de violência contra a mulher.
Quem Matou Eloá, documentário completo (Fonte: Doctela Mídia/ YouTube)
Não é de hoje esse viés novelesco do noticiário brasileiro tem chamado atenção. O curioso é perceber que as novelas tendem a fazer o caminho oposto. Enquanto novelas das nove são atacadas por transmitirem beijos de casais homoafetivos e por trazerem pautas atuais, os programas de noticiário policial, que exploram tragédia e violência, seguem firmes e fortes com suas narrativas apelativas.
Esse tipo de programa já chegou a ter cerca de três ou quatro horas de duração, ocupando parte significativa do período da tarde/noite das grades de programação de suas emissoras. Isso deixa claro que acompanhar perseguição entre “polícia e ladrão”, ao som de algum apresentador que esbraveja palavras de ordem e revolta, ainda é parte do comportamento do público.
Outra prova de que a demanda pelo sensacionalismo permanece com força é o aumento da quantidade de realities policiais, que acompanham o trabalho da polícia, geralmente. Entre eles estão: No Rastro do Crime, Operação de Risco, Polícia 24H, P.O.L.I.C.I.A. Todos programas que espetacularizam segurança pública, violência e exploram pessoas em situações humilhantes ou delicadas.
Transmitindo uma falsa sensação de segurança ao espectador e se valendo de uma narrativa empobrecida, baseada na dualidade entre o bem e o mal, mocinho e vilão, esses realities reproduzem todos os estereótipos sociais que de forma alguma deveriam ser tratados como uma trama com início meio e fim. Afinal, cada perseguição transmitida envolve pessoas, histórias e complexidades. Quando a ação termina para o público, restam as consequências para aqueles que tiveram suas imagens exploradas.
Talvez esse comportamento e demanda da audiência por noticiários novelescos tenha muito a ver com a própria cultura da novela, claro. Mas não deixa de ser surpreendente que, enquanto as novelas buscam (mesmo que nem sempre com sucesso) trabalhar verossimilhança e propor discussões que estão em alta, o jornal se limita a produzir ficção, espetacularizando as figuras do mocinho e do bandido.
Dessa forma, não seria equivocado dizer que as novelas seguem com um poder imenso de pautar a esfera pública. Afinal, não é incomum que exista mais contraposição de ideias levantadas pelas novelas do que pelos jornais.
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