Em tempos em que os papéis de gênero estão sendo cada vez mais discutidos – e, por vezes, questionados –, relembrar obras relevantes da cultura pop pode servir como um guia elucidativo. Nesta lista, você vai encontrar personagens principais de filmes antigos e também recentes; para que lembremos, sempre, que a quebra dos padrões de gênero já é assunto levado a sério há décadas.
Ellen Ripley, de Alien – O 8º Passageiro (1979)
A Tenente Ellen Ripley é uma das mulheres mais fortes da história do Cinema. Em Alien – O 8º Passageiro, de Ridley Scott, a então jovem Sigourney Weaver deu vida, pela primeira vez, à protagonista que luta até o fim contra a invasão de um alienígena na nave Nostromo.
Extremamente inteligente, astuta e nada feminina, Ripley foi – e sempre será – um símbolo de força física e psicológica da ficção (científica ou não). De volta nas três continuações seguintes da série – em Aliens (1986), Alien 3 (1992) e Alien: Resurrection (1997) –, a personagem carrega mais momentos emblemáticos do que aqueles de sequências malsucedidas; ou melhor, daquelas bastante inferiores aos dois primeiros filmes.
Imperatriz Furiosa, de Mad Max: Estrada da Fúria (2015)
No ano do trigésimo aniversário de lançamento do último longa-metragem da trilogia Mad Max – iniciada com o filme homônimo de 1979 –, o diretor George Miller finalizou o projeto de um quarto filme, retornando ao universo pós-apocalíptico em 2015, com Mad Max: Estrada da Fúria.
Além da troca – natural – do personagem de Mel Gibson pelo de Tom Hardy, o protagonismo do filme fora redirecionado à inédita Imperatriz Furiosa (Charlize Theron). Aparentemente fiel ao cruel ditador Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), Furiosa é quem liberta as jovens e escravizadas esposas do vilão.
De cabeça raspada, sem um braço e com treinamento de guerra, a personagem de Theron é um grito sufocado pela liberdade da mulher – dentro e fora das telas. Afinal, à época de lançamento da produção, grupos antifeministas e demais manifestações misóginas desaprovaram o protagonismo de Furiosa, pelo simples fato de ela ser mulher. Um tiro no pé, já que o filme foi aclamado por crítica e público – e tornou-se um clássico deste século.
Nola Darling, de Ela Quer Tudo (1986)
Em 1986, lançar um filme como Ela Quer Tudo seria, no mínimo, arriscado. – mesmo com um público de nicho. Isso porque, além de o filme ser em preto e branco, o enredo trata de uma jovem negra, sexualmente livre e em um relacionamento com três homens diferentes.
Nola Darling (Tracy Camilla Johns), por mais imperfeita que seja, não está totalmente confusa, como pode soar pela curta sinopse do filme. Nola quer, mesmo, tudo. E, por “tudo”, leia-se: ser amada e respeitada, segundo sua própria maneira. Assim, não há nada de errado em ter três namorados; o problema, no entanto, aparece nas dificuldades de manejo de uma relação tripla – ou quádrupla; ou duodécupla (se contarmos cada uma delas, dentre os membros desse quadrado amoroso).
Nem o matemático mais habilidoso poderia resolver o desenlace romântico que tem como ambiente o apartamento de Nola. E, culminar na dualidade amorosa da protagonista não parece, mesmo, ser o foco principal do diretor Spike Lee (que também atua, assina o roteiro e a produção do filme).
Ao final, as diferenças sociais entre Nola, uma mulher, e seus três namorados, ficam evidentes. Por mais que a personagem tente igualar suas atitudes às dos homens de sua vida, ela carece de identificação no mundo feminino. Então, somente quando Nola reconhece seu papel social, e de modo sutil, ela alcança algum sucesso. Nos anos 80, talvez isso fosse um pouco mais difícil do que é hoje. E, por isso mesmo, devemos dar os devidos créditos a tudo o que a personagem representa.
Brandon Teena, de Meninos Não Choram (1999)
Em 2000, na virada do milênio, a atriz Hilary Swank levou seu primeiro prêmio Oscar, pela interpretação de um jovem transgênero que fora cruelmente assassinado em 1993. Meninos Não Choram, de Kimberly Pierce, é a dramatização de parte da vida de Brandon Teena.
Apaixonado por uma mãe solteira e a fim de conquistá-la mais facilmente, Brandon (nascido mulher) começa a se passar por um homem cisgênero. Agora, além de ter de lidar com a sexualidade reprimida por uma vida inteira, o protagonista enfrenta o desafio que é fingir ter uma biologia masculina.
A tragédia que culminou em sua morte, advinda de um ato da mais pura e vil transfobia, não é aquilo que torna a história de Brandon um marco da luta LGBT; mas, sim, a resistência de um jovem que, por vias tortas, tentou alçar seu lugar no mundo.
Merida, de Valente (2012)
Em 2012, a Pixar lançou a primeira história de princesa da Disney sem um príncipe – seja a protagonista nascida na realeza, ou a esposa de um membro dela. Em Valente, a jovem escocesa Merida (Kelly Macdonald) rejeita completamente a ideia de qualquer laço matrimonial, e sonha em ser uma brava arqueira. Por mais simples que a estrutura narrativa do filme seja, sua protagonista carrega um peso simbólico realmente importante.
Em décadas de filmes da Disney, há apenas sete anos atrás, o público infantil pôde finalmente contemplar uma figura feminina que não tem interesses amorosos. E, sendo princesa da Disney, a ideia de ser da realeza sempre esteve atrelada à figura do príncipe – sendo ele parte fundamental de sua história, ou não. Portanto, sim…até a Disney já desconstruiu aquela ideia altamente estereotipada de feminilidade.
Marina, de Uma Mulher Fantástica (2017)
A intérprete da “Mulher Fantástica” é ninguém mais, ninguém menos, do que a primeira atriz transexual a protagonizar um ganhador do Oscar (no caso, de Filme Estrangeiro, para o Chile do diretor Sebastián Lelio). Daniela Vega dá vida à Marina, uma mulher que tem de lidar com o preconceito da família de seu ex-companheiro.
Sensível e resistente, a interpretação de Vega tem como background a sua própria vida – uma vez que a atriz também passou pelo processo de transição de gênero. Tanto Marina quanto Daniela merecem toda a atenção que receberam em 2018, quando esta última tornou-se a primeira transexual a ser apresentadora de uma cerimônia do Oscar. Potente, em todos os âmbitos e para todas as direções, Uma Mulher Fantástica é mais do que necessário; e Marina é muito mais do que simplesmente representativa.
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