Soni, drama indiano recém-adicionado ao catálogo da Netflix, trata da parceria entre duas mulheres que ocupam lugares diferentes na hierarquia da polícia da cidade de Nova Déli, mas que, em comum, lutam cotidianamente contra opressões.
Kalpana (Saloni Batra) é chefe de sua delegacia e a policial Soni (Geetika Vidya Ohlyan), personagem-título, responde a ela. Mas Soni não consegue mais manter a calma diante de situações de violência de gênero e acaba se complicando no trabalho, sendo acusada de má conduta. Enquanto isso, Kalpana tenta equilibrar os pratos da sororidade, das burocracias profissionais e de seus próprios problemas.
As duas passam por dilemas pessoais e profissionais. Soni aparentemente vive sozinha, numa solidão que torna seus dias mais árduos. Kalpana, por sua vez, é excelente chefe de polícia, mas isso não a isenta de chegar em casa e ser cobrada pela sogra e pela cunhada sobre ter filhos. O fato de as duas serem policiais e possuírem algum poder social não as resguarda das variações de machismo presentes em todas as esferas de suas vidas.
Ao passo em que situações “corriqueiras” do dia a dia feminino se tornam mais penosas para a dupla, uma amizade singular fortalece essas personagens que até então não compartilhavam de um mínimo de intimidade, mas que, aos poucos, tornam-se capazes de identificar o que as aflige e de que tipo de apoio precisam.
Como pano de fundo, notícias de rádio contextualizam o ser mulher na Índia contemporânea, citando a implementação de vagões de trem femininos, por exemplo.
Os tons acinzentados e pálidos da fotografia alimentam a atmosfera do constante pisar em ovos de duas mulheres que, apesar das diferenças de classe, transitam entre tradições e contemporaneidades, lar e espaço profissional machista. Além de as duas seres afetadas, claro, pelo contexto geral de seu país.
Esse contexto abriga dados alarmantes. Um levantamento realizado pela Thomson Reuters Foundation ouviu cerca de 550 especialistas em temas femininos e apontou a Índia como país mais perigoso do mundo para as mulheres. A pesquisa foi baseada em indicadores como sistema de saúde, recursos econômicos, práticas tradicionais, abuso sexual e não sexual e tráfico humano.
Dirigido por Ivan Ayr, o longa chegou à Netflix alguns dias depois de um “Muro de Mulheres” ser formado na Índia. O protesto histórico aconteceu em 1º de janeiro deste ano e colocou, lado a lado, mulheres diversas formando uma corrente humana de 620 quilômetros, em Kerala, sul do país, por igualdade de gênero.
Soni é uma produção de fórmula e execução simples, sem grandes reviravoltas, ápices dramáticos ou arranjos técnicos e narrativos extravagantes ou experimentais. Trata-se de uma história linear, quase contemplativa. Seu objetivo é expor a aproximação entre mulheres que pareciam à deriva até encontrarem uma na outra o bote salva-vidas que precisavam. Mulheres diferentes, mas que desenvolvem a empatia necessária para compreender o que as aproxima.
O longa poderia ter apelado para os dados brutais de violência contra mulher na Índia, mas a verdade é que inúmeros filmes de ficção e documentários já trilharam esse caminho. Em vez disso, ele se sai bem usando de sensibilidade para explorar o universo micro de personagens mulheres indianas que sofrem do mesmo machismo que mulheres de qualquer outra parte do mundo também sofrem, independente de rankings feitos por pesquisas.
Esse recorte, sem dúvidas, é responsável por aproximar a obra da audiência espalhada pelos 190 países onde a Netflix opera, além de transformá-la em um diálogo versátil sobre como o feminino é tratado pela sociedade e pelo Estado, como ele é visto, odiado, silenciado e sujeitado as mais variadas formas e aos mais diferentes níveis de opressão.
Ficha técnica
Direção: Ivan Ayr
Duração: 1h37
País: Índia
Ano: 2019
Elenco: Geetika Vidya Ohlyan, Saloni Batra
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
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