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[Entrevista] Estrela e diretor de Outra História do Mundo, o representante do Uruguai no Oscar, comentam sobre o filme e o cinema latino
Na última quinta (02), estreou, em circuito nacional, Outra História do Mundo, o indicado do Uruguai ao Oscar de Filme Estrangeiro deste ano. Mesmo não tendo integrado a lista de concorrentes à estatueta – o único longa-metragem latino indicado oficialmente foi o chileno Uma Mulher Fantástica, que também levou o prêmio para casa –, o representante do Uruguai é uma produção extremamente relevante, principalmente em território brasileiro.
Dirigido por Guillermo Casanova (Viagem até o Mar) e estrelado por César Troncoso (Faroeste Caboclo), o filme foi exibido no 13ª Festival de Cinema Latino-Americano, e se passa durante o final da ditadura uruguaia. O protagonista, o professor de História Esnal (Troncoso), desperta uma verdadeira consciência social na fictícia cidade de Mosquitos, através da invenção de fatos históricos em suas aulas. Como estratégia para mobilizar os moradores contra quaisquer tipos de opressão do governo, Esnal mistura realidades passadas com invenções um tanto absurdas. Assim, a questão do coletivo acima do particular é retratada de modo sutil e, por vezes, engraçado.
O Francamente, querida! realizou uma entrevista exclusiva com Casanova e Troncoso, e você pode conferir toda a conversa abaixo. O diretor e o ator falam sobre o cinema latino-americano, sobre as bilheterias uruguaias e, também, sobre os possíveis heróis de Outra História do Mundo. [SEM SPOILERS]:
Francamente, querida!: Como nasceu a ideia do roteiro?
Guillermo Casanova: A ideia se deu depois do meu primeiro filme, Viagem até o Mar (El viaje hacia el mar), que era uma história simples, de cinco personagens que vão conhecer o mar pela primeira vez. Cinco personagens idosos, muito simples, um road movie. E, este segundo filme, é como uma aposta para buscar algo mais de comédia humana, de entrelaçamento de personagens. É baseado em uma novela de um escritor uruguaio, Mario Delgado Aparaín, que eu li e que foi de acordo com a proposta que estava buscando. E, sobretudo, [a ideia surgiu também] para poder falar da ditadura uruguaia de outra posição, não tão dramática ou trágica, mas mais pelo lado da comédia; buscando ir por outros caminhos. É assim, porque a história pode ser contada de diversos lugares, seja do mais trágico ou daquele que tem vontade de viver.
F.Q.: Vocês sentem que Outra História do Mundo tem um peso social, além do artístico?
César Troncoso: Eu acho que tem o peso social que pode ter [em] um filme. Você não vai mudar a sociedade porque fez um filme, mas você consegue falar de algumas coisas que valem a pena ser faladas. Aí, o peso do filme tem a ver com outras coisas. É preciso ter uma filmografia que ajude a esclarecer o ponto de vista das pessoas. Mas, filme é filme; ele é um registro de um tempo, de um ponto de vista de uma história. Mas, eu acho que cinema não faz a revolução; ajuda, mas não faz.
G.C.: Concordo com o César. Mas, cada vez somos menos os que buscam o cinema como obra social e artística. Cada vez mais, temos um cinema que almeja o “passar bem”, como espetáculo e não como obra artística.
F.Q.: Que tipo de filmes o Uruguai mais lança e que vão bem de bilheteria, e em que contexto se insere Outra Historia do Mundo?
G.C.: Estamos em um momento de transição. A mudança não passa somente pela forma de pensar. Vocês, que estão fazendo uma página feminista ou sobre as mulheres, mostram que há uma mudança. Do mesmo modo, todas as artes se movem até algum lugar. Em relação à arte e ao cinema, ainda não sabemos bem para onde vamos. O cinema nacional e independente, pelo menos no Uruguai, não está indo bem. Ou seja, o cenário é melhor para um cinema mais comercial, um cinema parecido com o de Hollywood. Antes, o cinema era uma batalha, na qual o mundo se dividia em dois: Hollywood e o resto do mundo. Hoje, o resto do mundo, cada vez mais, tenta imitar Hollywood, porque é o que dá retorno financeiro.
F.Q.: Aqui no Brasil, nós temos muitas comédias…
C.T.: Isso não acontece no Uruguai. Nós não temos mercado. Vocês são 200 milhões de pessoas, nós somos 3 milhões. Ninguém está pensando em fazer um filme para bilheteria no Uruguai. Ao mesmo tempo, o jeito de fazer filmes está se transformando num jeito muito mais hollywoodiano; não por conta da bilheteria, porque o Uruguai não tem como fazer grande bilheteria. Não temos aquelas comédias com Leandro Hassum; não podemos ter, porque não vale a pena. Se você é artista e vai fazer o seu projeto, por que vai trabalhar visando um público que não existe? Hoje, 30 mil espectadores, para um filme uruguaio, é muito. Então, você acaba fazendo filme por outros motivos: pela sua necessidade de fazer – às vezes, pensando nos festivais internacionais, mas não pensamos mais na bilheteria.
Não podemos fazer filmes de heróis no Uruguai. Quem faz, para mim, não está entendendo completamente o que acontece em nosso país. Qual o sentido de fazer isso no Uruguai, quando você tem os super-heróis muito bem feitos pelos EUA? Você tem que fazer diferente, mas, para isso, é necessário público, e o público é cada dia menos interessado. Eles assistem a Iron Man [Homem de Ferro], depois Aquaman, depois Superman, depois Batman. Isso tranquiliza, e a tranquilidade agora parece uma virtude, [ou seja] o não questionamento. Então, acho que esse é o problema que estamos tendo na América Latina. No Brasil, os filmes pequenos, independentes, acabam fazendo a mesma bilheteria que os nossos filmes. É uma pena, na diversidade está o sabor da vida.
F.Q.: E nem a nominação ao Oscar interferiu nos números de audiência de Outra História do Mundo?
G.C.: Não. O cinema está cada vez mais reduzido. O público predominante é o público jovem, que vai ao cinema assistir aos filmes de super-heróis, ou de terror. Os jovens vão ao cinema para passar um tempo, já os adultos assistem aos filmes e às séries em casa. Então, o comportamento do público mudou. Não se vai mais ao cinema, a não ser aqueles que gostam de cinema, do barulho de gente comendo pipoca em sua orelha; [aqueles] que não gostam de celulares ligados e de gente falando em cima. Se acabou o cinema como templo religioso, onde se ia a uma sala escura para contemplar…
C.T.: Um templo pagão [risos].
G.C.: Claro, um templo pagão. Isso está se perdendo. Não significa que vamos perder o cinema. Foi o mesmo quando surgiu a televisão. Mas, temos de pensar em como o cinema pode se transformar. Houve uma alta no teatro, porque é algo presencial. As pessoas estão tão contaminadas de filmes, de imagens, que preferem assistir a um cantor ou a uma peça de teatro. Estamos em um momento de transição.
“Eu sinto que estamos num tempo em que a ignorância está ganhando. Não está ganhando a guerra, por sorte, mas está levando a batalha. Vocês sabem que candidato podem ter aqui [no Brasil], e sabem o que vai acontecer se esse cara ganhar. Então, não podemos parar de tentar fazer com que o espectador construa um espírito crítico.” – César Troncoso.