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Fogo Sombrio (Netflix): um desatino cinematográfico
[Coluna] Nada a Perder, para além das polêmicas de bilheteria
=&0=&, a primeira parte da cinebiografia autorizada de Edir Macedo (interpretado aqui por Petrônio Gontijo), fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Record TV, acaba de chegar ao catálogo da Netflix para ser exibida em 190 países – três meses depois de entrar em cartaz.
No final de março, quando chegou às telas dos cinemas brasileiros, “o filme do bispo”, como é chamado, repetiu o feito de Os Dez Mandamentos (2016) ao protagonizar diversas polêmicas sobre a divergência entre bilheteria estrondosa (quase 12 milhões de ingressos vendidos) e salas de exibição vazias.
Edir Macedo é um empreendedor capaz de movimentar multidões – como fica claro em sua própria cinebiografia. Por isso, não é de se espantar que os filmes de nicho religioso sejam lançados em circuito comercial ao melhor estilo “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. A intenção é clara: conquistar espaço também no cinema nacional, mesmo que para isso seja necessário fazer barulho.
E o barulho tem funcionado. Não temos como separar a quantidade de pessoas que de fato foram ao cinema do total de 12 milhões de ingressos vendidos. O que podemos – e devemos – fazer é perceber que, como negócio, o empreendimento tem dado resultado. Tanto em relação ao avanço da ideologia que o embala, quanto como produto que gera lucro. Afinal, o longa está entrando no catálogo da Netflix apenas três meses após seu lançamento. É de se imaginar que a empresa de streaming tenha notado o potencial de engajamento da produção.
O que tem sido raramente analisado, entretanto, é que as investidas ferozes desse tipo de filme não se restringem ao mercado. “Nada a Perder” está longe de ser um filme “inofensivo” sobre religião. A produção se assemelha mais a um tipo de jornada do herói brasileiro que salvará a alma de seu povo. Mais do que uma jornada de seu protagonista, o filme possui sua própria jornada – destinada a um povo muito específico, diga-se de passagem.
Para além das questões que envolvem audiência, também é necessário perceber “Nada a Perder” como obra audiovisual. Algo que carrega consigo características narrativas e técnicas que sustentam o conteúdo e a mensagem, formando, junto da bilheteria, um combo de intenções.
Indiscutivelmente, como obra audiovisual, o longa é sofrível. Sua linguagem é cheia de características típicas da televisão. Melodramático, apelativo, repleto de tentativas frustradas de criar momentos de tensão – geralmente forçados na base da trilha sonora previsível. Além disso, há momentos constrangedores, como as aparições de uma imitação de Silvio Santos risível e a cena ordinária de exorcismo.
No geral, o filme dirigido por Alexandre Avancini nos faz lembrar daquelas simulações do programa The Love School – Escola do Amor, exibido nas manhãs de sábado na Record TV e apresentado por Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo. Ou seja, são duas horas de uma dramatização ruim de televisão, com a vantagem de contar com atores menos amadores e muito mais dinheiro investido, claro.
A trama, por sua vez, soa tão controversa quanto os números de bilheteria. “Nada a Perder” poderia facilmente ter o subtítulo “Contra Tudo. Por Alguns”. Isso porque a biografia fala sobre um homem que empreendeu na fé, sob o argumento de não sentir que suas crenças eram contempladas pelas igrejas que frequentava, mas que, depois de encontrar seu espaço e seus fiéis, tomou suas próprias crenças como verdade absoluta.
É no mínimo curioso que um homem retratado de forma tão revolucionária e questionadora, que diz ter sido preso por preconceito religioso, seja o responsável por uma emissora de TV na qual não se pode falar sobre outras religiões e onde religiões já marginalizadas são atacadas – uma emissora de TV aberta, concessão pública do Estado.
Todos os obstáculos que o bispo enfrenta para fazer valer sua religião criam um excelente contexto para transmitir a mensagem de que cada pessoa tem o direito de crer no que acha melhor, mas a oportunidade, obviamente, é desprezada em prol da narrativa do herói que tem uma missão divina, única e extraordinária.
O desenvolvimento do protagonista como herói é, inclusive, outro elemento da narrativa que soa bastante embaraçoso. Logo no início do filme, por exemplo, um Edir Macedo jovem aparece revoltado com o bispo de sua congregação quando ele não recebe bem um morador de rua porque “o cheiro do sujeito afastaria os outros fiéis”.
Essa é uma passagem interessante, principalmente se nos lembrarmos das regras de conduta e vestimenta impostas a quem deseja entrar no Templo de Salomão, um santuário monumental inaugurado em 2014 pela Universal.
Vale destacar também que o longa conta com “apoio cultural” da Riachuelo, marca de fast fashion condenada em 2016 por
trabalho escravo
Coluna: 50 tons de constrangimento
Lançado em 2015, o primeiro filme da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, baseada nos livros homônimos da escritora best-seller Erika Leonard James, levou multidões aos cinemas. Agora, em 2018, a terceira e última produção da franquia também chegou às salas de exibição fazendo estrondosa bilheteria, mesmo sendo a menor da trilogia.
Vendidos como obras direcionadas a mulheres “modernas” e “autossuficientes”, tanto os filmes quanto os livros se valem de um falso – fajuto e vergonhoso – marketing feminista para contar a história de Anastasia Steele (Dakota Johnson), jovem simples e insegura, que desperta a paixão do milionário, irresistível e incompreendido Christian Grey (Jamie Dornan). O mais puro e simples clichê da mocinha romântica que, com seu amor, transforma o caráter duvidoso do herói, “injustiçado” pela vida.
Uma das primeiras cenas em que Anastasia se menospreza diante de Grey (fonte: canal da Universal Pictures Brasil):
Que os filmes não trazem nada de novo sob o sol, e muito menos podem ser validados como feministas, não é novidade. Você não pode esperar que um filme em que a protagonista sofre “pequenas” violências o tempo todo – e é frequentemente induzida a se posicionar como submissa frente a um homem caprichoso e misógino –, seja validado como empoderador só porque, vez ou outra, essa mesma personagem contesta ordens masculinas ou transforma o cara em um “novo alguém”. Nada disso importa. Estes filmes retratam um relacionamento completamente abusivo contra uma mulher. Anastasia sempre fora humilhada de diversas formas e nunca teve como medir forças com Christian, de igual para igual.
Também não é segredo, nem para a crítica e nem para o público, que 50 Tons, cinematograficamente falando, é uma das franquias mais vergonhosas da história do cinema. Sua origem já é constrangedora por si só: as histórias nasceram de uma fanfiction da saga Crepúsculo. Ou seja, Christian Grey seria a versão mais “selvagem” e “instintiva” (sexualmente falando) do vampiro Edward, aquele que brilha no sol e não faz mal a nenhum ser humano, por opção.
Nessa conta, ainda é possível adicionar as situações mais improváveis promovidas por um roteiro bizarro e plastificado – com machismo disfarçado, diálogos caricatos e montagem estapafúrdia, que proporciona um total “de zero sentido” entre uma cena e outra. Quem não se lembra de Anastasia caindo na sala de Grey? Queda, esta, que serviu como um literal pontapé para o início do romance. Ou, das cenas em que a protagonista tenta se impor e falha miseravelmente? Nem no quesito erotismo a trilogia se sai bem, oferecendo cenas pífias que “prometem” e não chegam nem perto de cumprir alguma coisa.
Considerando que a qualidade duvidosa da franquia já é amplamente reconhecida, e que todas as problematizações já foram devidamente elaboradas nos últimos anos, este texto tem a intenção de tratar sobre o quanto é constrangedor passar duas horas assistindo a cada uma das três produções.
Indiscutivelmente, o cinema é um meio muito potente e eficiente em provocar emoções. Mas, 50 Tons carrega consigo um mérito próprio: poucos filmes são tão bem sucedidos em provocar vergonha alheia em quem os assiste.Trata-se de um constrangimento imensurável, que pode fazer seu rosto corar de vergonha, sua boca abrir de espanto e sua voz interior, a do bom senso, pensar “eu não acredito que isso está acontecendo”. Todas essas reações são envolvidas, é claro, pelo famoso “riso de nervoso” e pela indignação com o “marketing feminista”.
Mais uma cena constrangedora para você desfrutar:
A dinâmica é mais ou menos a seguinte: no primeiro filme, você problematiza tudo que parece – e que realmente chega a – ser extremamente errado. No segundo, já sem muitas esperanças, é possível que você tenha aberto mão de parte do senso crítico e aceitado a galhofa (ainda que alguns “ápices” de conflito pareçam bizarros e inaceitáveis). Chegando ao terceiro filme, além de você ser um verdadeiro guerreiro(a), também pode ter aceitado o potencial cômico de 50 Tons.
Vamos relembrar as produções The Room