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Somos as netas: a representação da bruxa na sétima arte
Quando pensamos em “bruxa”, imediatamente vem às nossas cabeças a imagem de uma mulher envelhecida, traiçoeira, nariguda e montada numa vassoura. Desde as histórias mais antigas, como lendas urbanas ou contos de fadas, a cultura popular identifica na figura da bruxa uma antagonista de princesas ou mocinhas puras – representando, dessa forma, malícia e perversão.
A bruxa pode ser tanto aquela senhora solitária que trabalha em poções, quanto uma mulher sedutora e dentro do padrão eurocêntrico de beleza (sendo branca e magra, em sua maioria). Nos contos dos irmãos Grimm, por exemplo, como em Branca de Neve e João e Maria, a grande vilã é uma mulher maléfica e com poderes sobrenaturais. Graças à popularização de tal descrição, a designação “bruxa” tornou-se um mero sinônimo de vilania.
QUEM FORAM AS BRUXAS DA VIDA REAL?
Na Idade Média, as mulheres que obtinham conhecimentos sobre a natureza e o corpo feminino – realizando, assim, receitas com ervas e animais, ou procedimentos curativos – eram brutalmente discriminadas. Como é sabido, a época em questão é marcada pelo medo generalizado e por desconhecimentos científicos. Portanto, pessoas que apresentassem certa independência católica, ou afeição pelo empirismo, atraíam a atenção de autoridades políticas e religiosas. Esse era o caso daquelas que conhecemos como bruxas.
A denominação vem do verbo italiano bruciare (“queimar”, em português). Durante a Inquisição, estrangeiros de fora da Itália passaram a associar o imperativo “brucia” (queime) às mulheres condenadas por heresia. Qualquer uma que fosse jogada à fogueira poderia ser considerada uma bruxa, então.
A desumanidade praticada por membros do clero, e consequentemente por grandes populações, fez com que esse tipo de tratamento se tornasse comum ao longo dos tempos. Até nos dias de hoje, por exemplo, os ideais de feminilidade e “moral” da mulher se baseiam em regras sociais puritanas. Uma mulher que conheça o próprio corpo, tenha autonomia sobre si e, pelo menos no Brasil, seja a favor da legalização do aborto, é xingada em alto e bom som dentro e fora das redes sociais. Para muitos, o despertar feminino para os diferentes prazeres da vida é sinal de má intenção.
NOS FILMES
Não é novidade que a grande maioria das produções cinematográficas retrata as bruxas como seres sobrenaturais ou mulheres mal-amadas. As animações da Disney, especialmente voltadas para o público infantil, “ensinam” às crianças, desde cedo, que as bruxas são ruins. É evidente que, por se basearem em contos de fadas e terem a intenção de entreter, essas produções muito vagarosamente podem ser levadas a sério. O maior problema é, pode-se dizer, a interpretação que as pessoas fazem diante do antagonismo entre pureza e malícia.
Todas as princesas da Disney são, por exemplo, meigas e ingênuas. Em contraponto, as vilãs, cujo maior objetivo é destruir a vida dessas mocinhas, são invejosas, irônicas, histéricas e extremamente poderosas – ou seja, são tudo aquilo que a sociedade luta para reprimir nas mulheres; com exceção da inveja, é claro. Filmes como o clássico O Mágico de Oz (1939) e o adolescente Jovens Bruxas (1996), ou a série Penny Dreadful (2014) da Showtime, trazem no enredo principal a rivalidade entre bruxas boas e más.
FORTE ANTAGONISMO
No filme de 39, a Bruxa Má do Oeste (Margaret Hamilton) é a encarnação do medo, enquanto que Glinda, a Bruxa Boa do Norte (Billie Burke), é maternalmente gentil e afetuosa. Ambas as bruxas são essencialmente estereotipadas, com a pele verde, chapéu pontudo e bola de cristal da Má, e varinha de condão e vestido cor-de-rosa da Boa (que mais se assemelha a uma fada).
Já em Jovens Bruxas, quatro colegiais poderosas se unem para explorarem todas as vantagens pessoais de seu dom. Quando uma delas, Sarah Bailey (interpretada por Robin Tunney), começa a perceber as dimensões da perigosa união, a anti-heroína – que, no início, é tida como mocinha – resolve reassumir seu papel de “boa menina” e, no final das contas, enfrenta as colegas.
Por mais empoderadas que as Jovens Bruxas sejam, é difícil classificar o longa-metragem como feminista. As disputas por beleza e sapiência, sem contar com o revanchismo provocado por garotos, faz com que o filme lembre um tanto o posterior Meninas Malvadas (2004), mas numa versão esvaziada de mensagens sobre ética e respeito às garotas.
Em Penny Dreadful, um seriado recente, a exploração dos conceitos de malvadeza e imperfeição foram bem mais aprofundadas. Eva Green interpreta a protagonista Vanessa Ives, uma mulher extremamente forte, e atormentada pelo passado. Eventualmente, descobrimos a capacidade de Vanessa de incorporar espíritos sobrenaturais, o que, ao mesmo tempo em que a deslumbra momentaneamente, faz com que se condene – quando sob lucidez.
Tanto as Bruxas Boa e Má, quanto Sarah e Vanessa, representam uma pequena parcela de produções que, como tema central, adotam a dicotomia entre bruxas (seja dentro de si próprias ou a partir de inimigas). Isso não elimina o arquétipo de “bruxa má” em cima de mulheres misteriosas e poderosas, mas garante espaço ao homenageá-las.
VAMOS À CAÇA
Abracadabra (1993), Convenção das Bruxas (1990), As Bruxas de Eastwick (1987), Caça às Bruxas (2011), João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), A Bruxa de Blair (1999), A Bruxa (2015)…são tantos os títulos com a palavra que fica difícil até mesmo diferenciá-los.
Na maioria desses filmes, a bruxa assume seu maior estereótipo, de mulher demoníaca e transmorfa. Nos infantis Abracadabra e Convenção das Bruxas, um grupo de maléficas se une para capturar crianças indefesas. No primeiro, inclusive, as três irmãs bruxas são condenadas à forca antes de ressuscitarem por magia negra 300 anos depois, no dia do Halloween. Já no segundo, mulheres de todos os lugares se reúnem em um hotel para discutirem novas formas de exterminar os pequenos. Dessa forma, é fácil sentir medo de tudo o que elas representam.
Em As Bruxas de Eastwick, também um trio de poderosas resolve se vingar de um homem que as seduziu, demonstrando sua alta capacidade de rancor e influência masculina. Já em Caça às Bruxas e João e Maria, o ódio dos caçadores pode ser quase confundido com a misoginia de figuras da época. Em buscas violentas, os protagonistas traçam planos e bolam inúmeras armadilhas. E, quando o tão esperado momento de enfrentamento face a face chega, batalhas dignas de video game fazem o ápice dos filmes.
Os cults A Bruxa e A Bruxa de Blair, no entanto, trazem personagens um tanto diferentes das demais vilãs. No primeiro, raríssimas vezes é mostrado o rosto daquela que assombra a família da história. Por mais assustador que o longa seja, há uma certa mensagem de libertação feminina – ainda que maniqueísta. No segundo, a bruxa do título nunca aparece, mas chega a ser tão malvada e clichê quanto em outras produções. Ainda assim, ambos os filmes são de qualidade inegável; mesmo que não por suas bruxas.
SOMOS AS NETAS DAS QUE NÃO QUEIMARAM
Por outros lados, há certo fetichismo e admiração pelo fantástico mundo desses seres. Longas como a série Harry Potter (2001-2011) e Da Magia à Sedução (1998), tais como as séries A Feiticeira (1964) e Sabrina, Aprendiz de Feiticeira (1996), trazem figuras mágicas e muito doces.
A Feiticeira foi inovadora quanto à retratação das bruxas na cultura pop. Samantha (Elizabeth Montgomery) seria uma típica dona de casa dos anos 60, se não fosse por seus poderes. Ela não se parece nada com a figura monstruosa dos contos de fadas e, muito pelo contrário, segue os padrões de beleza socialmente impostos (cabelos claros, olhos azuis e corpo curvilíneo). Tudo isso, somado a seu dom, fizeram de Samantha um objeto extremamente fascinante aos telespectadores.
Similar à ela, Sabrina (Melissa Joan Hart), da série dos anos 90, é uma bruxinha adolescente, de bom coração e forte personalidade. Alguns dos estereótipos de bruxas, como roupas pretas e a companhia do gato preto Salem, são levemente mais presentes do que para Samantha – considerando a época de exibição e seus modismos.
Seguindo essa linha, Da Magia à Sedução, da mesma década de Sabrina, trazia diversos elementos de sucesso entre as adolescentes, desde roupas e acessórios até gírias juvenis. Toda essa cultura fantasiosa atingiu seu ápice quando o primeiro Harry Potter foi lançado nos cinemas. Desde então, a saga do jovem bruxo inspira milhões de fãs e diferentes gerações.
ATUALMENTE
Através de recentes discussões feministas, a imagem da bruxa recebeu novas perspectivas. Para o imaginário feminino, a bruxa tem muito mais significado e peso dramático. Ser chamada de “bruxa” é sinal de xingamento na maioria das vezes. Dessa forma, a reversão de todo o conceito desse ser mítico é muito importante dentro do feminismo. “Somos as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar”, muitas repetem em coro. E, então, nos perguntamos quando finalmente as pessoas serão capazes de diferenciar as bruxas da ficção das da História.