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Conheça 3 ótimos filmes sobre crises migratórias e refúgio
Nos últimos dois anos, o Brasil entrou para o mapa dos países que lidam diretamente com alguma aresta da crise de refugiados espalhada pelo mundo. Sem qualquer tipo de ação contundente de um governo federal ilegítimo e fraco, a chegada dos refugiados venezuelanos em terras antes conhecidas como receptivas se tornou tristemente caótica.
Desde que os aparatos públicos (principalmente serviços médicos) das prefeituras das cidades de Roraima que fazem fronteira com a Venezuela passaram a estar constantemente sobrecarregados pelo grande fluxo de venezuelanos, brasileiros sentem-se abandonados pelo Estado. Como consequência, as tensões sociais cresceram e a onda de xenofobia e violência contra os imigrantes só aumenta na região – acompanhando o crescimento da atmosfera de intolerância que toma o país num ano em que a eleição conta com candidatos absolutamente preconceituosos e violentos.
Diante da total falta de preparo do governo brasileiro para lidar com o êxodo venezuelano, brasileiros e refugiados ficam largados à própria sorte, dependendo da organização e boa vontade de servidores públicos que também estão abandonados pelo Estado e pressionados pelas novas demandas, e à mercê de jogos de interesses políticos de quem pretende ganhar a eleição 2018, na região, usando essa tragédia humanitária como munição.
Por aqui, o povo venezuelano chega para tentar uma grave crise econômica e humanitária, deixando tudo para trás e esbarrando em -mais- violência (física, material, moral, emocional). Pelo mundo, são os sírios, palestinos, mexicanos… São pessoas diversas, que se arriscam numa jornada incerta porque, geralmente, não têm mais nada a perder. São cidadãos que, além de sobreviverem a situações de perseguições, guerras e/ou miséria, ainda encaram a barreira do (não) pertencimento, da resistência ao outro dos países onde buscam ajuda e refúgio.
Para te ajudar a entender um pouco mais sobre alguns dos aspectos e processos que envolvem esses diferentes tipos de movimento de migração, selecionamos alguns filmes que trazem distintas (e ricas) abordagens sobre o tema:
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A primeira indicação é o brasileiro
Era o Hotel Cambridge
Era o Hotel Cambridge e o (não) pertencimento
Era madrugada do feriado de 1º de maio quando o Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, desabou após um incêndio. O lugar estava ocupado por dezenas de famílias do movimento sem-teto que, desabrigadas, passaram a acampar em frente ao prédio, na praça do Largo do Paissandu, como forma de pressionar a prefeitura por moradia.
Durante semanas, centenas de pessoas ficaram acampadas aguardando alguma atitude do poder público – entre elas idosos, gestantes e crianças. Nesse meio tempo, uma mulher chegou a perder seu bebê depois de entrar em trabalho de parto ali, no meio do acampamento, sem qualquer estrutura e sem atendimento do resgate.
No início de julho (dois meses após o incêndio), 60 barracas ainda ocupavam a praça. De acordo com matéria do jornal O Globo, o governo do estado de São Paulo chegou a oferecer auxílio-aluguel para as famílias desabrigadas, mas, segundo os moradores do edifício que desabou, o valor é insuficiente para alugar qualquer lugar na região e o processo burocrático exige documentos que muitos perderam no incêndio.
Esse trágico episódio trouxe de volta aos holofotes da esfera pública a questão da luta por moradia na cidade de São Paulo e, por consequência, evidenciou a necessidade de filmes como o Era o Hotel Cambridge, da diretora Eliane Caffé – recém exibido na primeira edição do Festival Internacional de Mulheres no Cinema.
O edifício Cambrigde foi construído na década de 50 para ser hotel de luxo em São Paulo e faliu no início dos anos 2000. Entre dívidas de IPTU e batalhas jurídicas com os proprietários, o prédio foi ocupado, transformado em moradia popular e, recentemente, serviu de cenário para o longa de Caffé.
Em Era o Hotel Cambridge, a diretora coloca os próprios moradores para interpretarem versões deles mesmos e serem, de alguma maneira, protagonistas de suas histórias e de sua imagem. Numa linha tênue entre ficção e documentário, eles retratam o cotidiano de uma ocupação, a importância da luta por moradia, como se dão as dinâmicas, os conflitos e, principalmente, como convivem brasileiros e refugiados.
A situação de brasileiros que têm seu direito básico à moradia negado por injustiças sociais já é, por si só, cruel. Essas pessoas são naturalmente marginalizadas, invisibilizadas e jogadas à própria sorte. Por isso, ao acrescentar a questão do refúgio, a diretora traz elementos extras que dizem respeito também à diferença de idioma, de cultura, a xenofobia que existe mesmo no meio das lutas sociais e a carga política que cada indivíduo carrega em si.
Eliane Caffé consegue equilibrar perfeitamente, em sua abordagem ficcionalizada, duas facetas do ex-Hotel Cambridge. Na primeira delas, o edifício é tratado como componente fundamental da narrativa sobre militância política através da forte figura da coordenadora da ocupação e líder comunitária Carmen Silva. Em uma outra camada, ele é usado também como pano de fundo para tratar das trajetórias de um refugiado colombiano, um palestino e um congolês. Trajetórias que parecem individuais e singulares, mas que dão tom ao coletivo.
Numa das passagens mais duras do filme, um dos personagens do Cambridge afirma que no prédio vivem refugiados de outros países, sim, mas também os brasileiros que são refugiados em seu próprio país. Por isso, ali seriam todos iguais, todos excluídos. Essas palavras contribuem diretamente para a noção de pluralidade organizada que permeia toda a obra, mas também revelam a dificuldade da convivência.
Apoiados pela direção impecável de Eliane Caffé e pelos grandes atores José Dumont e Suely Franco, os moradores interpretam quem são, o que suas vidas têm a dizer sobre o país, sobre política externa e interna e sobre comunidade, ao mesmo tempo em que questionam -com pertinência – a posição do Brasil diante dos refugiados. Eles são recebidos, mas e depois? como sobrevivem? como se inserem?
O sistema não garante cidadania e existência digna para incontáveis brasileiros e estrangeiros. E nós, enquanto sociedade, não conhecemos a trajetória do outro. Desconhecemos as guerras dos que vêm de fora em busca de refúgio e ignoramos nossas próprias batalhas.
Daí a importância de um filme como Era o Hotel Cambridge. Um registro de resistência que desmistifica os preconceitos que rodeiam moradores de ocupações, confere rosto e contexto àqueles que chegam ao Brasil para tentar uma nova vida, expõe tensões sociais, violência policial e estatal, explora a força do coletivo a partir de uma protagonista mulher e, acima de tudo, fala sobre (não) pertencimento.
*O filme está disponível para aluguel no iTunes e Google Play
**Como complemento ao filme de Eliane Caffé fica a indicação do curta Ocupação Hotel Cambridge, documentário de Andrea Mendonça que retrata funcionamento do movimento de moradia sem teto do Centro da cidade de São Paulo, o Frente de Luta Por Moradia (FLM), e se preocupa em registrar todo o trabalho, responsabilidade e organização do movimento.
Trailer de Era o Hotel Cambridge:
(Fonte: Vitrine Filmes / YouTube)
Para ler mais sobre a luta por moradia e a realidade das ocupações:
Ocupação não é bagunça: histórias, resistência e disputa pela cidade na Mauá
5 motivos por que The Handmaid’s Tale é a série do momento
ATENÇÃO: Pode conter spoilers!
Lançada pela plataforma de streaming Hulu – ainda inédita no Brasil –, e exibida na televisão daqui pela Paramount Channel, The Handmaid’s Tale é uma das séries mais assistidas e comentadas da atualidade. Isso se dá, em grande parte, graças ao ganho de quatro prêmios Emmy no ano passado (de Melhor Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro e Série Dramática).
Ambientada em uma sociedade totalitária e, consequentemente, distópica, a produção (inspirada no romance de Margaret Atwood e com duas temporadas completas) se passa em um futuro próximo e conta a história de uma aia – classe social empregada a mulheres consideradas imorais pela República de Gilead, e, por isso, escravizadas doméstica e sexualmente. Dessa forma, a cruel rotina de June (Elisabeth Moss), chamada de Offred pelos integrantes da casa-cativeiro “de luxo” em que é mantida, tem chamado a atenção da crítica especializada pela crueza e alta qualidade técnica com a qual é retratada.
Desde a primeira temporada, The Handmaid’s é tão bela visualmente quanto terrível em sua narrativa. E, a partir do mundo trágico em que June vive, assistir a essa série tão poderosa e brilhante é uma experiência enriquecedora. Leia alguns dos motivos para isso abaixo!
1. O principal ponto de vista é feminino
Além da narração de June em momentos-chave, todas as protagonistas da produção são mulheres. Paralelamente à história da personagem de Moss, temos Emily (Alexis Bledel), uma mulher lésbica e ex-professora, que também se tornou uma escrava de Gilead. Por fora, vemos pessoas obedientes e inexpressivas; por dentro, através de momentos de desabafo e narrações em off (somente a voz), deparamo-nos com mulheres extremamente sofridas e enraivecidas por sua condição degradante.
Outra forte figura da série é Moira (Samira Wiley), uma ex-aia refugiada no Canadá, que representa o grupo de pessoas reais que deixam seus países – para não serem mortas ou torturadas. Assim como June e Emily, Moira fora estuprada, e, posteriormente, optou pela prostituição como modo de fugir dos abusos submetidos às aias.
Quanto ao lado vilanesco de The Handmaid’s, ficamos com a desumana Serena (Yvonne Strzechowski) – esposa do Comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) e que, junto com ele, é a principal responsável pelos abusos contra June –, assim como a devota chefe das aias, chamada de Tia Lydia (Ann Dowd) pelos cidadãos do regime.
2. Diferente de inúmeras outras séries, não fetichiza a violência contra a mulher