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Estreia: ‘1945’ mostra por que todos devemos dar uma chance ao preto e branco
Filme húngaro, em preto e branco e sobre uma comunidade que se recupera dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Aos olhos mais acostumados a filmes divertidos, coloridos e hollywoodianos, 1945 é mesmo pouco atraente. Dirigido por Ferenc Török, o longa-metragem estreia nesta quinta (05), e explora, em sua narrativa crua e acessível, as consequências de uma decisão individualista – e covarde.
Szentes István (Péter Rudolf), funcionário de um pequeno vilarejo da Hungria, é um homem bruto e autoritário que, no dia do casamento de seu filho, tem de lidar com a chegada de dois judeus misteriosos. Ao longo do filme, e ao compreendermos a ligação de Szentes com os recém-chegados, tomamos consciência, de maneira chocante, sobre a real mensagem da produção. Sim, 1945 é um filme de mensagens. E, talvez exatamente por isso, assisti-lo é uma experiência enriquecedora.
O tempo inteiro, o clima de suspense e tensão soa como uma bomba-relógio; com os minutos contados para sua explosão. Isso se dá não somente pelo retorno do grupo de judeus, mas principalmente pelas cenas de núcleos distintos do vilarejo, cada um sofrendo o impacto dessa chegada de maneira diferente. A certa altura, o longa lembra uma estrutura de peça de teatro: um cenário limitado, muitos personagens, cada um com seu próprio conflito, mas todos sofrendo por um fator em comum. E isso realmente é um mérito.
Enquanto um personagem luta contra o crescimento de sua culpa, outra enfrenta questões mal resolvidas sobre seu destino. É quase como se todos os habitantes daquela cidade estivessem sofrendo de uma epifania coletiva, e, em sua grande maioria, apenas complicações vêm à tona. Afinal, após uma guerra, há duas opções para se continuar vivendo: admitir a tragédia e recomeçar, ou “jogar a sujeira para debaixo do tapete” e se apegar a frivolidades. Claramente, o vilarejo húngaro de 1945 optou pela segunda maneira de se viver, e isso desde o início da Guerra. Agora, no entanto, os horrores do conflito clamam por exposição, e nem o mais cínico dos moradores poderá ignorá-los.
A fotografia em preto e branco é, como era de se esperar, a grande responsável por instaurar o clima de narrativa histórica. Como praticamente todas as imagens de arquivo da época não são (ou foram) coloridas, fica mais fácil nos aproximarmos da verossimilhança que os tons de cinza do longa-metragem nos transmite. Ainda assim, o suspense sutil, mas constante, faz com que o filme não perca o ritmo ou a sensação de imediatismo. E, quando a “bomba-relógio” explode, os destroços são muito mais simbólicos do que literais.
1945 não é um filme sobre redenções ou tratados de paz, mas sim, contrariamente, sobre a implacabilidade do destino. Uma única decisão pode afetar a vida de inúmeras pessoas, e esse tema universal é o que torna a produção atraente até ao público mais distante. A crueza com que os fatos nos são apresentados pode fazer com que alguns espectadores projetem suas próprias vidas para aquela realidade. Assim, somos condicionados a enfrentar, juntamente com os moradores do vilarejo, a iminência de rupturas coletivas.
Não há costumes ou tradições familiares que sobrevivam ao verdadeiro caos político. E, depois de uma guerra, o ser humano não se encontra superior ao que era. Sob pressão e medo, devemos cogitar a possibilidade das consequências a longo prazo, e 1945 deixa isso cruelmente claro. Por isso, dê uma chance ao preto e branco e não se acanhe diante da complexidade do pós-guerra. Afinal, vivemos nela ainda hoje.
Ficha técnica
Ano: 2018
Duração: 1h31
Direção: Ferenc Török
Elenco:
Péter Rudolf
A Hollywood de Hitler: documentário alemão expõe o cinema nazista
Você já deve ter reparado na imensa quantidade de filmes que abordam o nazismo de alguma forma, certo? O cinema se apropriou do assunto para criar filmes que vão desde aventuras, em que os vilões são os nazistas, como é o caso de Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida (1981), passando pelo emocionante drama O Menino do Pijama Listrado (2008), até o clássico A Lista de Schindler (1993).
Mas, o que raramente reparamos é que, pelo fato do cinema ser essencialmente político, assim como qualquer outra arte, sua relação com o regime totalitarista alemão – responsável por um dos maiores genocídios da humanidade – também não deixa de ser política. Há algum tempo, os nazistas são vistos como vilões pelo cinema, e histórias emocionantes falam sobre as vítimas daquele sistema. Mas nem sempre foi assim.
O documentário alemão =&0=&(2017) mostra como a sétima arte foi usada pelo regime nazista, como ferramenta de propaganda partidária e de alienação de massas. De acordo com a obra, ao longo do Terceiro Reich (entre 1933 e 1945) foram feitos aproximadamente mil filmes. Cerca de 300 deles eram melodramas, muitos eram musicais e operetas, outros eram histórias de detetives e investigações. Mas, todos possuíam algo em comum: suas narrativas tinham o propósito de passar mensagens sutis de obediência, subserviência e adoração ao Partido; além de justificar o controle, a vigilância e o ódio como formas de proteção contra os “inimigos do sistema”. Esses filmes eram vendidos como “apolíticos”, mas, na verdade, foram tão politizados que, hoje, nos fornecem registros de uma sociedade fundada na ignorância.
Durante o período de pouco mais de dez anos do Terceiro Reich, o cinema autoral foi tragado. Cinema era sinônimo de propaganda do Partido Nazista e Joseph Goebbels – Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista – se tornou basicamente o único cineasta da nação. Ele era responsável por fiscalizar ou criar argumentos e roteiros, e tudo passava por sua supervisão. Em consequência disso, muitos dos cineastas alemães fugiram e se exilaram. Os que ficaram, tiveram de se adaptar à narrativa do Partido ou passaram a fazer filmes tão independentes que passavam despercebidos pela censura. =&1=&
As mensagens propagadas pelo cinema falavam sobre como a nação alemã e nazista era feliz e realizada, como a qualidade de vida era incrível, como os jovens não deveriam aderir ao estilo de comportamento da juventude comunista e “sem pudores”, e como era necessário servir ao país. Mas, nem sempre essas mensagens eram escrachadas. Os filmes cumpriam a função de transmitir padrões ideológicos e de comportamentos sutilmente, mesmo que nunca de forma inofensiva. Isso se deu, em boa parte, graças ao Star System (Sistema de Estrelas) e ao melodrama, que, juntos, possibilitaram o sucesso das engrenagens da máquina de propaganda.
Assim como Hollywood, o cinema alemão nazista produziu estrelas de cinema que foram adoradas pelo público e serviram como exemplo de estilo de vida (Star System). Somada à influência das estrelas de cinema, o melodrama também foi utilizado amplamente – por se tratar de um recurso eficaz em internalizar emoções e irracionalidades. Dessa forma, uma narrativa, a princípio simples, foi capaz de transmitir o recado com eficiência.
Além disso, a indústria cinematográfica alemã se adaptou à demanda do público, de acordo com o contexto social da época. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, os filmes tinham que agradar as mulheres – levando em conta que a maioria dos homens estavam nas batalhas. O documentário mostra que, durante esse período, até existiram alguns filmes protagonizados por mulheres “fortes”, mas sempre até certo ponto. No fim, o conservadorismo vencia e sugeria às mulheres, sutilmente, que “se comportassem”, como era o esperado. Isso, sem falar dos padrões de beleza estabelecidos por causa das grandes estrelas.
Esse comportamento das produções nazistas indica que, assim como o capitalismo, regimes totalitários podem se apropriar de demandas de minorias – como o feminismo –, para exercer seu domínio. Nesse caso, as atrizes e suas personagens faziam parte desse mecanismo de apropriação. Daí a importância de estarmos sempre atentos aos movimentos do mercado e do marketing – o filme Lída Baarová (2016), biografia da atriz checa que, durante a Segunda Guerra Mundial, se tornou amante do ministro Goebbels e foi convidada para trabalhar no cinema alemão, está disponível na Netflix. A partir dele, é possível ter uma noção de como funcionava o sistema de estrelas.
É importante ter em mente que o cinema “diversão”, baseado em entreter com celebridades e melodramas, foi um dos grandes feitos do nazismo, porque, supostamente apolítico e inofensivo, conseguiu se converter em uma arma ideológica tão forte, que chegou a afetar até mesmo a própria Hollywood. Segundo pesquisas contidas no livro
A colaboração – O pacto entre Hollywood e o nazismo