5 filmes para você treinar seu senso de coletividade

Andar por espaços públicos é algo que demanda diversos cuidados específicos; desde tomar precauções contra a violência urbana e acidentes, até estar atento aos tantos caminhos possíveis. Seja como causa ou consequência de tais atitudes, o comportamento pouco consciente das populações nas ruas é algo que só poderá ser transformado a partir da educação. E, dentro disso, as manifestações artísticas representam um forte papel.

Através das artes plásticas ou audiovisuais, por exemplo, é possível promover inúmeras campanhas de conscientização quanto ao espaço público. Por que não respeitar as ruas como respeitamos a sala de nossas casas? Por que não tratar desconhecidos, fora de casa, como tratamos as visitas que recebemos em nossas residências? Por que não jogar o lixo nas lixeiras, compreender o que significa a palavra assédio, ter empatia para com moradores de rua e ser gentil no trânsito?

Tudo seria mais fácil se víssemos o público como vemos o privado. Enquanto isso ainda é uma realidade distante, você pode treinar seu próprio senso de coletividade, ou dar exemplos de uma conduta saudável a demais cidadãos – afinal, o aperfeiçoamento de nossa consciência social é interminável. Para te ajudar, listamos 5 filmes que possibilitam um bom treinamento dessa tal de coletividade. Confira abaixo!

Ilustração de Gabriela Shigihara. Campanha Chega de Fiu Fiu / Divulgação

 

O.J.: Made in America (2016)

Vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2016, O.J.: Made in America foi dividido em cinco partes (para exibição televisiva), totalizando mais de sete horas de longa-metragem. Dirigido por Ezra Edelman, a série documental é uma verdadeira obra-prima do cinema, e engloba temas importantíssimos – como o racismo estrutural dos Estados Unidos da América, a corrupção de seu sistema judiciário e o poder da espetacularização midiática sobre as leis do país.

Em 1994, a ex-esposa de O.J. Simpson, um dos jogadores de futebol americano mais famosos de todos tempos, foi encontrada morta na fachada de sua casa, junto de um amigo, nas mesmas condições. Assim, seguiu-se uma série de investigações que pararam o país norte-americano. Pouco tempo depois, Simpson foi apontado como o principal suspeito do duplo homicídio.

No filme, temos um panorama detalhista sobre as condições nas quais se criou a lenda “The Juice” (apelido de O.J. nos campos de futebol) – o que contribuiu diretamente para inocentá-lo sob o olhos mais implacáveis de que se tem notícia até hoje: os do povo. Made in America é um retrato complexo sobre a falta de clareza da população estadunidense – tal como a brasileira – quanto ao movimento negro, assim como sobre o problemático desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Um dos documentários mais importantes do século.

Cena do julgamento de O.J. Simpson. Apresentada no filme / Divulgação

 

O Som ao Redor (2012)

De Kleber Mendonça Filho (Aquarius), O Som ao Redor conta a história dos moradores de um condomínio de classe média do Recife, cujas vidas são afetadas com o novo sistema de segurança do local.

A garantia de uma suposta paz vem para alguns através da contratação da empresa de segurança particular; já para outros, a presença de pessoas de classes inferiores é sinônimo de ameaça. O medo da fusão do espaço público e do privado, juntamente com a hipocrisia da “preservação da classe média”, permeia toda a narrativa do filme.

Além disso, a valorização de sons-ambiente, em detrimento dos diálogos, é o artifício mais importante do longa-metragem. A partir daí, Mendonça nos ensina a ouvir – a ouvir e, realmente, escutar. Mais do que um drama, O Som ao Redor é um verdadeiro thriller psicológico; e incentiva o espectador a questionar a validade de certos medos urbanos, e da própria discriminação de classes.

Cena de ‘O Som ao Redor’ / Divulgação

 

Relatos Selvagens (2014)

Composto de seis histórias – em formato de curtas-metragens –, Relatos Selvagens, de Damián Szifron, reúne diferentes narrativas com um propósito em comum: o de retratar pessoas em estados quase psicóticos de raiva.

Uma das histórias mais marcantes, no entanto, se dá a partir de uma briga de trânsito no meio da estrada. Motivados por intenções totalmente torpes, os protagonistas da narração têm como objetivo, puro e simples, destruir a integridade física e psicológica do outro. Inicialmente absurda, a discussão proposta pela trama faz com que gastemos um bom tempo refletindo sobre o que acabamos de assistir – e pondo em cheque os ataques de fúria que vemos nas ruas, no dia a dia; que são, muitas vezes, os nossos próprios.

Cena de ‘Relatos Selvagens’ / Divulgação

 

Ônibus 174 (2002)

Tal como em O.J.: Made in America, Ônibus 174 desmistifica a ideia da imparcialidade midiática. Diferentemente do contemporâneo, no entanto, este trata de um caso de violência urbana, ocorrido no Brasil. Em junho de 2000, o ônibus da então linha 174 ficou detido por quase cinco horas, na frente do Parque Lage, Jardim Botânico (Rio de Janeiro). O motivo? Um sequestro.

Sandro Barbosa do Nascimento, um sobrevivente da Chacina da Candelária (no qual oito crianças e adolescentes foram assassinados por policiais militares, em 1993), fez os passageiros do 174 de reféns, com um revólver calibre 38. Mais do que uma dissecação sobre o passado de Sandro, o documentário de José Padilha e Felipe Lacerda é um autêntico documento sobre uma das principais causas da criminalidade: a não-infância da juventude negra brasileira.

Televisionado desde o princípio, o sequestro do ônibus teve seu desfecho pré-determinado graças à exposição espetacularizada dos fatos e à irresponsabilidade policial. Um triste acontecimento, estudado a fundo no longa-metragem. Simplesmente imperdível.

Sandro, o sequestrador do ônibus 174. Cena do documentário / Divulgação

 

Chega de Fiu Fiu (2018)

Aos olhos do patriarcado, o corpo feminino é de domínio público. Talvez, exatamente por isso, estejamos sempre tão suscetíveis a sofrer todo o tipo de assédio nas ruas – e já que, no final das contas, o direito à livre circulação é garantido somente aos homens. Eles podem tudo; desde caminhar sem censuras até fazer comentários terríveis sobre os corpos das mulheres. Já para nós, o “sexo frágil”, sequer é “permitido” sair de casa sem sermos expostas ao poder masculino.

Contra tudo isso, Amanda Kamanchek Lemos e Fernanda Frazão, as diretoras do filme, entregam-nos esse incrível documentário, inspirado na campanha de combate ao assédio da ONG Think Olga. Três mulheres de diferentes regiões do país emprestam suas vozes, como forma de representar todas as outras cidadãs brasileiras que sofrem com essa realidade em locais públicos. Além delas, especialistas no assunto ajudam a construir o forte argumento do filme.

Usando óculos com microcâmeras, as personagens principais filmam aquilo pelo qual têm de passar nas ruas de suas cidades. Assobios, manifestações sobre suas aparências, buzinadas…ações comuns a muitas pessoas que, infelizmente, pouco refletem sobre a diferença entre assédio sexual e flerte (e cuja diferença consiste no consentimento entre ambas as partes).

Raquel Carvalho, participante do documentário / Divulgação

 

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