Quando a Netflix liberou o teaser de Sempre Bruxa, há mais ou menos um mês atrás, muita gente foi tomada por curiosidade e expectativa em relação à série. O recente sucesso de O Mundo Sombrio de Sabrina deve ser um dos motivos para a empolgação gerada, já que essa nova onda de produções protagonizadas por mulheres parece agradar um nicho de audiência que procura por entretenimento, empoderamento e misticismo. Mas não se engane: apesar de apresentarem jovens bruxas como protagonistas, as duas obras originais Netflix têm muito pouco em comum.
Ambientada na cidade de Cartagena (litoral colombiano), Sempre Bruxa narra a história de Carmen Eguiluz (Angely Gaviria), mulher negra que vive no século XVII, escravizada e acusada de bruxaria por viver um romance com um homem branco, filho de seus senhores.
Como tantas outras mulheres, Carmen é perseguida, julgada e condenada à fogueira por seu comportamento; por não ser subserviente. O que ninguém imaginava, no entanto, é que Carmen de fato tivesse poderes mágicos. Assim, no dia de seu julgamento, a jovem bruxa faz um acordo com Aldemar (Luis Fernando Hoyos), o Imortal, e consegue escapar da fogueira sendo transportada para a Cartagena do século XXI.
Sua missão nesse futuro que desconhece é evoluir seus poderes e enfrentar uma força maligna chamada Lucien, bruxo poderoso que tem queimado mulheres e que, de alguma forma, tenta prejudicar Aldemar. Se cumprida a tarefa, Carmen poderá regressar ao século XVII, momentos antes de ser queimada na fogueira, para fugir da perseguição misógina da Igreja e viver com seu amor.
O combinado parecia um bom plano, mas tudo muda quando Carmen chega a um novo mundo, repleto de tecnologias impressionantes e liberdades femininas inimagináveis para uma mulher escravizada. Aos poucos, a protagonista faz amigos, começa a estudar e descobre um universo de novas possibilidades para sua vida e seus poderes.
A série, essencialmente realizada por mulheres, é baseada no livro “Yo, Bruja” (Eu, Bruxa), da autora Isidora Chacón; criada por Ana Maria Parra, produzida por Juliana Barrera Pérez e a maioria de seus 10 episódios são dirigidos por Liliana Bocanegra. Além disso, é importante destacar o elenco feminino diverso e o desenvolvimento da trama, que trata a figura da bruxa também como ser político.
A princípio, Sempre Bruxa parece bastante atrativa por conta de suas sinopse, latinidade e equipe de mulheres. Entretanto, nada disso é suficiente para suprir todas as expectativas que a proposta da série possa ter gerado desde seu anúncio. O lugar político do feminino, por exemplo, é evidenciado e discutido algumas vezes, mas serve mais como pano de fundo para um romance novelesco água com açúcar entre uma mulher oprimida e um homem branco rico. O mesmo acontece com a presença da cultura afro-colombiana, destinada a ser contexto coadjuvante do drama jovem adulto.
Outros aspectos frágeis da série colombiana têm a ver com o desenrolar de narrativa e personagens. Tudo acontece porque tem que acontecer. As motivações não soam genuínas, os laços afetivos são criados quase que por mágica (ironicamente), os vilões são genéricos, os eventos e conflitos acontecem de forma conveniente e sem muito critério de verossimilhança, o arco da heroína é previsível e repleto de clichês, tal como seus desencontros amorosos, e a reviravolta final fica óbvia muito antes de acontecer. Até mesmo os contatos e viagens entre presente e passado são frustrantes. Nada de muito original é oferecido e, por isso, a série torna-se uma colcha de retalhos de muitos elementos já vistos exaustivamente em outros romances e fantasias.
Por outro lado, a mensagem que a obra deseja transmitir está ali: uma vez bruxa, sempre bruxa. Não importa em que século estejamos e quantos direitos conquistemos, o mundo ainda opera de acordo com os poderes masculinos. Ser mulher, portanto, ainda é como viver com um alvo pendurado no peito. A opção de bancar esse discurso – mesmo que ele se apresente extremamente pulverizado entre os episódios – é, com certeza, o ponto alto da produção.
Destaca-se, nesse sentido, a cena onde Carmen diz à sua “sogra”, uma mulher branca e rica, que, apesar de seu privilégios, ela também vive como uma escrava; escrava de seu marido. Nesse momento, já no final da temporada, a série, pela primeira vez, se aprofunda em algum aspecto de seus discursos politizados e explora uma certa interseccionalidade de vivências femininas.
Tecnicamente, vale mencionar o eficiente contraste entre a Cartagena do século XVII, representada em tons terrosos, e a Cartagena do século XXI, colorida e vibrante retrato de um dos destinos turísticos mais procurados da América Latina.
Sempre Bruxa pode ser frustrante para aqueles que buscam material consistente sobre bruxas latino-americanas, realismo-fantástico político ou qualquer coisa do gênero. Já para os que procuram por entretenimento adolescente despretensioso, mas com alguma carga de engajamento e realizado e protagonizado por mulheres, a série pode ser uma boa opção de passatempo.
Assista ao trailer:
Ficha técnica
Criação: Ana Maria Parra
País: Colômbia
Ano: 2019
Elenco: Angely Gaviria, Dylan Fuentes, Luis Fernando Hoyos, Verónica Orozco, Sebastián Eslava.
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
COMENTÁRIOS