Um dos filmes argentinos mais comentados dos últimos meses acaba de estrear no Brasil. Trata-se de Vermelho Sol, novo trabalho do diretor Benjamín Naishtat (Bem Perto de Buenos Aires, 2015).
Ambientado na Argentina pré-golpe de 1976, o longa examina e ficcionaliza a crescente de autoritarismo e medo na vida de gente comum que viveu a chegada do estado de exceção e do militarismo.
Acompanhamos, então, os desdobramentos de decisões controversas tomadas por Claudio (Dario Grandinetti), um advogado provinciano muito respeitado pela comunidade local. Em uma noite de 1975, esperando a esposa (Andrea Frigerio) para jantar num restaurante, o personagem é incomodado por um forasteiro desconhecido (Diego Cremonesi). Os dois trocam ofensas; o desconhecido demonstra estar completamente descontrolado e Cláudio deixa transparecer toda sua arrogância de homem prestigiado.
Depois disso, a discussão vira confusão e o desconhecido é expulso do lugar por outros clientes. Mais tarde, a trama toma um rumo digno de Relatos Selvagens e o detetive celebridade Sinclair (Alfredo Castro), filho da ditadura chilena, é chamado para investigar o que aconteceu ao tal desconhecido depois daquela noite no restaurante.
No Brasil, Vermelho Sol tem distribuição da Sessão Vitrine e, portanto, foi lançado simultaneamente nos cinemas e nas plataformas digitais (Vivo Play, Now, Oi Play).
MAIS QUE UM THRILLER
O thriller criminal, aqui, opera como fio condutor de um filme que, a princípio, parece ser composto por cenas desconexas entre si, capítulos quase aleatórios – apesar de cronológicos – que dão o tom do panorama social que o diretor pretende construir a partir de seu grupo de personagens.
Assim, enquanto desenvolve como a confusão do restaurante abalou a estabilidade da vida média de Claudio, Naistash constrói metáforas sobre os efeitos da chegada da ditadura militar argentina na vida de gente que não tem relação direta nem com o regime nem com a militância de resistência.
Pessoas somem, casas ficam abandonadas, a irritabilidade, o nervosismo e a violência aumentam mesmo no âmbito das relações pessoais. Armas passam a ser imagens rotineiras, as autoridades se curvam diante dos norte-americanos, jornalistas sofrem intimações.
Nada disso, porém, aparenta afetar diretamente aqueles que não gostam de falar sobre política, aqueles para quem desaparecimentos de vizinhos são material de fofoca; os que são acometidos pela inércia, apesar da instabilidade de momentos que antecedem um golpe.
Para ir além do que se espera de um filme de gênero ou de um filme sobre ditaduras latino-americanas, o diretor não fala de vilões ou heróis, de lados opostos. Ele busca novidade no olhar e no comportamento de gente quase sempre alheia aos conflitos centrais de sua época. Um estado de exceção, afinal, não acontece do nada, por geração espontânea. É um projeto gradual, que por ocorrer lentamente permite que as pessoas se acostumem a ele, buscando alguma ilusão de normalidade para seguir a vida mesmo sob mudanças visíveis.
Contundente, Vermelho Sol elabora alegorias e desenvolve suspense ao mesmo tempo, trabalhando sempre com sugestões e nunca com didatismo. Cabe ao espectador, então, usar da própria criatividade – e repertório – para entrelaçar as situações e imaginar um todo linear.
O VERMELHO MARCA TRANSIÇÕES
Do mesmo diretor de fotografia de Bacurau, o brasileiro Pedro Sotero, o filme usa a cor vermelha para marcar transições. Ela aparece num pôr do sol, no farol de um carro em movimento ou num eclipse; confirmando que uma fase está deixando de existir para dar lugar a outra. Ademais, desfoques e granulados na imagem são usados tanto como referência ao cinema autoral hollywoodiano dos anos 1970 como para ajudar a constituir a atmosfera vertiginosa da trama.
Com facilidade e excelência, Vermelho Sol transita pelo thriller, pelo drama e pela crítica estabelecendo diálogo com os ciclos históricos da América Latina; ciclos que oscilam entre momentos de otimismo e outros de autoritarismo. Consequentemente, o filme também conversa com o agora.
O estado de exceção que se concretiza oficialmente no golpe militar aparece como pano de fundo de uma obra preocupada em investigar e criar metáforas para a violência, a intolerância e a paranoia que se acomodam nas entranhas dos aspectos mais simples do cotidiano. Muda-se o comportamento social; os ânimos ficam à flor da pele, tornam-se vários os flertes com o absurdo e a banalização da tirania se instaura no cerne da população.
Como resultado, Vermelho Sol mostra-se um suspense arrebatador, que olha para lugares geralmente ignorados pelo cinema quando se trata de regimes totalitários: como vivem os cidadãos médios numa ditadura militar? Que tipo de sentimentos fazem a maioria da sociedade civil assistir inerte ao aflorar e ao permanecer do fascismo?
Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Benjamín Naishtat
Duração: 1h49
País: Argentina, Brasil, França, Alemanha, Holanda
Ano: 2019
Elenco: Dario Grandinetti, Andrea Frigerio, Alfredo Castro
Gênero: Drama, Suspense
Distribuição: Vitrine Filmes
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