Los Adioses: o machismo na vida de uma das grandes vozes da literatura mexicana

Os 15 minutos iniciais de Los Adioses, de Natalia Beristáin, são longos e entediantes. A diretora se perde em uma repetição de imagens enfadonhas e não muito expressivas para sugerir a intensidade do romance vivido pela protagonista. Depois, no entanto, o filme engata num tom bastante formal, mas que serve acertadamente às suas intenções narrativas. 

Nascida em Chiapas, sul do México, no início dos anos 50, Rosario Castellanos ficou órfã cedo, se tornou uma precoce universitária mulher na capital do país e, mais tarde, uma das grandes vozes da literatura mexicana do século XX. Junto de sua trajetória profissional e intelectual, Rosario viveu um romance conturbado com o professor de filosofia Ricardo Guerra.

Nesse sentido, interessa à cinebiografia ficcionalizada de Beristáin a vida íntima de Castellanos – da pública, afinal, muito já se conhece. Ao tratar da mulher Rosario, imaginando as nuances de suas relações e o conteúdo de suas possíveis sensações sobre o que experienciou, a diretora alcança falar de machismo de um modo mais amplo.

‘Los Adioses’/ Divulgação

CASTELLANOS, A MULHER

Rosario (Tessa Ia/Karina Gidi) conheceu Ricardo (Pedro De Tavira/Daniel Giménez) na universidade. Quando deixou o México para estudar na Espanha, os dois se afastaram. Ao retornar ao México anos depois, eles se reencontram e se casam, à sombra do que imaginam ser uma tórrida paixão que atravessa percalços, tempo e distância. A realidade do matrimônio, porém, é diferente: Rosario não pretende deixar de escrever ou lecionar, e Ricardo quer ser pai. 

Pouco a pouco, a diretora encaixa as peças de um filme que pretende falar das opressões que prejudicam até a mais esclarecida das mulheres. Publicamente, Rosario discorria sobre feminismo, escrevia sobre ser mulher e desabafava angústias de gravidezes frustradas e maternidade. O fluxo de suas inquietações acompanhava energicamente o tamborilar das teclas da máquina de escrever. No casamento, por outro lado, sentia-se culpada pelas cobranças do marido, que não aceitava ser “menos importante” que o trabalho da esposa, ou que ela não compartilhasse com ele o que havia no universo particular que eram seus pensamentos.

Conforme a convivência dos dois personagens se tenciona, Los Adioses cresce. A contradição entre o auge da carreira de Castellanos e sua crise pessoal, enquanto mulher, dialoga com dilemas de longa data do feminino e, por isso, é o ponto mais forte do filme – seguido pela interpretação virtuosa de Karina Gidi.

Nos minutos finais, uma cena discreta remonta ao acidente que tirou a vida da escritora. Aos 49 anos, enquanto exercia a função de embaixadora do México em Israel,  Castellanos acabou levando uma descarga elétrica ao atender o telefone molhada do banho. O acidente interrompeu sua trajetória, mas não lhe apagou da história da literatura mexicana. Com este filme, ainda que livremente inspirado em seus escritos e nos fatos de sua vida, ela fica eternizada também no cinema. 

Los Adioses está disponível no Prime Video

Leia também: Ninguém Nunca Saberá: o machismo no México rural dos anos 70

Ficha Técnica:

Direção: Natalia Beristáin

Duração: 1h25

País: México

Ano: 2017

Elenco: Karina Gidi, Daniel Giménez Cacho, Tessa Ia, Pedro De Tavira

Gênero: Drama

Distribuição: Prime Video

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário