“Nada de feijão com arroz” é como se define A Cidade dos Piratas, produção brasileira indicada ao Prêmio Platino 2020 de Melhor Filme Ibero-americano de Animação. De fato, o longa mistura realidade e ficção, sem nenhum compromisso com linearidade ou lógicas narrativas convencionais, para apresentar ao espectador o cruzamento dos universos do diretor Otto Guerra e da cartunista Laerte Coutinho.
Originalmente pensado para ser um filme sobre os ‘Piratas de Tietê’, famosa série de quadrinhos criada por Laerte nos anos 1980, A Cidade dos Piratas mudou de foco ao longo de seus 20 anos de desenvolvimento. O humor de Laerte já não é mais o mesmo de quando o projeto cinematográfico foi iniciado. Da mesma forma, seu trabalho passou a carregar muito de suas experiências existenciais, distanciando-se do que representava “Os Piratas”.
O LABIRINTO
Otto Guerra não quis, porém, abrir mão da presença dos Piratas. Por isso, a trama final da animação acabou composta por algumas histórias paralelas que, juntas, homenageiam as transformações de Laerte e nos contam do percurso cheios de percalços trilhado pelo filme, desde sua concepção até o lançamento.
Em uma dessas histórias, o próprio diretor enfrenta problemas de saúde e uma crise sobre os rumos do filme, que parece ter perdido o sentido de ser graças ao afastamento entre a criadora e suas criaturas piratas. Em outra, Laerte reflete sobre as transformações profissionais e pessoais pelas quais passou nos últimos anos. No meio disso tudo, episódios emblemáticos de ‘Piratas do Tietê’ são resgatados. Há ainda o enredo do político reacionário, à imagem e semelhança do Brasil conservador; e, por fim, o sujeito em processo de reconhecimento de sua verdadeira identidade de gênero.
Estruturalmente anárquico, A Cidade dos Piratas exige que o espectador tenha referências prévias sobre Laerte. Uma vez ultrapassado este obstáculo inicial, o entendimento é um só: Para que definir Laerte? Ao transcender o ridículo e o ilógico, a produção adentra o território tipicamente crítico e mordaz da trajetória artística da cartunista. E com humor bastante característico, conduz o espectador pelo labirinto do minotauro, confuso até que se veja o centro.
Então, do entrecruzamento dos caminhos labirínticos percorridos pela feitura do filme e pelas vidas do diretor e sua personagem principal, nasce a animação que transpõe para o cinema, em essência, a vida e a obra de uma das principais figuras dos quadrinhos brasileiros.
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Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Otto Guerra
Roteiro: Otto Guerra, Laerte, Rodrigo John, Tomas Creus
Duração: 1h20
País: Brasil
Ano: 2018
Gênero: Animação
Distribuição: Lança Filmes
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