O ano é 2001, e o aprofundamento de um programa neoliberal na Argentina colapsa a economia, afogando o país em caos social. Numa província de Buenos Aires, quase deserta depois de a maioria dos habitantes partirem em busca de melhores condições de vida, Fermín Perlassi (Ricardo Darín) decide que é hora de comprar uma propriedade e dar início a uma cooperativa que incentive a agricultura local, gerando empregos para os que sobraram. Começa assim, meio otimista e um tanto melancólica, A Odisseia dos Tontos, uma tragicomédia de Sebastián Borensztein.
No longa, com a ajuda da esposa Lidia (Verónica Llinás) e do amigo Antonio Fontana (Luis Brandoni), Fermín convence um grupo de moradores da cidade a colaborar com o dinheiro necessário para a cooperativa. Assim, para fazer acontecer um sonho que passa a ser coletivo, cada um entrega um pouco de suas economias.
Quando finalmente tem em mãos uma quantidade razoável de dinheiro, porém, Fermín sofre um golpe de funcionários do banco, que se aproveitam da crise argentina para roubar os clientes. A partir deste ponto, o grupo dos tontos, aqueles que são passados para trás, se mete a planejar como recuperar o que lhes fora tirado.
OS TONTOS
Como a própria vida, em períodos coletivamente conturbados, principalmente, o filme de Borensztein transita entre a esperança, a frustração, a raiva e a ação.
“Se meteram com os perdedores errados”, diz o material de divulgação da produção. De fato, logo após o golpe, A Odisseia dos Tontos torna-se uma espécie de missão impossível altamente ácida e bem-humorada. Um filme de ação cujos personagens sabem de suas limitações e, mesmo assim, desejam vingança. Ou melhor, desejam recuperar sua autoestima coletiva.
O humor da narrativa, portanto, se dá em duas camadas principais. Na primeira, mais óbvia, há a graça de ver um bando de pessoas absolutamente comuns e bastante atrapalhadas executando um plano mirabolante com direito a explosões e espionagem. Já na segunda, há um humor quase cínico, que costura crítica política e entretenimento com destreza.
Neste filme, aqueles considerados tontos pelos que são oportunistas viram o jogo de forma extraordinária. Qualquer semelhança com o atual momento de efervescência popular latino-americana, portanto, não é mera coincidência. Embora esteja situado no início dos anos 2000, o longa dialoga perfeitamente com as consequências do neoliberalismo catastrófico da Argentina de Mauricio Macri (2015-2019). Cedo ou tarde, os tontos chegam ao seu limite.
BOMBITA PARTE 2
Escolhido pela Argentina para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2020, A Odisseia dos Tontos chama atenção por seu elenco de estrelas. Além disso, nesta nova empreitada Ricardo Darín demonstra ter tomado gosto por explosões revoltosas. É impossível assistir às peripécias dos personagens sem lembrar de Bombita, exausto com o sistema de multas em Relatos Selvagens.
Aliás, o absurdo da missão do grupo de “A Odisseia” não fica muito atrás dos capítulos de Relatos Selvagens, o que certamente confere toques extras de humor e fervor ao desenvolvimento da narrativa.
Com fluidez, bons efeitos especiais, cenas dinâmicas e uma animada trilha sonora composta por músicas cantadas em espanhol, o longa mostra-se orgulhoso de ser argentino e não deixa dúvidas de que o cinema latino-americano nada deve ao hollywoodiano. Não contamos com os mesmos orçamentos, claro, mas sabemos, sim, manipular gêneros diversos com qualidade.
Neste contexto, A Odisseia dos Tontos aparece como prova cabal de que é perfeitamente possível realizar filmes divertidos e com apelo popular sem perder de vista o autoral, a crítica ou as próprias origens.
Por fim, e embora sejam muitas as qualidades do longa, vale dizer que há algo de embaraçoso no avançar da trama: as poucas personagens mulheres são extremamente subutilizadas e sequer chegam a conversar entre si, ou a participar ativamente dos momentos de maior ação. Estamos em 2019 e, assim como tontos cansam de ser tontos, também cansa-nos ver boas histórias sendo desnecessariamente destinadas apenas a personagens homens.
*Este texto faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Sebastián Borensztein
Duração: 1h56
País: Argentina
Ano: 2019
Elenco: Ricardo Darín, Luis Brandoni, Chino Darín, Verónica Llinás
Gênero: Comédia, Ação, Drama
Distribuição: Warner Bros. Pictures
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