No final do século XIX, nos EUA, as histórias românticas consideradas promissoras deveriam terminar com protagonistas mulheres casadas ou mortas. Foi justamente durante os anos 1860, período marcado pela Guerra Civil Americana (1861-1865), que a escritora Louisa May Alcott precisou enfrentar as conservadoras condições do mercado editorial para conseguir publicar seu “Little Women”; o livro que contrariou as baixas expectativas dos editores e acabou fazendo tanto sucesso entre as jovens da época que teve um segundo volume encomendado à autora.
Em certa medida autobiográfico e considerado um clássico best-seller norte-americano, o romance serviu de base para diversas adaptações cinematográficas ao longo dos anos. A mais recente delas, lançada no Brasil no último dia 9 com o título Adoráveis Mulheres, tem direção e roteiro de Greta Gerwig, um elenco de peso formado por nomes como Saoirse Ronan, Laura Dern, Meryl Streep e Timothée Chalamet; além de seis indicações ao Oscar 2020 – entre elas, a de Melhor Filme.
Na trama, bastante fiel ao livro de May Alcott, acompanhamos a vida doméstica cotidiana e os processos de amadurecimento das quatro irmãs March: Jo (Saoirse Ronan), a protagonista, escritora, altiva e disposta a vender histórias para ajudar a família; Amy (Florence Pugh), ambiciosa e artista plástica; Meg (Emma Watson), a mais maternal das irmãs; e Beth (Eliza Scanlen), a doce e justa caçula.
O OLHAR CONTEMPORÂNEO DE GERWIG
Gerwig opta por conduzir a narrativa de Adoráveis Mulheres de forma não linear, dividindo-a em duas linhas temporais que são trilhadas rumo a uma intersecção. Na primeira delas, a diretora recupera o que havia de caloroso na infância das March; garotas que não nasceram numa família rica, mas que puderam crescer sem grandes apertos econômicos, estreitando laços entre elas e sonhando com futuros promissores. Já na outra, ambientada quando se impõe a fase adulta das personagens, o filme trafega pela austeridade da vida durante a guerra e pelo peso das opressões de gênero da época.
Sempre intercaladas, as duas linhas temporais dão conta de apresentar algumas das facetas de cada uma das irmãs; sem simplismos ou facilitações. Assim, apesar de os desafios que Jo enfrenta no amor e na carreira de escritora que precisa sustentar a família serem os pontos centrais da trama, todas as March têm direito a bons momentos no enredo – aqui, vale destacar as divertidas cenas de Tia March (Meryl Streep).
E embora não seja a primeira adaptação cinematográfica de “Little Women”, o filme consegue manter brilho próprio ao se valer de um elemento único: o olhar contemporâneo de Gerwig sobre a história clássica. Isso porque, sem nunca desrespeitar o enredo original, a diretora usa humor e ironia com precisão para pontuar aspectos que julga dignos de destaque e contestação.
Não que Adoráveis Mulheres seja exatamente um filme subversivo ou riquíssimo em comentários sociais, mas a condução em certa medida combativa da diretora, principalmente em relação a costumes e gênero, refresca a obra e estabelece conexões afetivas importantes com o público do presente.
Aliás, a melhor cartada satírica de Gerwig fica para o final, quando ela decide deixar no ar uma linha bastante tênue e provocativa entre a vida e a obra de Jo.
HÁ ALGO EM COMUM ENTRE JO, MAY ALCOTT E GERWIG
Infelizmente, o romance clássico “Little Women” não é a única coisa que une Jo, Louisa May Alcott e Greta Gerwig. Adoráveis Mulheres acaba de ser indicado a diversas categorias do Oscar 2020, mas Gerwig não recebeu indicação a Melhor Direção; e outra vez a categoria acabou completamente destinada a homens.
As três mulheres, portanto, esbarraram/esbarram em relutâncias quando o assunto é o reconhecimento do valor criativo de suas obras. Seja na literatura ou no cinema, na ficção ou na vida real, no século XIX ou no XXI: mulheres sempre precisam provar via mercado que suas criações são valiosas; o que atesta a atemporalidade da temática do longa-metragem.
No fim, mesmo não tendo sido aceita no clube do bolinha de diretores indicados ao Oscar em 2020, Gerwig certamente ofereceu um belo e carismático filme ao público. E é bom que se diga: não há nenhuma cerimônia hollywoodiana de celebração de egos masculinos e dinheiro que realmente tenha condições de reconhecer ou validar o que diretoras mulheres vêm fazendo pelo cinema contemporâneo. Não devemos ingenuamente contar com esse tipo de evento para alavancar as pautas que nos são caras.
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Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Greta Gerwig
Duração: 2h15
País: EUA
Ano: 2019
Elenco: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Meryl Streep, Timothée Chalamet, Louis Garrel
Gênero: Drama, Romance
Distribuição: Sony Pictures
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