Alguma Coisa Assim: a toxicidade das incertezas constantes

Anos atrás, os diretores e roteiristas Esmir Filho e Mariana Bastos lançaram o curta-metragem Alguma Coisa Assim, que usava a noite da Rua Augusta, em São Paulo, como pano de fundo para desenvolver a relação e as descobertas pessoais de dois jovens amigos. Na época, os 15 minutos de filme focaram nas inquietações de Caio (André Antunes) em relação a sua sexualidade e nas reações de Mari (Caroline Abras) perante as incertezas do amigo.

Assista ao curta:

(Fonte: Saliva Shots/ Vimeo)

Pensando em dar sequência à história de Caio e Mari, a dupla de diretores se reuniu com os mesmos atores para gravar um reencontro dos personagens em 2013, em São Paulo, e outro em 2016, na cidade de Berlim.

O longa Alguma Coisa Assim nasce, portanto, como uma celebração de aniversário do curta-metragem de 2006 e é formado por três momentos-chave da vida dos protagonistas: a adolescência – que recupera cenas do curta -, onde Caio começa a lidar com sua homossexualidade; o reencontro em São Paulo, quando Caio conta para Mari que vai se casar com um rapaz; e o reencontro dos dois em Berlim, na Alemanha.

Em uma década muitas coisas mudam nas vidas de Mari e Caio, mas algo segue intacto: a indefinição da natureza de seu relacionamento. Eles são mesmo só amigos? Mari segue esperando alguma coisa de Caio como no curta-metragem? Caio já deixou claro se seria capaz de envolver-se com Mari ou não?

Mari (Caroline Abras) e Caio (André Antunes) / Divulgação

Durante coletiva de imprensa, os diretores contaram que como transição para intercalar a montagem não linear de Caroline Leone (Pela Janela) entre os três períodos foi usado o quase incessante som de obras, como se os personagens, tal como a cidade, estivessem constantemente se destruindo e reconstruindo.

De fato, a relação entre Caio e Mari foi construída à base de muitas omissões. Omissões de sentimentos dela e de responsabilidades dele. Mari, sempre expansiva, independente e descontraída, carrega uma enorme carga de frustrações. E Caio, tão empenhado em ser um bom médico e em parecer uma pessoa decente, se omite de suas responsabilidades afetivas.

Entre o dito e o não dito o tempo passa, a cidade se transforma e os protagonistas seguem rumos distintos para depois voltarem a se encontrar em Berlim, quando algo muda. A vida dos dois se entrelaça, pela primeira vez, a partir de alguma coisa concreta. Algo que obriga os personagens a encararem o mundo real, deixando para trás o mundo suspenso que criaram para si e sustentaram por tantos anos.

De repente, conflitos que anos atrás pareciam muito adolescentes tomam proporções gigantescas e o confronto, antes compulsoriamente adormecido, acontece em meio a um turbilhão de emoções represadas.

Nesse momento, o protagonismo do longa fica ainda mais claro: Caroline Abras brilha ao retratar o drama de uma mulher rodeada de gente, mas sozinha. Sua Mari levanta questões absolutamente atuais e imperativas – principalmente em relação aos direitos da mulher. Tudo está ali, captado pela câmera que se permite focar o rosto da atriz no auge de seu transbordamento emocional.

(Fonte: Vitrine Filmes / YouTube)

Sobre  protagonismo feminino no filme, a diretora Mariana Bastos declarou: “Eu não vou dizer que isso foi uma premissa para criarmos a continuidade da história; não foi. Ao mesmo tempo, a história é muito mista. Temos o ponto de vista masculino e feminino sobre as mesmas questões. Mas acho que hoje, por termos mais oportunidades de colocar mulheres contando histórias – tanto com a  câmera voltada para elas na tela, quanto envolvidas nos processos de criação – acaba que conseguimos trazer um pouco mais da questão da mulher”.

Esmir Filho destacou a composição mista da produção e disse que a troca, entre homens e mulheres, foi importante para a narrativa. “Foi muito bonito porque, nesse processo de cinema que é o encontro, você tem que escutar todo mundo da equipe e trabalhar junto para que essas questões venham à tona de uma forma muito genuína”, explicou.

“A personagem Mari já vinha, desde o início (no curta), com o olhar muito claro e com seu lugar muito marcado. Os papéis do homem e da mulher eram bem equilibrados, mas,  com o passar do tempo e com o frescor dos temas, acho que ficou interessante focar um pouco mais na perspectiva dela”, completa a atriz Caroline Abras.

Alguma Coisa Assim / Divulgação

Dessa forma que Alguma Coisa Assim evolui de “dramas adolescentes” para algo visceral, emocionante, complexo e quase perturbador. É necessário coragem para bancar o final deste filme e toda a carga dramática que se arrisca a transitar pela poesia e  pela violência do realismo da vida.

Possíveis comparações com Boyhood são desnecessárias. Alguma Coisa Assim vai além da captação estendida por 10 anos, demonstrando personalidade suficiente para se bancar como obra capaz de manter a vivacidade, o frescor e a importância temática.

 

*Além do novo filme dos diretores Esmir Filho e Mariana Bastos, o IMS Paulista e o IMS Rio exibirão trabalhos anteriores dos diretores. Confira a programação.

** “Into Shade”, interpretada por Lucas Santtana e Bárbara Eugênia, é uma das canções que compõem a trilha de Alguma Coisa Assim. O clipe, também dirigido por Esmir Filho e Mariana bastos, intercala cenas do filme com a participação dos cantores.

 

Ficha técnica

Direção: Esmir Filho, Mariana Bastos

Duração: 1h20

País: Brasil, Alemanha

Ano: 2018

Elenco: Caroline Abras, André Antunes, Clemens Schick

Gênero: Drama

Distribuição: Vitrine Filmes

 

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