Representante do Senegal no Oscar 2020, Atlantique recebeu o Grand Prix do Festival de Cannes deste ano (segundo prêmio mais importante da cerimônia) e transformou a franco-senegalesa Mati Diop em primeira diretora negra a concorrer à Palma de Ouro. Logo após seu ótimo desempenho no festival, o filme teve seus direitos de exibição comprados pela Netflix. Desde o último dia 29, portanto, ele está disponível no catálogo da plataforma para os assinantes.
Na trama, ambientada no subúrbio de Dakar, no Senegal, Ada (Mame Bineta Sane) é uma jovem de 17 anos apaixonada pelo pedreiro Suleiman (Ibrahima Traoré). Este, porém, é um romance impossível. Ada está prometida a um rapaz rico (Babacar Sylla), e Suleiman está prestes a ir embora.
Ele e outros garotos, trabalhadores de uma mega construção, não recebem salários há meses. Encurralados pelas dívidas e pela falta de perspectiva, tomam a arriscada decisão de, pelo mar e em busca de uma vida mais digna, tentar chegar à Espanha.
SOBRENATURAL E POESIA
A diretora, também roteirista, dedica os primeiros minutos de Atlantique à contextualização concreta da realidade daqueles jovens explorados como mão de obra barata. Em seguida, quando eles desaparecem no oceano, Diop passa a apostar em elementos sobrenaturais para construir sugestões.
O gráfico de uma suposta tragédia nunca é colocado em tela. Em vez disso, o filme se detém a tratar do impacto que a partida – e possível morte – dos jovens causa em quem fica; principalmente nas garotas com quem eles mantinham mais proximidade.
Um incêndio inexplicável conturba a relação de Ada com seu noivo. As jovens começam a arder em febre, convulsionando aflições que também ficaram; sofrimentos que pedem por justiça. O sumiço dos que partiram causa um mal-estar generalizado – que não provoca revoltas, mas, sim, um grande estado de inércia.
No bater das ondas do atlântico convergem a esperança, a consternação e a perda. O retrato da juventude senegalesa traçado pela diretora é imagética e simbolicamente poético; além de profundamente melancólico. Minados por costumes conservadores e contradições sociais, os adolescentes do filme não têm muito como projetar futuros otimistas.
E embora algumas escolhas da diretora soem mal justificadas e frustrantes – como o grande destaque dado a um investigador (Nicole Sougou) e seu arco policial, ou ao fato de esse investigador ser o único homem a também convulsionar de febre -, ela nos apresenta um longa-metragem positivamente ambicioso.
No geral, o filme flerta bem com a crítica social, o romance e o sobrenatural (mesmo que este pareça não atingir toda sua potência) e lança um olhar único sobre a questão dos deslocamentos forçados. Assim, o mais impressionante de Atlantique acaba sendo o bom desenvolvimento da atmosfera entorpecente que envolve o conjunto da obra.
Leia também a nossa crítica de Retablo, indicado do Peru ao Oscar 2020.
Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Mati Diop
Duração: 1h46
País: Senegal, França
Ano: 2019
Elenco: Mame Bineta Sane, Ibrahima Traoré, Aminata Kane, Babacar Sylla
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
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