Coluna: Jurassic World é uma infeliz contradição de Jurassic Park

Em 1993, o mundo contemplou a estreia de um dos maiores filmes de ficção científica de todos os tempos. Jurassic Park: Parque dos Dinossauros, do então diretor marcado pelo gênero, Steven Spielberg, foi um sucesso de bilheteria e de crítica. Inspirado no livro de mesmo nome de Michael Crichton, a superprodução trata de biotecnologia, teoria do caos e paleontologia.

Logo que fora anunciado, o filme despertou a curiosidade não somente dos amantes de ciência, da sétima arte, ou de demais longa-metragens do diretor, como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1978) e E.T. – O Extraterrestre (1982), mas sim de uma multidão que ansiava por ter a chance de ver dinossauros “vivos” retratados nas telas. Antes de Jurassic Park, pouquíssimas produções haviam abordado os animais extintos há milhões de anos, podendo citar, como as mais marcantes, King Kong (versões de 1933 e 1986) e O Mundo Perdido (1925) – que serviram ambos de inspiração ao filme de Spielberg.

MUNDO ENCANTADO

Quando eu me deparei com esses seres aterrorizantes e, ao mesmo tempo, fascinantes, tinha pouco mais de três anos de idade e dois olhinhos muito curiosos. Desde então, entre videocassetes gravadas, inúmeros textos lidos e documentários assistidos, minha paixão pelos dinossauros de Crichton (também roteirista do filme de 1993) só aumentou.

O quão fascinante era acompanhar Sam Neill e Laura Dern, ao som da épica trilha sonora de John Williams, lutando para sobreviver em um hábitat adaptado para criaturas de 65 milhões de anos (no mínimo) conviverem com seres humanos? Isso sem falar no cômico e inteligentíssimo personagem de Jeff Goldblum, que é capaz de prever, pela teoria do caos, o desastre a que o Parque dos Dinossauros está fadado desde sua idealização. E, também, não esqueçamos dos grandes antagonistas do filme: o enorme Tiranossauro que, em uma das cenas mais clássicas da produção, tenta devorar as crianças presas em um carro turístico, e os icônicos Velociraptors, é claro; perseguindo as mesmas crianças na cozinha do Centro de Visitantes, ao final do filme.

‘Jurassic Park’ / Divulgação

Discutir os tantos pontos importantes de Jurassic, seja no âmbito cinematográfico ou científico, mereceria um texto à parte, de tão rica que a produção dos anos 90 é. O mais chocante, na época, foi assistir a dinossauros extremamente realistas, andando, caçando, se comunicando e até mesmo reproduzindo sons – sons (!), que nem mesmo ousamos imaginar como teriam sido na realidade. Inclusive, por sua edição e mixagem de som, o longa faturou dois prêmios Oscar, sem contar o de Efeitos Visuais.

Toda a bela e bem executada narrativa da superprodução fez tanto sucesso que a Universal Studios lançou mais dois filmes, com intervalos curtos de tempo – O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997) e Jurassic Park III (2001). O segundo longa-metragem, também dirigido por Spielberg, naturalmente, não fez tanto sucesso quanto o primeiro, ou cumpriu bem seu papel de continuação. Quanto ao filme que fecha a trilogia original (com direção de Joe Johnston), por ser um inesperado compilado de cenas dos dois livros da série (Jurassic Park e O Mundo Perdido) que foram excluídas das adaptações anteriores, também não foi bem-sucedido – mesmo com Sam Neill de volta. Ainda assim, é possível dizer que parte da ficção científica da produção original manteve-se nas duas seguintes.

‘O Mundo Perdido: Jurassic Park’ / Divulgação

AS DEFINIÇÕES DE MONSTRO DE ESTIMAÇÃO FORAM ATUALIZADAS

Tudo isso foi completamente ignorado quando Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros, o filme que muitos pediram, mas poucos esperavam, estreou nos cinemas em 2015. Dirigido por Colin Trevorrow, e tendo aprovação consideravelmente maior de crítica e de público do que as do segundo e terceiro longas, a última continuação lançada contradiz toda a proposta do filme original. Os motivos? Inúmeros.

Comecemos pela simplificação do contexto social. Enquanto Jurassic Park trata de bioética – afinal, por que raios o visionário John Hammond (Richard Attenborough) teria decidido clonar dinossauros, ao invés de, por exemplo, investir em um projeto igualmente rentável e menos custoso, ou antiético? –, Jurassic World, apesar de reforçar a ideia de que o ser humano é ambicioso em quaisquer circunstâncias (já que o parque é, neste filme, finalmente inaugurado e modernizado), não explora evoluções tecnológicas ou teorias condizentes com a realidade. Portanto, como podemos afirmar que World é, realmente, uma ficção científica?

A trama principal gira em torno de uma nova espécie de dinossauro, cujo código genético fora criado inteiramente em laboratório, sem respeitar qualquer processo natural e, muito menos, visando apenas recriar espécies dos animais extintos. Tanto trabalho é consequência da ambição dos investidores, que desejam criar um bicho ainda mais assustador para o público do parque. Ou seja, como se não bastasse toda a explicação científica do porquê a ideia de clonar dinossauros é totalmente antiética e desnecessária – ou, ainda pior, com o intuito de patenteá-los e comercializá-los –, o novo parque é ainda mais dependente de automação do que o primeiro.

‘Jurassic World’ / Divulgação

Para quem não se lembra, a teoria do caos de Ian Malcolm (Goldblum), no primeiro filme, se confirma em forma de queda de energia. Isso significa que, graças à dependência do sistema operacional do Parque dos Dinossauros à tecnologia de ponta lá empregada – incluindo a parte que diz respeito à segurança dos animais e humanos –, uma crise central desencadearia no descontrole de tudo, incluindo dos dinossauros mais perigosos. E é exatamente isso que acontece. Mas, em Jurassic World, parece que os cientistas não aprenderam absolutamente nada com os eventos passados, que desencadearam dezenas de mortes antes mesmo de o parque ser inaugurado.

Como se isso não bastasse, por que não “brincar de deus” mais um pouco e “inventar” um novo monstro de estimação? Em World, a ambição humana é, sim, injustificável – pelo menos, dentro do complexo universo da série. Um dos maiores absurdos do longa, por exemplo, são as “galinhas em forma de raptor“, ou melhor, os raptors domesticados.

Quem diria que a espécie mais inteligente e voraz recriada no parque, com instintos de caça reprimidos em milhões de anos, seria passível de domesticação, não é mesmo? Sabe aqueles raptors assustadores, que protagonizam uma das cenas mais tensas da história do cinema em 93? Então, agora, eles têm nome próprio e ajudam, conscientemente, o Chris Pratt a salvar a galera. Seja por “inovações genéticas” ou modos alternativos de criação, isso é tão forçado que chega a ser desrespeitoso com o espectador.

A ÚLTIMA PÁ DE COVA EM CIMA DO ‘PARQUE’

Por falar em Chris Pratt, isso nos leva ao elenco de World; ao duvidoso elenco do filme. Além do ator mencionado, Bryce Dallas Howard foi escalada para viver o oposto de tudo que a paleobotânica Ellie Sattler (Dern) representa em Park. Nele, Ellie é uma profissional de competência inquestionável, forte, gentil e que nos contempla com diálogos explicitamente feministas. Já a personagem de Howard, Claire Dearing, diretora do complexo, é uma personagem exagerada e chata, que corre de salto alto e cujo drama pessoal consiste no ideal sexista de que uma “mulher completa” é aquela que exibe seus instintos maternos. Que mal vos pergunte, roteiristas, mas o quanto de esforço fora necessário para chegar nessa história? Aparentemente, não muito.

Há, no entanto, algumas referências ao primeiro longa que são, sim, pertinentes – como a aparição dos carros abandonados do tour que Alan Grant (Neill) e os demais visitantes fizeram no original, ou a dinâmica de “contemplação vs. caos” da narração de ambos os filmes. Mesmo assim, World não consegue fazer jus a sequer um décimo da produção dos anos 90. E, o mais preocupante disso tudo é que, em junho deste ano, a Universal vai lançar a continuação do quarto filme: Jurassic World: Reino Ameaçado. Afinal, já que a série rende bilheteria, não há porque não fazer mais filmes, não é mesmo? Pois é.

(Confira o trailer abaixo e, depois disso tudo, tire suas próprias conclusões):

Quase posso ouvir meu “eu” de uns oito anos chorar internamente – ainda que alegre com o retorno de Jeff Goldblum à franquia. O problema nesta nova continuação não é, na verdade, o fato de ela existir, mas, sim, será, se continuar com uma história de tão mau gosto como a de 2015. Esperemos para ver. Se você gosta de filmes de ação com efeitos especiais de alta qualidade, é evidente que pode curtir e se emocionar com as duas partes de Jurassic World. E, é válido frisar, que não há absolutamente nada de errado com isso.

Caso contrário, é inegável que toda a premissa da trama original foi ignorada e totalmente negligenciada na mais recente. De qualquer forma, nós, espectadores, merecemos filmes de ação com roteiros legais, bem elaborados e que, pelo menos, sejam honestos ao aderir ao tom de galhofa. E isso serve para qualquer tipo de produção, da mais absurda (como a série de filmes trash Sharknado) à mais séria (como a ficção científica A Chegada, de 2016). Por ora, fico com a má impressão do trailer de Reino Ameaçado, e, ao mesmo tempo, ansiando por uma continuação digna de Jurassic Park – já que tais continuações, provavelmente, não encerrarão a franquia tão cedo. Até lá, quem sabe.

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