A fórmula básica do gênero policial já é velha conhecida do público e amplamente explorada por filmes e séries. Nela, um crime acontece, policiais aparecem para investigar e daí começa a dinâmica do gato e do rato. Só nos últimos meses a Netflix investiu na distribuição de inúmeras séries policiais, de diferentes países. Todas muito semelhantes entre si, todas pertencentes a uma espécie de zona de conforto do gênero.
Subverter o lugar comum de um dos gêneros mais universais que existem é como apostar na loteria. Pode ser que dê muito certo, pode ser que cause estranhamento. Mas Culpa, filme dinamarquês de Gustav Möller, semifinalista na corrida pelo Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro, definitivamente é um caso de sucesso.
Rompendo com qualquer expectativa em relação ao formato tradicional de tramas policiais, Culpa abre mão de cenas de ação e concentra-se num único personagem, preso a um único ambiente. O longa teria tudo para ser monótono, mas é dos filmes mais frenéticos e desafiadores do ano.
O policial Asger Holm (Jakob Cedergren) é o protagonista desta produção nórdica. Afastado do trabalho nas ruas por problemas que a princípio desconhecemos, Asger é realojado na central de emergências da polícia. Ali, o homem passa horas atendendo telefonemas de denúncias ou pedidos de socorro e distribuindo os casos que recebe para as delegacias responsáveis.
Certa noite, faltando pouco tempo para o final de seu expediente, Asger recebe uma ligação estranha. Em alguns minutos ele descobre que uma mulher, Iben, está sequestrada pelo ex-marido Michael e que seus dois filhos pequenos foram deixados sozinhos em casa. Por algum motivo, o policial sente-se atraído pessoalmente pelo caso e não consegue simplesmente transferi-lo para os setores responsáveis.
Pelo telefone e sem sair de sua sala de trabalho, Asger começa a mover céus e terra para tentar ajudar a mulher. Aos poucos, a investigação se aprofunda e revelações inesperadas vêm à tona. Seria esse um caso “comum” de violência de gênero?
O grande mérito de Culpa é saber ser envolvente. Somos colocados no mesmo barco do protagonista. Sabemos o que ele sabe, ouvimos o que ele ouve, desconhecemos o que ele desconhece e, quando algo o surpreende, somos pegos de surpresa também. É como se nos fosse dada a oportunidade de estarmos, de alguma forma, investigando o caso.
Em seu primeiro trabalho como diretor, Gustav Möller consegue misturar elementos policiais e de suspense com êxito, criando uma atmosfera vertiginosa tanto para seu protagonista quanto para o público. Sentimos tudo que Asger sente. Sentimos sua vontade de resolver o caso, sua revolta com o sistema burocrático da polícia, sentimos o pesar de sua impotência e sua frustração. Sentimos uma necessidade avassaladora de chegar ao final, sem deixar de desfrutar do percurso.
O trabalho de Jakob Cedergren também é impressionante. Interagindo com o mundo exterior somente por meio de um telefone – e muito pouco com os colegas de trabalho coadjuvantes – , o ator transmite as mais variadas sensações de forma precisa, garantindo o engajamento do público com a missão de seu personagem.
Culpa pertence a um dos gêneros mais populares do cinema, mas surpreende por demonstrar que sabe exatamente que elementos das fórmulas tradicionais movimentar (ou subverter) para ser uma obra original e fascinante. Assim, sua trajetória rumo ao Oscar está mais do que justificada.
Assista ao trailer:
(Fonte: Califórnia Filmes / YouTube)
*Este texto faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
** Culpa estreia dia 27/12 em circuito comercial brasileiro.
Ficha técnica
Direção: Gustav Möller
Duração: 1h28
País: Dinamarca
Ano: 2018
Elenco: Jakob Cedergren, Jakob Ulrik Lohmann, Laura Bro
Gênero: Suspense
Distribuição: Vitrine Filmes
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