A Teoria dos Vidros Quebrados: uma anedota uruguaia sobre conduta humana

Claudio Tapia (Martin Slipak) é um ambicioso corretor de seguros que está em ascensão na carreira e acaba de ser promovido a perito. O novo cargo deixa Claudio responsável pelos segurados de uma pequena cidade na fronteira do Uruguai com o Brasil, a fictícia região 15, e exige que ele saia de Montevidéu por alguns dias para conhecer o escritório local. Mas, após sua chegada, vários carros começam a aparecer incendiados durante a noite. Então, enquanto administra a distância uma crise em seu casamento, Claudio deverá resolver o mistério da onda de incêndios para manter o emprego. Encarregado da conturbada tarefa de fazer a perícia dos automóveis destruídos dos clientes da Santa Marta Seguros, o protagonista de A Teoria dos Vidros Quebrados (La Teoría de los Vidrios Rotos), filme representante do Uruguai no Oscar 2022, rapidamente se dá conta de que receber a tal promoção pode não ter sido tão vantajoso assim.

Imagem: divulgação

Coproduzido por Uruguai, Brasil e Argentina, o longa, uma comédia de costumes dirigida por Diego Parker Fernández, tem como base do roteiro um experimento de psicologia social chamado de “Teoria dos Vidros Quebrados” (ou Teoria das Janelas Quebradas), que diz basicamente que a desordem gera desordem. Depois de iniciada uma ação de violência, como quebrar o vidro de um carro, e não havendo reparo rápido do que ficou danificado, é desencadeado um processo interno nos indivíduos que os leva a vandalizarem o objeto em questão até a destruição, não importando o nível social ou econômico do local onde estão inseridos.

Fernández tomou essa teoria como inspiração para conceber o longa, somada a uma série de eventos ocorridos em 2008, quando mais de 20 carros foram incendiados na cidade de Melo – região fronteiriça entre Uruguai e Brasil.

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CLAUDIO TAPIA

Um anti-herói almofadinha e forasteiro corre contra o tempo numa cidade cheia de gente irritada para descobrir quem está por trás das carcaças de carros consumidos pelo fogo que avançam sobre a paisagem, espalham a desordem, tornam sua estadia na região enlouquecedora e colocam em risco seu emprego. Essa seria uma boa sinopse de filme da Sessão da Tarde, e é uma boa apresentação para a anedota criada por Fernández; uma anedota sobre a conduta humana. 

Martín Slipak é Claudio Tapia/ Divulgação

Mais hábil em lidar com papelada do que com gente, Claudio é considerado não muito bem-vindo pela comunidade da região 15, já acostumada ao corretor anterior, agora aposentado. As coisas pioram, claro, conforme a quantidade de carros incendiados aumenta. A partir daí, o protagonista passa a ser pressionado pelos clientes (incluindo o delegado e um influente latifundiário candidato a deputado da cidade), que exigem a liberação imediata dos pagamentos dos seguros dos carros danificados, rejeitando completamente o tempo das burocracias; pelo chefe, revoltado com a possibilidade de ter que liberar dinheiro para tanta gente de uma só vez; e por seu próprio ego, determinado a se provar capaz de lidar com a situação (e com todas aquelas pessoas caóticas ao seu redor).

É assim, sob a perspectiva de um sujeito à beira de um ataque de nervos, numa trama ágil, intrigantemente cômica, caricata e muito digna da Sessão da Tarde, que A Teoria dos Vidros Quebrados usa o mistério dos incêndios dos carros como gatilho para revelar os contornos e as sombras das condutas de seus personagens.

A JORNADA DO ANTI-HERÓI

Sabemos desde o início quem são os incendiários – ou pelo menos temos uma ideia parcial a respeito. Por isso, para a progressão da trama, o que mais importa é a jornada de desventuras e apuros de Claudia Tapia, que parte de dentro do ambiente competitivo e burocrático da Santa Marta Seguros, em Montevidéu, para uma pequena cidade fronteiriça, composta por um grupo social muito típico das cidades pequenas rurais de nosso continente, e que vive suas próprias dinâmicas. Ali, as relações ditam muito do andamento das coisas, e Claudio não é muito bom no quesito relações – nem de perceber com facilidade que nem tudo é (só) o que aparenta ser.

Sem saber dançar conforme a música do lugar onde foi parar, o protagonista, viciado em “vestir a camisa da empresa”, é acometido por devaneios oníricos que desafiam seu ego, participa de perseguições de bicicletas e ganha para si até uma “trilha sonora narradora”, interpretada pelo apresentador televisivo Humberto de Vargas.

Vem dessa inadequação de Claudio, um típico homem branco financeiramente estável e cria de escritórios (praticamente um “Faria Limer”), a graça do filme. À medida que sua autoestima de funcionário modelo vai desvanecendo e suas expectativas sobre o novo cargo são completamente frustradas, ele desiste de fingir (para si e para os outros) querer se integrar. O que interessa é descobrir se os seguros devem ser pagos, fazer nome na empresa e voltar para casa. Esse pragmatismo, sustentado no meio da desordem, no limite do desespero, atravessado por tantas personalidades que são completamente estranhas à realidade cotidiana do protagonista, é que torna o filme tão divertido de assistir. 

A Teoria dos Vidros Quebrados venceu os prêmios de Melhor Filme e Melhor Filme Júri Popular na mostra Longas-metragens Estrangeiros do Festival de Gramado em 2021.

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Leia também: “[Entrevista] Estrela e diretor de Outra História do Mundo, o representante do Uruguai no Oscar, comentam sobre o filme e o cinema latino”

Ficha Técnica:

Direção: Diego “Parker” Fernández

Duração: 1h20

País: Uruguai

Ano: 2021

Elenco: Martin Slipak, César Troncoso, Robert Moré, Roberto Birindelli, Jenny Galvan, Jorge Temponi, Guillermo Arengo, Christian Font, Carlos Frasca, Lucio Hernández, Lourdes Kauffmann, Verónica Perrotta, Josefina Trias

Gênero: Comédia

Distribuição: Okna

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