Em Depois do Fim dos Tempos, filme alemão dirigido por Carolina Hellsgård e roteirizado por Olivia Vieweg, a espécie humana, como a conhecemos, entrou em extinção. Uma praga transformou humanos em zumbis; e estes, por sua vez, atacaram mais gente e espalharam o vírus.
Dois anos depois do início do fim, os poucos sobreviventes do apocalipse se reorganizaram nas cidades alemãs de Weimar e Jena, passando a viver em constante estado de alerta, isolados e sob forte aparato de proteção contra os mortos-vivos que esperam atrás das cercas pela oportunidade de conseguir carne humana fresca.
Somos informados por letreiros, logo no início do longa-metragem, que, em Weimar, qualquer indivíduo atacado por zumbis é imediatamente morto pela segurança local, para evitar sua transformação. Já em Jena, busca-se tratamento para os contaminados.
Insatisfeitas com a estratégia de segurança bárbara de Weimar, Vivi (Gro Swantje Kohlhof) e Eva (Maja Lehrer) decidem tentar fugir para Jena. No caminho entre uma cidade e outra, além de escapar de inúmeros e perigosos seres vagantes, as duas jovens se deparam com paisagens “pós-humanas”: cenários onde a interferência humana não atua há muito tempo; lugares onde fauna e flora, agora não mais exploradas, se restabeleceram.
Fora das grades “civilizatórias” de Weimar e Jena, até mesmo os zumbis passam por um processo de reintegração aos cursos da natureza.
INTENÇÃO E RESULTADO
O formato de “apocalipse zumbi” adotado por Depois do Fim dos Tempos é bastante batido. A existência humana é posta em xeque e, então, passamos a acompanhar a jornada de sobrevivência de duas personagens: uma muito durona e outra frágil. Por isso, o que realmente chama atenção na obra é a utilização de elementos do horror para transmitir uma mensagem ecológica sobre o impacto catastrófico do atual modo de vida humano no ambiente. Uma ideia de fato muito boa, mas que termina em si mesma.
Apesar das competentes cenas de ação, de alguns bons momentos de susto e da construção de uma imagem muito própria de “zumbi naturalista”, o filme não exercita com consistência sua concepção de universo. Primeiro, porque Jena e Weimar são quase nada apresentadas ao espectador. Depois, porque às vezes o texto sugere bons caminhos , mas sem nunca chegar a algo concreto.
Ele dá a entender, por exemplo, que o apocalipse zumbi não simbolizaria uma “vingança da natureza”, mas, sim, um meio encontrado por ela para que a humanidade retorne a um estado primitivo de vida e, aos poucos, passe a ser reintegrada às dinâmicas do planeta sem representar uma ameaça a ele.
Tal mensagem aparece didática e superficialmente jogada pelas falas das personagens. E embora o tempo todo atribua a derrocada da humanidade a sua incapacidade de coexistir com o restante da natureza em harmonia e solidariedade, o filme nunca nos mostra objetivamente que tipo de futuro para os humanos almeja projetar.
É constante a sensação de que Depois do Fim dos Tempos tem muito a dizer, mas não consegue achar uma boa forma de dar conta de sua própria premissa. Como consequência, o desenvolvimento da ideia fica limitado por facilitações narrativas, pontas soltas, lugares comuns e dramas pessoais que pouco servem ao arco principal.
PROTAGONISMO FEMININO
Certamente teria sido gratificante ver uma produção apocalíptica realizada por mulheres, na frente e atrás das câmeras, arriscar imaginar um mundo – ou sociedade – pós-zumbis; um mundo baseado em outros valores, como o filme chega a insinuar vagamente em algumas ocasiões.
O problema é que Depois do Fim dos Tempos não ousa ultrapassar a barreira do previsível e perde a oportunidade de ser potente e transformador. Ao final, sequer identificamos com clareza se o filme aposta no fim da humanidade como algo imprescindível ao prosseguir do equilíbrio da natureza ou se ele nos indica, a partir de um momento de ruptura, a necessidade de outro modo da organização da vida humana.
É bastante positivo poder ver um filme de gênero como este ser conduzido por mulheres. Por outro lado, não deixa de ser frustrante perceber que a união de tantas mulheres não resultou em nenhuma outra realidade imaginada.
Em resumo, com Depois do Fim dos Tempos chegamos perto de apreciar uma história de zumbis essencialmente feminina, afirmativa e radical, mas esbarramos numa história de fim do mundo absolutamente apegada a reciclar o que já fora feito antes, usando o verniz da temática ecológica para dizer que estamos nos matando e que a natureza seguirá com ou sem a nossa presença. Disso já sabemos.
*Este texto faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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Ficha Técnica:
Direção: Carolina Hellsgård
Duração: 1h30
País: Alemanha
Ano: 2018
Elenco: Gro Swantje Kohlhof, Maja Lehrer
Gênero: Drama
Distribuição: ainda sem distribuidora no Brasil
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