[Estreia] Além do Homem, com Sérgio Guizé, aproveita-se de um Brasil estereotipado

Uma terra quente como o fogo, com vegetação tropical, mulheres sedutoras e malandros bem-humorados. Baseando sua narrativa em cima de uma fotografia colorida e nos elementos descritos, Além do Homem, com Sérgio Guizé, estreou nos cinemas na última quinta-feira (28).

Dirigido por Willy Biondani e, além de Guizé, estrelado por Fabrício Boliveira e Débora Nascimento, o longa-metragem aproveita-se de símbolos da Primeira Geração Romântica (da literatura) para sua composição – na qual o nacionalismo-indianismo buscava uma identidade nacional genuína. Paisagens naturais e paradisíacas, animais exóticos e seres humanos animados, e mal-intencionados, lembram-nos de romances como Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Macunaíma, de Mário de Andrade; ambos protagonizados pela figura do anti-herói brasileiro.

Alberto Luppo / Divulgação

Alberto Luppo (Guizé) é um tanto como o Leonardinho de Sargento de Milícias, mas em uma versão afrancesada e mais fresca. No filme, quando o jovem escritor, que há anos vive em Paris, tem de retornar ao Brasil à trabalho, ele é gradualmente envolvido pela atmosfera alegórica e arquetípica de sua terra natal.

Inicialmente, vemos Alberto como um homem individualista e eurocêntrico, que desvaloriza completamente a cultura popular brasileira. Já quando chega no Brasil, o protagonista faz questão de demonstrar toda a sua arrogância e opinião a respeito do povo nativo. E esse comportamento problemático do escritor jamais se modifica ao longo da história.

O primeiro personagem que Alberto encontra em seu país é um taxista “com ares de Macunaíma”, chamado Tião (Boliveira). A sensualidade e a sexualidade desta figura são características essenciais de sua personalidade. Durante boa parte do longa, Alberto procura por Tião nos arredores do albergue em que se hospeda; o que chega a ser até mesmo um pouco cansativo, em termos narrativos. A impressão que dá é a de que o taxista é uma figura folclórica, tal como o saci-pererê, que se esconde de forasteiros e os engana o tempo inteiro.

Alberto e Tião / Divulgação

Seguindo essa linha, os demais personagens, como a hipersexualizada e mística Bethânia (Nascimento), e a fogosa Rosalinda (Flávia Garrafa), apresentam-nos pessoas altamente estereotipadas, e refletem uma clara intenção do diretor: a de valorizar todo o lado cultural brasileiro que se assemelhe a esse tipo de representação artística.

O tiro, no entanto, sai pela culatra, uma vez que, em pleno 2018, tais representações de gênero (através de mulheres magras, com quadris largos e seios grandes, e, principalmente, negras), está bastante defasada – e com motivos, diga-se de passagem. Não há como sentir empatia ou encantamento pela história de Alberto, se o enxergamos como um personagem machista e, de certo modo, xenofóbico. E, infelizmente, tal pensamento é inevitável a quem assiste ao filme com um olhar um pouco mais crítico.

Alberto e Bethânia / Divulgação

É importante ressaltar que toda a composição dos cenários brasileiros, como se tudo aqui fosse exótico e maravilhoso – até mesmo a parte que explora a “malandragem” de nosso povo –, e não somente seu lado sexista, contribui para que vejamos Além do Homem com olhos de mau julgamento. Não é assim que a população nacional gosta de ter sua cultura e hábitos representados, no geral.

É claro que, para um estrangeiro, por exemplo, o filme pode ser mesmo fascinante. Entretanto, por termos plena consciência, aqui, de que o Brasil é visto apenas como um local exótico, sem memória e muito pouco sério, podemos facilmente sentir um forte incômodo. A antropofagia presente no enredo do antropólogo francês Marcel Lefavre (Pierre Richard), que desaparece em nossas terras e, por isso, provoca a vinda de Alberto para cá, é um tipo de alegoria que já não mais faz sentido. Isso, porque precisamos valorizar a cultura indígena de forma minimamente realista e atualizada.

Enquanto que as comunidades e grupos socialmente desvalorizados de Além do Homem servem para nos entreter, a hipocrisia política da produção permeia por toda a sua duração. Por mais interessante que seja assistir a um filme nacional que retrate a nossa identidade coletiva – e que porte grande beleza visual –, seus tantos problemas quanto à representação cultural impedem que a nossa experiência tenha um saldo positivo.

 

Ficha técnica

Ano: 2018

Duração: 1h32

Direção: Willy Biondani

Elenco: Sérgio Guizé, Débora Nascimento, Fabrício Boliveira, Otávio Augusto

Gênero: Drama

Distribuição: Imagem Filmes

País: Brasil

 

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