Foi em 2017 que uma sequência de tweets de Eduardo Hanzo viralizou na internet. Nela, o rapaz compartilhava alguns “causos” sobre a contínua e conturbada história de rivalidade entre sua avó e a vizinha, apelidada Boi. As duas senhoras viveram desde muito pequenas na mesma rua, morando uma de frente para a outra. Seus atritos percorreram décadas, ganharam o Twitter e, neste ano, serviram de premissa para Eu, a Vó e a Boi, uma série original Globoplay.
Escrita e dirigida por Miguel Falabella, a produção recupera algumas das anedotas contadas por Hanzo no Twitter e toma a liberdade de desenvolver todo um contexto familiar para as protagonistas Vó (Arlete Salles) e Boi (Vera Holtz). Aqui, entretanto, o narrador não é Hanzo, mas Roblou (Daniel Rangel), neto em comum das duas mulheres.
A BANALIZAÇÃO DO EXAGERO
Cheia de picuinhas e passagens no mínimo inusitadas, a relação entre as inimigas tinha tudo para render uma ótima série de comédia. Os problemas da adaptação começam, porém, quando todo o universo das personagens (família e comunidade) é transformado numa imensa massa homogênea de bizarrice, reduzindo a rivalidade das protagonistas a apenas mais um dos tantos elementos nonsense que vemos em tela.
Todos os personagens atravessam os limites da caricatura humorística e adentram a esfera do despropósito. Nesse cenário, Arlete Salles, Vera Holtz e Daniel Rangel fazem o que podem com um texto que tem muito pouco a oferecer. Suas melhores cenas são as que derivam totalmente da história original contada no Twitter; e essas, infelizmente, são pontuais e breves. Já aos demais personagens restam somente arcos fraquíssimos e nada verossimilhantes.
É assim que a história de Hanzo, aquela que conquistou a afeição de milhares de pessoas nas redes sociais, acaba soterrada por uma sucessão de situações rocambolescas que pouco privilegiam a Vó, a Boi ou a própria série. No meio de tanto exagero, perde-se a essência original. Talvez tivesse sido mais proveitoso retratar a guerra entre rivais em um ambiente comum de bairro de classe média baixa; de modo a serem elas as únicas agentes do caos.
TODO UM POTENCIAL DESPERDIÇADO
Visivelmente falta traquejo na concepção da hostilidade cômica e deplorável das protagonistas que se odeiam; além disso, a produção não apresenta fluidez narrativa alguma entre um acontecimento e outro. Como resultado, assistimos a uma série cujo texto precisa fazer esforços frequentes e tediosos para nos contar como as duas adversárias são escandalosamente inescrupulosas, focadas e dispostas a brigar. O que também acontece porque, na prática, os enfrentamentos entre elas pouco comunicam; são repetitivos e artificiais.
Há ainda um humor bastante duvidoso, que tenta dialogar com temas atuais pela via do “politicamente incorreto desconstruído” e não chega a lugar nenhum; além de uma obsessão não justificada em introduzir diversas referências de internet na trama (como vídeos de slime), forçando modernidade numa história que nada depende desse tipo de marcação temporal.
Como se não bastasse, as implicâncias e provocações, que deveriam ser centrais, acabam atropeladas por romances insossos, cenas de ação grotescas, alegorias óbvias demais, momentos de suspense e crimes de assassinato. Tudo embaraçosamente descabido e dispensável. E, para arrematar, a cena final da série pretende deixar uma lição de moral sobre os perigos do ódio no Brasil contemporâneo; algo que nada tem a ver com a rixa de vizinhas e que não é abordado em nenhum outro momento dos seis episódios da temporada.
No fim, de dinâmica, descontraída ou positivamente absurda Eu, a Vó e a Boi tem muito pouco. Resta, então, uma série atrapalhada, originada de uma boa história desperdiçada.
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Trailer:
Ficha técnica
Direção: Miguel Falabella
País: Brasil
Ano: 2019
Elenco: Vera Holtz, Arlete Salles, Marco Luque, Daniel Rangel, Danielle Winits
Gênero: Comédia, Drama
Distribuição: Globoplay
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