Carlos Eduardo Robledo Puch ficou conhecido na Argentina do início dos anos 1970. Tornou-se um fenômeno midiático do país quando a imprensa revelou publicamente sua identidade de assassino em série, ladrão e criminoso sexual. Com menos de 20 anos de idade, cachos loiros, pele clara e lábios rosados, Carlos foi apelidado de “O Anjo da Morte”. Baseado nessa história popular argentina nasce O Anjo, filme de Luis Ortega.
Em O Anjo, o diretor se concentra em explorar a ilusória contradição que existe entre a aparência física do protagonista e os crimes por ele cometidos. O racismo e o preconceito de classe impregnados nas sociedades do mundo todo levam a opinião popular a acreditar que gente branca, loira e com determinado padrão de vida seria incapaz de cometer barbaridades. Carlos é a prova de que essa crença não é verdade, e Ortega usa e abusa de elementos cinematográficos para dar potência à sua narrativa envolvente, perversamente humorada, violenta e repleta de tensão sexual.
Lorenzo Ferro dá vida a Carlos de forma brilhante. Além de encarnar um jovem criminoso, e angelical por conta de uma aparência socialmente venerada, o ator também confere frieza e banalidade necessárias para dar o clima desejado à trama, apresentando um personagem manipulador e essencialmente diferente do que seria esperado de seu exterior.
Carlos é um jovem “problemático”, filho de uma família de classe média argentina; superprotegido pela mãe (Cecilia Roth) e desacreditado pelo pai (Luis Gnecco), que já cansou de lhe dar novas oportunidades para que “tomasse jeito na vida”. Carismático, o garoto aproveita de seus cachos dourados, de sua popularidade e de seu magnetismo para cometer furtos por esporte, simplesmente porque infla seu ego e parece lhe proporcionar adrenalina.
Depois de trocar de escola várias vezes por mal comportamento – comportamentos que o filme não deixa claro quais foram -, Carlitos (para os íntimos) conhece Ramón (Chino Darín), aluno de sua nova turma. Depois de primeiros contatos violentos e aleatórios, os dois formam uma relação de parceria e convivência.
Não demora muito para que Ramón apresente sua família de criminosos a Carlos, que, por sua vez, passa a assaltar “profissionalmente” com eles. A partir daí, acompanhamos significativas mudanças no personagem. Se antes o protagonista roubava impulsivamente “por hobbie”, agora seus crimes são mais ambiciosos, e há nele um desejo incontrolável de impressionar, de tornar-se insubstituível.
As ações de Carlos denunciam que sua personalidade e seus comportamentos são disfuncionais e doentios, assim como sua visão sobre relacionamentos – de qualquer tipo. Luis Ortega monta um excelente contraponto ao construir a narrativa entre a vida que o rapaz nada angelical leva em casa, junto da crescente preocupação dos pais, com a vida de crimes que ele orquestra do portão para fora e que o conduz até sua derrocada.
A ausência de foco nas motivações iniciais do protagonista, seu contexto de vida até o momento em que começou a praticar furtos, pode incomodar um pouco, afinal, esse é um personagem baseado numa pessoa real. A história de Carlos faz parte do imaginário popular dos argentinos, mas para nós sua jornada não é assim tão próxima. É normal, então, que surjam curiosidades.
Por outro lado, essa falta de informações extras confere um certo ar mítico e espetacular ao personagem, o que contribui para o recorte escolhido pelo diretor, e de jeito nenhum ofusca a ambientação setentista excepcional, o elenco estelar composto por grandes nomes do cinema argentino e a trilha sonora, quase uma personagem à parte, inesquecível e muito bem conduzida.
Além disso tudo, o filme, escolhido pela Argentina para tentar uma indicação ao Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro, conta com produção dos irmãos Almodóvar – os mesmos que produziram o excelente O Clã, do diretor Pablo Trapero. Assim, não seria exagero dizer que O Anjo é uma produção argentina da melhor qualidade. Não deixe de assistir nos cinemas.
*Este texto faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
**O Anjo passou pela programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e agora está disponível para compra e aluguel nas plataformas digitais.
Ficha técnica
Direção: Luis Ortega
Duração: 2h
País: Argentina, Espanha
Ano: 2019
Elenco: Lorenzo Ferro, Chino Darín, Daniel Fanego, Mercedes Morán, Cecilia Roth, Peter Lanzani
Gênero: Drama, Biografia
Distribuição: Fox Film do Brasil
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