O Farol: isolamento, opressão e masculinidade

Pouco expositivo e nada óbvio, é assim que O Farol, novo Terror em preto e branco de Robert Eggers (A Bruxa), pode ser descrito. Estrelado por Willem Dafoe (Projeto Flórida) e Robert Pattinson (Cosmópolis), o filme que estreou no último dia 02 (janeiro) nos cinemas está indicado ao Oscar de Melhor Fotografia deste ano.

Regado de simbolismos mitológicos e referências às artes plásticas, a obra de Eggers foge do Terror convencional e impressiona pela crueza proposta pelo roteiro. Sereias, animais amaldiçoados e um farol quase personificado – que foi construído do zero para o longa-metragem – compõem uma história que parece contada por marinheiros. Ademais disso, a atmosfera intrigante e desconfortável é mérito não somente da equipe de alto nível de Eggers, com destaque para a direção de fotografia de Jarin Blaschke, como das atuações magistrais da dupla de protagonistas.

Imagem: divulgação

No fim do século XIX, o faroleiro Thomas Wake (Dafoe) e o recém-contratado Ephraim Winslow (Pattinson) cuidam das tarefas diárias da isolada ilha de um farol. Misteriosa, a cabine luminosa da torre tem acesso restrito apenas a Wake – o que desperta uma curiosidade mórbida em Winslow. Diante dessa hierarquia, ambos os personagens alimentam uma relação de revanchismo que torna-se cada vez mais patológica, à medida em que o estoque de alimentos acaba e a abstinência sexual acentua-se.

Aos poucos, Winslow começa a perder a noção do tempo. Wake dissera-lhe que o barco de resgate retornaria em uma semana. Mas, teriam, realmente, passado tantos dias? Ou, ao contrário disso, os personagens estariam presos em uma espécie de vórtice temporal da ilha? Neste caso, dias, horas e segundos sequer fazem diferença; o que significa que o único elemento mundano importante à narrativa está na precariedade tecnológica do fim do século retrasado – com ênfase na sofrida classe proletária.

Convidativo e complexo

Isolados de praticamente qualquer resquício de civilização, os faroleiros contam cada grão de comida, gole de álcool e lampejo de sanidade; a qual, esta última, encontra-se comprometida desde sempre – se considerar-se as condições degradantes de trabalho ainda no continente.

Da pouca contextualização temporal, o diretor de O Farol também optou pela filmagem cinematográfica em 35 milímetros – formato surgido na mesma época em que o filme se passa. Já a fotografia do longa-metragem, segundo Eggers, não teria como fugir de uma composição em preto e branco.

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“Para um ator, o mundo que o Robert Eggers criou ­­– [a partir do] roteiro, o design, a parte visual e a linguagem do filme – é algo muito preciso.” – Willem Dafoe

“Para captar o estilo de vida e o mundo austero de O Farol, preto e branco era a única opção. Cores não ajudariam em nada. (…) Então, a melhor forma de conseguir a textura foi filmar em preto e branco, a partir de um negativo de 35mm. (…) Também usamos lentes dos anos 1930, algumas até de 1905, que têm algumas características muito bonitas em contraste à dureza da atmosfera do filme”, conta o diretor, em coletiva de imprensa em São Paulo (SP).

Tudo isso influencia a imagem gótica e, em muitos quadros ou cenas, surrealista da produção. “Para um ator, o mundo que o Robert Eggers criou ­­– [a partir do] roteiro, o design, a parte visual e a linguagem do filme – é algo muito preciso. É uma precisão que eu percebi quando assisti ao outro filme dele, A Bruxa, e que me fez ter o interesse de contatá-lo e dizer que gostaria de trabalhar com ele. Para um ator, quando esse mundo já está completo, articulado, claro, convidativo e complexo, você entra [no trabalho em questão] e coisas acontecem”, elogia Dafoe.

Arquétipos masculinos

Em um universo onde habitam apenas homens ultramasculinos e heteronormativos, é natural que a repressão de sua sexualidade culmine em depravação. Dessa forma, o próprio farol não escapa da representação falocêntrica proposta pela obra; tal como a obsessão de Winslow pela figura lendária e simbólica da hipersexualização feminina, a sereia, também contribui para a concepção de masculinidade do longa-metragem.

Além do que, quais contextos seriam mais masculinizados do que o isolamento total de dois brutos e solitários homens? Os longos diálogos entre Wake e Winslow, os monólogos egocêntricos do primeiro e os trabalhos braçais de ambos denotam o espectro viril e doentio no qual se encontram.

Consequentemente, tanta bestialidade só poderia vir associada à opressão de gênero – que, mesmo que pontual dentro da ficção, ultrapassa as telas de cinema e atinge, propositalmente, as mulheres deste século. Portanto, O Farol surge como uma antítese do filme anterior de Eggers, A Bruxa. Na produção de 2015, a coibição da natureza feminina e a essência empoderadora da bruxa flertam com o Terror psicológico e autoral do diretor. Agora, Eggers opta pela retratação dos males derivados do sexismo sob a ótica masculina.

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“Pensei: ‘será que eu estou maluco? Porque não é para rir.’ Só que, eu estava rindo porque achava engraçado e porque era um dos melhores roteiros que eu já tinha lido na minha vida.” – Rodrigo Teixeira

Logo, O Farol confirma a fatalidade de uma discussão social emergente: a masculinidade é realmente frágil, por trás do espesso véu da força física e autonomia sexual.

Simultaneamente, para o produtor brasileiro do longa-metragem, Rodrigo Teixeira, a narrativa da obra tem um caráter cômico. “Ele [Eggers] me enviou o roteiro. Eu estava em Los Angeles [Califórnia, EUA], promovendo Me Chame pelo Seu Nome [de Luca Guadagnino], e, quando li o roteiro [de O Farol], eu ri. Pensei: ‘será que eu estou maluco? Porque não é para rir.’ Só que, eu estava rindo porque achava engraçado e porque era um dos melhores roteiros que eu já tinha lido na minha vida”, comenta Teixeira.

Talvez, O Farol não seja, mesmo, uma obra para entreter. Mas, tudo bem se o fizer. O mais importante, porém, são a originalidade e a questão social advindas de um filme de Terror. E, nesses aspectos, a produção de Eggers dá um show de excelência.

Ficha Técnica:

Direção: Robert Eggers

Duração: 1h49

País: EUA, Canadá

Ano: 2018

Elenco: Robert Pattinson, Willem Dafoe

Gênero: Terror, Suspense

Distribuição: Vitrine Filmes

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