Pássaros de Verão: as origens do narcotráfico na Colômbia

Pássaros de Verão, filme colombiano dirigido por Ciro Guerra e Cristina Gallego, chegou aos cinemas brasileiros no último dia 22. A obra, escolhida como representante da Colômbia para o Oscar 2019, compõe a exitosa trajetória de projeção internacional de Guerra. Em 2016, o diretor conseguiu ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por O Abraço da Serpente; e, em 2019, estreou mundialmente no universo das séries como codiretor da original Netflix Frontera Verde.

‘Pássaros de Verão’/ Divulgação

Ambientado durantes as décadas de 1960 e 1970 na região de Guajira, norte da Colômbia,  e baseado em fatos reais, Pássaros de Verão  ficcionaliza o que pode ser considerado como início do narcotráfico colombiano. No centro da trama está uma família da comunidade indígena Wayuu, que, gradativamente, abandona trabalho e valores associados à terra, à coletividade e à ancestralidade e se envolve com a produção e exportação de maconha.

O filme é dividido em cinco partes, chamadas de cantos. Cada uma é “resumida”, em algum momento, pela apresentação de um narrador melódico, que aparece em cena referenciando as tradições orais dos povos nativos. Juntos, os cinco cantos narram da ascensão ao declínio dos negócios do cartel do grupo Wayuu.

CORPO DA PAZ (Peace Corps)

O distanciamento da família protagonista das tradições de sua comunidade começa a acontecer nos pequenos detalhes; como quando Rapayet (José Acosta), um indígena que transita pelas zonas urbanas com frequência para trabalhar com comércio,  entrega o dote para se casar com a filha de Úrsula (Carmiña Martínez) de maneira errada.

Mais tarde, ele e o amigo Moisés (Jhon Narváez) se encontram com jovens norte-americanos anticomunistas que buscam por maconha. É a partir dessa demanda que Rapayet transforma toda a família em membros de um cartel.

Os jovens não estão na Colômbia por acaso. São voluntários da Peace Corps, organização estadunidense criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, cuja missão seria ajudar países em desenvolvimento e “promover a paz e a amizade mundial”.

Imagem: divulgação

Conforme o filme se desenvolve, porém, nota-se que paz e amizade mundial não foram exatamente o que os norte-americanos levaram às comunidades indígenas.

Quando Rapayet envolve os Wayuu no tráfico, almejando uma vida melhor para os seus, relações antes essencialmente familiares e coletivas passam a se misturar com a lógica competitiva dos negócios. Dessa forma, álcool, armas de fogo, violência e conflitos por poder são inseridos no dia-a-dia daquele povo. 

Assim, Guerra e Gallego compartilham com o espectador um olhar absolutamente apurado sobre as dinâmicas sociais que ao longo da história fizeram da Colômbia o que ela é hoje. Não há facilidades no filme, muito menos heróis ou  julgamentos de valor. Há registro; e um esforço fascinante de compreender o todo a partir de diferenças individuais e contextos socioeconômicos globais.

O que vemos, do começo ao fim, são os resultados práticos e subjetivos de dominações imperialistas cruéis, que iludem, exploram, causam destruição e abandonam.  Os diretores não idealizam uma Colômbia pré-narcotráfico, mas apontam para processos que foram fundamentais na constituição da sociedade colombiana contemporânea.

UM FILME ÉPICO

Pássaros de Verão vai na contramão de todas as várias produções latino-americanas que glamourizam o narcotráfico e elevam traficantes quase ao patamar de ídolos. Com alguma poesia e muita melancolia, o longa expõe a materialidade dos fatos. Ele aborda, dentre outras coisas, os novos desafios das comunidades indígenas, as mudanças na configuração social local e o papel da Colômbia num cenário internacional de tráfico de drogas.  

‘Pássaros de Verão’ / Divulgação

Trata-se, sem dúvidas, de um filme épico. Visual e narrativamente grandioso, mas que se recusa a “explorar desgraças” com leviandade ou a olhar para as alteridades sob a perspectiva do exótico. O que beira o mágico na obra tem a ver com crenças indígenas, e nunca é posto em cena como algo descolado da realidade.

Memorável, visceral e extremamente pertinente, Pássaros de Verão tem tudo para tornar-se um clássico do cinema latino-americano. Se possível, veja nos cinemas.

Trailer:
(Fonte: Arteplex Filmes/ YouTube)

Ficha Técnica: 

Direção: Ciro Guerra, Cristina Gallego

Duração: 2h05

País: Colômbia

Ano: 2018

Elenco: José Acosta, Carmiña Martínez, Jhon Narváez

Gênero: Drama 

Distribuição: Arteplex Filmes

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