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Vaga Carne e Sete Anos em Maio: dois representantes da excelência do cinema mineiro
Os melhores filmes nacionais de 2018
Num ano tão complicado e de tanta violência contra a diversidade, filmes queer, como Tinta Bruta, representaram a resistência do audiovisual brasileiro com louvor no exterior. Documentários também levaram às grandes telas as mazelas do país. O Processo acompanhou a trajetória do golpe parlamentar que derrubou a Presidenta Dilma Rousseff; Ex-Pajé, Como Fotografei os Yanomami e Piripkura se encarregaram de fazer competentes e diversos registros sobre os povos originários brasileiros e seus conflitos contemporâneos.
Também tivemos a grande oportunidade de vermos duas diretoras negras conseguirem chegar com seus filmes ao circuito comercial depois de mais de 30 anos de hiato – antes delas, apenas Adélia Sampaio havia lançado um longa-metragem no circuito comercial, em 1984. Na ficção, Glenda Nicácio dividiu a direção com Ary Rosa e lançou o afetuoso Café com Canela. No documentário, Camila de Morais estreou O Caso do Homem Errado.
Ainda sofremos de gravíssimos problemas de representatividade e distribuição – e tempos difíceis chegarão para a cultura -, mas 2018 foi um ano que demonstrou que é possível avançar. Abaixo, deixamos listados 6 filmes que estrearam neste ano e que acreditamos que você não pode deixar de ver:
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Arábia, dirigido por Affonso Uchoa e João Dumans, estreou logo no começo do ano, em abril. É bem possível que, de lá para cá, muita gente tenha se esquecido de seu lançamento. Mas Arábia foi uma das produções nacionais mais importantes do período e não merece cair no esquecimento.
Vencedor do Festival de Brasília de 2017, o longa conta a história de Cristiano (Aristides de Sousa), operário de uma fábrica de alumínio que morre repentinamente, deixando um diário sobre sua trajetória.
É a partir desse diário que o trabalhador ganha voz e pode, finalmente, contar sua própria história; a história de uma jornada que representa a de tantos outros brasileiros. Cristiano é a representação da classe trabalhadora que se submete a trabalhos insalubres e semi escravos para sobreviver. Trata-se de um homem marginalizado e sem perspectiva. Alguém que até pensa sobre seu lugar no mundo, mas que não encontra meios de mudar a relação trabalho e indivíduo a que foi condenado.
Leia a crítica de Arábia aqui.
Trailer de Arábia (Fonte: International Film Festival Rotterdam / YouTube)
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Benzinho chegou a ser considerado forte candidato para representar o Brasil no Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro. A indicação acabou não acontecendo, mas isso não é motivo para deixarmos passar um filme tão intimista, terno e sensível.
Na trama, acompanhamos uma espécie de processo de luto de Irene (Karine Teles), mãe dedicada de 4 filhos que vê seu mundo virar de cabeça para baixo quando o filho mais velho é convidado para estudar e jogar handebol na Alemanha.
A protagonista passa por várias fases “de aceitação” em relação a partida do primogênito. Apegada, ela começa pela negação e chega até a passar pela raiva.
Enquanto vivencia todos esses sentimentos, Irene precisa encarar os desafios de ter um emprego informal que não lhe garante segurança financeira, viver numa casa que precisa de reformas urgentes, terminar de estudar, cuidar dos outros três filhos e ainda acolher a irmã que tenta se esquivar de um relacionamento abusivo.
Em Benzinho, Karine Teles nos entrega uma das personagens femininas mais especiais do ano.
Leia a crítica de Benzinho aqui.
Trailer de Benzinho (Fonte: Vitrine Filmes / YouTube)
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Café com Canela é das obras mais apaixonantes de 2018. Assim como Benzinho, o longa dirigido por Ary Rosa e Glenda Nicácio exala afetividade e emociona.
Aqui, presenciamos o reencontro de Margarida (Valdinéia Soriano) e Violeta (Aline Brunne). Margarida foi professora de Violeta e, há anos, isolou-se da sociedade. Certo dia, Violeta bate na porta de Margarida por força do destino e, apesar de passar por suas próprias dificuldades, fica determinada a recuperar o encanto da ex-professora pela vida.
O longa possui uma estética muito particular e adota elementos quase fantásticos para inserir certa poesia e ancestralidade no cotidiano de suas protagonistas.
Protagonizado e dirigido por mulheres negras, Café com Canela age quase como uma invocação do senso de comunidade que há dentro de nós, além de ser obra fundamental para a diversidade do cinema brasileiro contemporâneo.
Leia a crítica de Café com Canela aqui.
Trailer de Café com Canela (Fonte: Arco Audiovisual / YouTube)
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Como que por ironia do destino, Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi, estreou em circuito comercial pouco depois do lançamento de “Nada a Perder”, a cinebiografia do Bispo Edir Macedo. A Ironia se dá porque o documentário de Bolognesi serve justamente como contranarrativa ao grandioso filme religioso do dono da Record TV e da Igreja Universal.
Enquanto “Nada a Perder” narra a trajetória de Edir Macedo como se este fosse um herói nacional, Ex-Pajé denuncia o etnocídio (extermínio de uma cultura) causado pelo avanço da religião evangélica nas aldeias indígenas do Brasil.
O foco do documentário é a comunidade nativa Pater Saruí, onde um Pajé perdeu sua função social na tribo por conta da chegada de pastores. Por ter suas crenças tachadas de demoníacas, o homem deixou sua posição de líder religioso e foi reduzido a um simples funcionário do lugar onde os cultos evangélicos são ministrados na aldeia. É assim que a ancestralidade dos povos originários brasileiros segue sendo criminalizada e exterminada desde a colonização.
Leia a crítica de Ex-Pajé aqui
Trailer de Ex-Pajé (Fonte: Ex-Pajé Filme / YouTube)
AS BOAS MANEIRAS
Em 2018, os diretores Juliana Rojas e Marco Dutra nos presentearam com um filme de lobisomem para chamar de nosso. Um filme contemporâneo, com forte protagonismo feminino, bons efeitos especiais e um jeitinho todo seu de tratar a maternidade.
Na trama, Ana (Marjorie Estiano), contrata a babá Clara (Isabél Zuaa) para cuidar de seu filho que ainda não nasceu. Conforme a gravidez avança, Clara percebe que alguma coisa está errada com o bebê, que mesmo antes de nascer já causa comportamentos estranhos na mãe – principalmente em noites de lua cheia.
As duas protagonistas representam opostos. Uma é negra, a outra é branca. Uma vem de família rica da zona rural, outra vive na periferia de São Paulo. Em comum, as duas têm a solidão e o encontro com o sobrenatural.
Com tom de fábula moderna e repleto de elementos clássicos de terror, As Boas Maneiras consegue ser impressionante por transitar com maestria entre gêneros (musical, conto de fadas, animação, horror, fantasia) e por contar uma história assombrosamente encantadora sobre maternidade e tolerância.
Leia a crítica de
As Boas Maneiras aqui.
Arábia é a prova de que o cinema nacional é especial e pulsante
O cinema nacional anda a todo vapor, produzindo obras primas contemporâneas que abordam questões profundamente brasileiras e urgentes. Nos últimos anos, filmes como Que Horas Ela Volta?, Era o Hotel Cambridge, Como Nossos Pais, Branco Sai, Preto Fica e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho despontaram como preciosidades do nosso cinema. Agora, com a estreia de Arábia, vencedor da categoria de Melhor Filme do Festival de Brasília 2017, essa lista só tem a ganhar.
Dirigido por Affonso Uchoa e João Dumans, Arábia começa tomando as telas de cinema com um belíssimo e impecável plano sequência do personagem André (Murilo Caliari) pedalando pela paisagem de Ouro Preto. André é um jovem que, com ajuda da tia enfermeira, precisa cuidar do irmão caçula que sofre de problemas respiratórios causados (provavelmente) pelos resíduos da fábrica de alumínio próxima à sua casa. Os pais dos garotos se ausentam por longos períodos de tempo para trabalhar, deixando a cargo do filho mais velho as responsabilidades cotidianas da casa.
A certa altura do primeiro ato do filme, Cristiano (Aristides de Sousa), um funcionário da fábrica, se acidenta. André, atendendo ao pedido da tia, vai até a casa de Cristiano pegar algumas roupas e encontra o diário do operário. A partir daí, a narrativa sofre uma reviravolta corajosa e muda o protagonismo para a vida de Cristiano – que se torna também narrador.
Até o momento em que o título do filme surge preenchendo a tela, André parecia ser o protagonista da trama, afinal, trata-se de um personagem um tanto quanto melancólico e solitário, que carrega consigo questões importantes, como a ausência dos pais, que precisam dedicar tempo integral ao trabalho para conseguirem dar uma vida minimamente confortável aos filhos.
Mas, quando Arábia toma outro rumo e migra o foco para Cristiano, a abordagem sobre a relação indivíduo e trabalho se torna extraordinariamente significativa. Uma infinidade de pautas que são tratadas diariamente no país – principalmente no momento em que estamos, onde um governo ilegítimo tenta minar todo e qualquer direito do trabalhador, das classes menos privilegiadas e das minorias – passam a ser expostas de forma absolutamente especial. Delicada e crua, ao mesmo tempo. Poética, cruel e, ás vezes, embalada por uma trilha sonora emocionante e muito brasileira.
Cristiano é um indivíduo. Sua trajetória é particular, sem dúvidas. Mas sua vida está ali, exposta, representando o trabalhador brasileiro e todos aqueles que são marginalizados de alguma forma. Todos aqueles que são invisibilizados e possuem seus direitos negados constantemente, dia após dia, nas mais variadas circunstâncias.
O protagonista de Arábia é vítima direta de uma sociedade que se diz “de bem”, mas que exclui um homem que já foi preso e já cumpriu sua pena. Um homem que, mais tarde, é jogado à desumanidade de uma série de trabalhos irregulares e insalubres que não lhe garantem o mínimo de dignidade. Cristiano é alguém que pensa seu papel no mundo constantemente, mas percebe que sozinho não consegue medir forças com a engrenagem que o massacra cotidianamente.
Apesar de duro, o filme mineiro é “generoso” em oferecer ao espectador o tempo necessário para a assimilação de tudo o que foi visto. Depois de escancarar a ferida, Arábia se fecha em uma tela preta de alguns segundos. Alguns dos segundos mais duros e necessários que o cinema brasileiro poderia proporcionar.
Veja o trailer de Arábia: