Tag: representatividade
Crítica: Luna Nera (Netflix)
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[Estreia] Ilha dos Cachorros, de Wes Anderson, é doce, mas comete gafe
Nesta quinta (19), estreia nos cinemas a mais nova animação de Wes Anderson, Ilha dos Cachorros. Com um imenso elenco estelar – vozes de Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Bill Murray, Edward Norton, Jeff Goldblum, Greta Gerwig, Tilda Swinton, Frances McDormand e, até mesmo, Yoko Ono –, o stop motion traz para as telas um grupo de cachorros que, excluídos em uma ilha com depósitos de lixo, simboliza a segregação racial entre os humanos.
Dentro da história, os brancos opressores da vida real são todos os moradores de Megasaki, uma cidade japonesa e distópica. Neste universo, os cachorros – supostamente – estariam pondo em risco a saúde dos humanos; uma vez que esses animais poderiam transmitir uma nova doença, e pelo simples contato com as pessoas.
Baseando-se na duvidosa constatação, Kobayashi (voz do ator japonês Kunichi Nomura), o prefeito corrupto da cidade, decreta o isolamento de todos os cachorros em uma ilha afastada e lotada de lixo. Sob a perspectiva dos animais, o diretor (assim como em sua outra animação, O Fantástico Sr. Raposo) explora uma cruel realidade canina.
Separado de seu dono, até mesmo o cachorro do sobrinho de Kobayashi, o pré-adolescente Atari (Koyu Rankin), é enviado à ilha – o que dá o ponto de partida para o início da trama. Atari, empenhado em encontrar o amigo Spots (Liev Schreiber), faz amizade com os demais cães da ilha e, assim, segue em uma jornada em meio ao lixo acumulado.
Wes Anderson, como de costume, trabalha unicamente com enquadramentos simétricos. Os takes com pontos de fuga, além de suas fotografias solares e coloridas, são a marca registrada do diretor. Então, se depender de sua qualidade técnica, Ilha dos Cachorros agradará a todos. O filme aborda muito bem o conceito de amizade, e a história, de fato, surpreende – a partir de suas várias reviravoltas.
Os personagens são todos carismáticos e a sacada de Anderson, ao colocar diálogos em inglês somente para os animais (enquanto que os humanos falam em japonês), garantem a graciosidade e o humor da produção. Mesmo com um argumento bastante válido – quanto à segregação e à soberania racial –, Ilha dos Cachorros peca na representação simbólica dos personagens ativistas; que, claramente, fazem referência ao movimento negro.
Algo que deixa isso claro é a intercambista estadunidense, e branca, Tracy Walker (Gerwig). Em sua primeira cena, a menina aparece à frente de um grupo de protestantes, com um corte de cabelo em black power (loiro), um braço estendido para cima e a mão fechada em punho. Esses detalhes juntos, por mais que não sejam apontados em momento algum do filme, associam o contexto da narrativa diretamente com o movimento em questão.
É importante ressaltar que não há nada de errado em metaforizar a luta dos negros através de cachorros. O que podemos interpretar, no mínimo, como uma gafe do diretor é o fato de uma personagem branca fazer esse tipo de alusão, a um grupo do qual não faz parte. A impressão que fica é a de que Anderson se apropriou do movimento negro para contar uma história bonitinha – e, com isso, vem certa falta de representatividade.
Mesmo que o longa-metragem seja repleto de japoneses, esse problema de representatividade é inegável; o que inclui a feminina. As fêmeas e mulheres da produção, por mais marcantes que sejam, aparecem em número consideravelmente menor do que o masculino. E isso acaba, sim, por prejudicar a experiência de assistir ao filme.
Ainda que agradável e fluido, Ilha dos Cachorros poderia ter sido muito mais do que aquilo que entrega. Já como diretor de animação, Anderson parece estar cada vez melhor – mas é evidente que um ótimo filme não se faz apenas com boas técnicas de filmagem e intenções aparentemente nobres.
Ficha técnica
Direção: Wes Anderson
Duração: 1h42
País: Alemanha, EUA
Ano: 2018
Elenco: Bryan Cranston,
Frances McDormand
[Coluna] Sense8 e a dualidade de sentimentos desta espectadora
Quando Sense8 (criado pela irmãs Wachowskis e J. Michael Straczynski) estreou em 2015 na Netflix, a então recente plataforma conquistou milhares de fãs brasileiros. Por seu conteúdo de ficção científica e apelo genuíno à comunidade LGBT, a série foi uma das mais badaladas daquele ano.
Quase dois anos depois, em 2017, o programa ganhou uma nova temporada. Devido à considerável redução na audiência e aos altíssimos custos de produção – com gravações em diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, Coreia do Sul e, até, Brasil – a série foi cancelada pela plataforma de streaming, logo após o lançamento da última temporada. Mas, para a alegria de sua fanbase, Sense8 encerrou sua jornada com um episódio final de duas horas e meia, tendo estreado no último dia 8.
Avaliando todo o impacto que a série teve para o público, principalmente brasileiro, é inegável a relevância de sua representatividade. Diversidade é o maior mérito de Sense8, com protagonistas como o casal de lésbicas Amanita (Freema Agyeman) e Nomi (Jamie Clayton), sendo esta última uma transgênero dentro e fora da ficção; Lito (Miguel Ángel Silvestre), um gay enrustido; Kala (Tina Desai), uma indiana budista; Capheus (Aml Ameen e Toby Onwumere=&0=&, um negro queniano; Sun (Doona Bae), uma lutadora sul-coreana; Wolfgang (Max Riemelt), um criminoso alemão; Riley (Tuppence Middleton), uma DJ islandesa, e Will (Brian J. Smith), um policial norte-americano.
É claro que, pelas notórias ousadia e inventividade das Wachowskis, a trama principal do programa, quanto à espécie Homo sensorium (de mesmo gênero do Homo sapiens, cuja diferença consiste na capacidade de comunicação cerebral e troca de informações instantaneamente), despertou a curiosidade dos assinantes da Netflix desde o início.
Mesmo que os diálogos da série sejam totalmente acessíveis ao senso comum, a complexidade da narração acabou por acelerar algumas histórias e sobrecarregar o programa de subtramas.
Toda a concepção dos sensate (nome popular do Homo sensorium) diz respeito à capacidade de empatia dos (nem tão) seres humanos; uma vez que, dentro de um grupo limitado de sensate, cada integrante compartilha das experiências sensoriais dos demais – como visão, audição, tato, paladar e olfato. Sendo assim, suas habilidades também podem ser compartilhadas. A partir daí, é natural que os roteiristas da série tenham integrado à essa conta a sexualidade humana.
Sendo um sensate, é possível saber como são as vivências de uma pessoa transgênero
4 motivos para assistir ao remake de ‘Perdidos no Espaço’
No mês passado, estreou na Netflix o remake da clássica série de ficção científica Perdidos no Espaço. Nos anos 60, o programa de TV contava a história da família Robinson, que é selecionada para embarcar em uma missão espacial até o fictício sistema de Alpha Centauri. A série foi ao ar pela primeira vez em setembro de 1965 e exibida até março de 1968.
Originalmente, os Robinson eram compostos pelo Professor John, sua esposa Maureen e os três filhos do casal, Dra. Judy, Penny e Will. Na nave que os leva até outro sistema – denominada Júpiter 2 –, também estão Major Don West, Dr. Zachary Smith e o Robô B9. Na série da Netflix, no entanto, apesar de a formação principal contar com o mesmo número de personagens, há mudanças bastante significativas. Vamos aos motivos que fazem deste um ótimo remake:
1. PROTAGONISMO FEMININO
Um dos pontos mais fortes da primeira temporada de Perdidos no Espaço (segunda versão) são as personagens femininas. Ao contrário da série original, a verdadeira líder da família e da expedição é Maureen (Molly Parker), uma engenheira aeroespacial, super corajosa e empenhada em salvar seus filhos. Assim como ela, a mais velha Judy, que é interpretada por uma atriz negra (Taylor Russel), é uma jovem inteligentíssima, estudante de medicina e cuja relação com o pai adotivo, o ex-fuzileiro naval John (Toby Stephens), já fora melhor.
Penny (Mina Sundwall), a filha do meio, é uma garota de muitas camadas, e também a responsável pelo alívio cômico. É muito bom poder ver uma mulher, e, ainda mais, uma menina adolescente, que faz piadas e com personalidade divertida, mas de maneira consciente. Agora, uma das maiores mudanças do remake é a Dra. Smith (Parker Posey), uma vilã mulher, cujo nome real é June Harris (em homenagem a June Lockhart, a Maureen da primeira versão, e a Jonathan Harris, o Dr. Smith original).
2. ADAPTAÇÕES CIENTÍFICAS (ATUAIS)
Naturalmente, esta versão conta com inúmeras alterações em suas teorias e hipóteses científicas – afinal, quando a série original fora exibida pela CBS, o homem sequer havia pisado em solo lunar. A mudança mais significativa diz respeito ao programa espacial do qual os Robinson fazem parte. Ao contrário da família de 60, que fora selecionada para estabelecer uma colônia em Alpha Centauri, desta vez, a colônia em questão já fora instaurada e a nave Júpiter dos protagonistas é somente mais uma dentre muitas outras.
Toda a parte tecnológica, desde computadores e instalações das naves, realmente parece ser de última geração. Já o Robô humanoide (sem nome) é muito mais complexo do que a antiga versão B9. No local daquilo seria seu rosto, por exemplo, há uma espécie de visor que exibe imagens em movimento, simulando astros e estrelas. A variação de cores e sua movimentação simbolizam os sentimentos do robô, como alegria e raiva.
3. PERSONAGENS COMPLEXOS
Todos os personagens carregam qualidades e defeitos; nenhum deles é unidimensional ou sem sentido para a história. John, o pai da família, é um homem um tanto solitário, que, ainda na Terra, afastou-se da esposa e filhos para servir na Marinha – o que provocou um distanciamento psicológico entre ele e todos os outros. Já no espaço, os Robinson tentam lidar com suas diferenças estruturais e pessoais.
No caso do caçula Will (Maxwell Jenkins), quem primeiro encontra o Robô, o garoto tem ideias brilhantes para uma criança insegura de 11 anos. Sua relação com o humanoide é muito especial e determinante para todo o desenrolar da primeira temporada. Sua amizade traz doçura para a série, tal como um remake de Perdidos precisaria para funcionar plenamente. Além disso, o casamento instável de Maureen e John (bem diferente da família de “comercial de margarina” da série original), os conflitos entre as irmãs e a própria personalidade da Dra. Smith, deixam o enredo mais complexo.
4. EFEITOS ESPECIAIS DE PONTA
Todos os cenários do programa, como o interior das naves e as paisagens de planetas desconhecidos, foram muito bem trabalhados e explorados pela produção. O CGI do espaço sideral e de criaturas alienígenas contribuem para a imersão do espectador na narrativa sci-fi. Enquanto isso, o bem pensado design do Robô transmite tanto a ideia de algo perigoso, quando necessário, quanto de algo puro.
As cenas de ação, considerando que são essenciais para o ritmo da série, também merecem elogios. Há momentos de tensão e de aventura que dão o toque necessário à produção. Além do mais, o drama é bem equilibrado com a comédia, o que ajuda até mesmo alguns diálogos bobos a encontrarem o tom adequado. Tudo isso eleva Perdidos no Espaço à categoria de originais Netflix de qualidade e, por isso, você deveria dar uma chance.
Ficha técnica
Criação: Irwin Allen
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: Toby Stephens, Molly Parker, Ignacio Serricchio, Taylor Russell, Maxwell Jenkins
Gênero: Ficção Científica, Aventura
Distribuição: Netflix
Estreia: ‘Se Você Soubesse’ espanta por apresentar direção feminina
Nesta quinta (03), estreia diretamente nas plataformas iTunes, Google Play e NET NOW o primeiro longa-metragem da diretora Joan Chemla. Se Você Soubesse é estrelado por Gael García Bernal, em sua primeira interpretação em francês, e inspirado no livro Boarding Home, do cubano Guillermo Rosales.
Na produção francesa, o ator mexicano dá vida a Daniel, um jovem cigano que vive às margens da sociedade. Depois de um acontecimento trágico envolvendo seu amigo Costel (Nahuel Pérez Biscayart), Daniel entra em uma espécie de dormência psicológica, na qual, para domar a própria culpa, sobrevive apenas para ajudar a família do amigo.
Lucho (Mariano Santiago), o irmão de Costel, em um permanente estado de agressividade e ódio a Daniel, persegue o rapaz em nome de uma vingança despropositada. Todos as cenas em que Lucho aparece, aliás, são capazes de despertar incômodo e desgosto no espectador – graças, também, ao belo trabalho de Santiago.
Por falar em atuações, o astro protagonista cumpre muito bem o seu papel. Há evidente autoconsciência de Bernal para com sua interpretação, o que deixa as expressões de Daniel bastante convincentes. Os pontos altos do filme justificam-se nas belas tomadas e enquadramentos de Chemla, que nos deixam mais íntimos dos personagens – como quando Daniel olha para seu reflexo através do espelho e, literalmente, nos é mostrada uma lembrança angustiante no vidro. Além do que, a tocante trilha sonora, que acompanha sequências sem diálogo, e a fotografia acizentada são qualidades da produção.
Até certa altura, o roteiro de Se Você Soubesse intriga por sua falta de linearidade, assim como pela abordagem de temas delicados – como a segregação e a pobreza de imigrantes e ciganos no país europeu. Mas, somente quando a primeira personagem feminina de destaque é introduzida na história, Francine (Marine Vacth), algo que, afinal, deveria ser comemorado, tudo começa a desandar.
Por ser dirigido por uma mulher, o filme teria mais chances de se aprofundar na representatividade de gênero de forma realista. Nem todas as produções precisam tratar de temas feministas, é claro, mas lidar com as desigualdades entre os sexos de forma irresponsável, atualmente, sempre diminuirá a qualidade de uma obra. E é exatamente isso que acontece em Se Você Soubesse.
Francine serve de apoio para que o personagem de Bernal tenha suas complexidades ainda mais à mostra. Mesmo que a moça seja alguém claramente vitimada por mazelas sociais – devido ao seu silêncio bastante presente e sua expressão ingênua –, nenhuma de suas possíveis camadas é explorada em tela, e, ainda pior, a personagem se perde dentro de uma imagem de subordinação e dependência masculina.
Quando Francine é assediada moral e sexualmente pelo gerente da pensão onde residem ela e Daniel, o protagonista, que esteve acompanhando toda a situação de forma assustada, sequer oferece algum tipo de ajuda.
Além da falta de empatia do personagem principal, há uma cena grotesca, na qual Daniel é convidado por Francine para jogar Palitos, e ela revela ao desconhecido que não consegue mais olhar para o rosto de seu filho como antes – uma das poucas vezes em que vemos a jovem se comunicar durante todo o filme, aliás. A partir disso, é natural que o espectador imagine o pior sobre a vida da personagem, como que o filho poderia ser fruto de um estupro. Diante da confissão, no entanto, Daniel sobe a saia de Francine com as mãos e acaricia suas coxas. “Talvez ele se transforme em vilão”, muitos podem ter pensado ao assistir à cena. Mas, lamentavelmente, a mocinha cede à Daniel, e, então, uma música romântica toca para embalar o casal.
De maneira presumível, o longa-metragem não passa no teste de Bechdel, já que as únicas mulheres, além de Francine, que têm falas são a mãe de Costel e Lucho (cerca de dois ou três diálogos), a esposa de Costel (que apenas conta para Daniel sobre sua gravidez) e uma moradora da pensão, que é estuprada pelo gerente.
A vida é dura para as mulheres dentro e fora da ficção, mas, nem (ou justamente) por isso, precisamos ser retratadas como meros objetos. É surpreendente que uma diretora mulher tenha sido a responsável por conduzir a obra e imprimir sua personalidade através das câmeras desse jeito. Por mais que o filme seja baseado em um livro escrito por um homem, as duas mídias são completamente diferentes e, dessa forma, é muito difícil compará-las (veja aqui 5 adaptações cinematográficas tão boas quanto os livros).
Apesar de Se Você Soubesse apresentar um ótimo trabalho técnico e paisagens urbanas marginalizadas bem relevantes de uma França pobre,
seu enredo, inicialmente interessante, não se sustenta pelo romance