Em 2018 estreava nos cinemas brasileiros o documentário O Caso do Homem Errado, de Camila Moraes. Com o lançamento, Moraes tornou-se a segunda diretora negra a ter um filme distribuído em circuito comercial no país – a primeira foi Adélia Sampaio com o filme Amor Maldito, lançado em 1984.
Marco importante da história da negritude no cinema nacional, o documentário também é relevante do ponto de vista temático. Nele, a diretora recupera a história de Júlio César de Melo Pinto, jovem negro que foi executado pela Brigada Militar nos anos 1980, em Porto Alegre.
Na época, o caso de Júlio ganhou repercussão após a equipe do jornal Zero Hora divulgar fotos dele sendo colocado vivo dentro de uma viatura e depois de alguns minutos aparecendo morto a tiros no hospital.
O rapaz teria sido “confundido” com assaltantes e por isso capturado – e assassinado. Mais tarde, quando ficou claro que Júlio era apenas um trabalhador que estava no lugar errado, na hora errada, sua execução repercutiu como “o caso do homem errado”.
FILME-DENÚNCIA
Mas o que seria o homem errado? Há um homem certo, um que mereça ser assassinado? Bandido bom é bandido morto? Como se “confunde” e executa alguém baseado em achismo?
Com planos e montagem bastante convencionais, Camila de Moraes entrevista importantes nomes da luta pelos direitos humanos e do movimento negro do Rio Grande do Sul; jornalistas do Zero Hora, incluindo Ronaldo Bernardi, o repórter fotográfico responsável pelas imagens que tornaram o caso famoso; e familiares de Júlio, como sua viúva Juçara.
Juntos, os entrevistados compõem uma discussão complexa sobre as causas e consequências sociais do genocídio da juventude negra, atrelado diretamente à cultura de extermínio da polícia militar – colocada em prática por rituais de violência herdados principalmente da ditadura civil-militar.
A carne mais barata do mercado é a carne negra, canta Elza Soares. No Brasil, fundado e mantido pelo racismo, o homem certo para morrer é o negro periférico que vive às margens; a quem é atribuído o estereótipo do bandido. É aquele, portanto, que pode ser julgado como bandido a qualquer momento. E “bandido não é gente, então bandido merece morrer”. Se o negro é trabalhador, ele vira mais um caso de “homem errado”. No fim, todas as execuções tornam-se estatísticas e acabam sentenciadas ao esquecimento e à impunidade.
Assim, é compreensível que a diretora não se obrigue a ouvir o lado da polícia, preferindo assumir o tom de filme-denúncia – e talvez nem fosse possível, já que dificilmente os envolvidos nesse tipo de crime estariam dispostos a falar. Deixando claras suas intenções, Moraes privilegia a conversação no intuito de contar quem foi Júlio César, resgatando-o da impessoalidade de um mar revolto de números estatísticos e denunciando o massacre que corpos negros sofrem nas mãos de representantes dos poderes do Estado.
*O Caso do Homem Errado está disponível na Spcine Play
Ficha técnica
Direção: Camila de Moraes
Duração: 1h17
País: Brasil
Ano: 2017
Gênero: Documentário
Distribuição: —
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