[O Tempo não Para] Uma crítica aos estrangeirismos da língua portuguesa na novela das 7

Depois de sobreviver a um naufrágio e ser congelada em um imenso bloco de gelo, uma família brasileira do século XIX desperta na São Paulo dos dias de hoje. Essa é a trama de O Tempo não Para, a atual novela das 7 da Rede Globo – escrita por Mario Teixeira e com direção artística de Leonardo Nogueira.

Apostando no humor usual da faixa das 19 horas, o folhetim estrelado por Juliana Paiva (Totalmente Demais) e Nicolas Prattes (Rock Story) mescla dois gêneros comuns do audiovisual; mas inusitados, se unidos em uma mesma produção: a comédia leve e a ficção científica. Além destes dois, e como em toda boa novela, O Tempo não Para investe pesadamente no romance dramático de seus protagonistas, que sofrem imensamente a cada descompasso de seu relacionamento amoroso.

O clã dos Sabino Machado / Divulgação

Por mais divertida e – positivamente – despretensiosa que a obra de Teixeira seja, o ponto alto de seu texto está na interessante contradição temporal retratada; que é inicialmente proposta pelo choque cultural dos personagens em uma nova era, e culmina na redefinição de seus próprios caracteres. Agora, um dos elementos que mais enfatizam tal contradição é o uso coloquial da língua portuguesa; ou melhor, da língua falada.

Miss Celine e o inglês

O patriarca da família congelada, Dom Sabino Machado (Edson Celulari), é um dos que mais se utilizam de palavras complexas, e já completamente defasadas pelo tempo. Àqueles que acompanham a novela, as expressões “folgo em vê-lo”, “deveras…[insira aqui o que quiser]” e “pândego”, são imediatamente associadas à sua figura pomposa, de ex-proprietário da Freguesia do Ó.

Miss Celine (Maria Eduarda de Carvalho) / Divulgação

Todos os personagens da família Sabino Machado, aliás, fazem uso de tais expressões. A mocinha Marocas (Paiva) e, principalmente, a preceptora do clã, Miss Celine (Maria Eduarda de Carvalho), trocam diálogos divertidos de se assistir. Miss Celine, por exemplo, já no século XIX, era uma mulher extremamente culta, que dominava seis línguas e conhecimentos aprofundados sobre diversos assuntos. Nos dias de hoje, o vocabulário e a inteligência da preceptora são ainda mais admiráveis.

Admirável também é a reflexão proposta por uma personagem de novela, quanto ao uso inadvertido da língua inglesa aqui no Brasil. Mesmo que o nosso português contenha inúmeras palavras e apresente uma estrutura super complexa, teimamos em nomear várias coisas a partir do inglês. Expressões como “bar”, “vídeo game”, “motoboy“, “blog“, “fashion“, “gay” e mais uma porção de termos que nem nos damos conta, são derivadas do inglês.

O casal de protagonistas Marocas (Juliana Paiva) e Samuca (Nicolas Prattes) / Divulgação

Na História (real)

E, se pararmos para pensar em que momento da História começamos a adotar esse tipo de vocabulário, chegamos à conclusão de que é algo bastante recente. Uma prova disso é o espanto causado nos personagens de O Tempo não Para. No século retrasado, o português bastava por si só. Mas, atualmente, como reflexo da Guerra Fria, com a globalização e a revolução tecnológica dos últimos vinte anos, a fusão, ou a incorporação, de certas línguas por outras (principalmente do inglês) é bastante comum.

Se isso é positivo, ou não, há controversas. Enquanto o conhecimento se torna mais acessível às classes baixas de nossa sociedade contemporânea, o imperialismo norte-americano é confirmado uma vez mais. O Brasil ainda alimenta um fetichismo preocupante sobre o American Way of Life dos EUA, e isso respinga, sim, na adoção de um vocabulário americanizado em terras tupiniquins. Enquanto isso, o espanhol latino busca resistir bravamente, ao traduzir quaisquer expressões em inglês à sua forma.

Os Sabino Machado: Dom Sabino (Edson Celulari), Marocas (Juliana Paiva), Agustina (Rosi Campos), Kiki (Nathalia Gonçalves) e Nico (Raphaela Alvittos) / Divulgação

Brazilian Way of Life

Assim, se a trama de O Tempo não Para fosse ambientada em qualquer outro país da América Latina, o estranhamento de Miss Celine, e de demais personagens, simplesmente não existiria. Não dessa forma, pelo menos.

Aos congelados negros, por exemplo (todos ex-escravos dos Sabino Machado), a nova realidade já é esquisita por si só; mas, ter de aprender a ler e a escrever, para melhor compreenderem seus direitos, seria assunto o suficiente para uma outra novela. Afinal, a total falta de conhecimentos básicos e de instrução educacional (tal como a alfabetização) lhes é um enorme empecilho social – tornando tudo muito mais difícil do que para os congelados brancos.

A ex-escrava Cairu (Cris Vianna) / Divulgação

Ao mesmo tempo em que este mundo traz novidades formidáveis, como a abolição da escravatura, o racismo institucional coloca esse grupo de congelados em uma situação de marginalização, automaticamente. Lembrando que, no Brasil, um negro analfabeto tem de lidar não somente com a discriminação dos cidadãos, mas também do próprio Estado.

De qualquer forma, isso seria assunto, tal como para outra novela, para um outro texto. Por enquanto, nos atentemos, então, à questão da língua portuguesa. Imagine sequer saber ler ou escrever, e despertar em uma realidade em que a compreensão básica de um idioma diferente do seu é fundamental para o convívio social. No mínimo, complicado, não é?

Valorização da cultura

Talvez, as críticas de Miss Celine aos estrangeirismos do português sejam muito mais urgentes do que poderíamos supor. Possivelmente, isso seja mesmo um reflexo da necessidade de valorização de nossa própria cultura. E, quem sabe, não precisemos dar mais créditos a O Tempo não Para do que para qualquer outra novela da atualidade?

Enquanto refletimos sobre todas essas coisas, podemos nos divertir com o “falar esquisito” do clã dos Sabino Machado, e também com suas desventuras em uma São Paulo caótica e globalizada.

Imagem: divulgação

 

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