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Espelho da Vida vs. Outlander: as semelhanças entre a nova novela das 6 e a série da Starz
Espelho da Vida, a nova novela das 6 da Rede Globo, acaba de estrear (nesta terça, 25) e já garante uma trama cheia de mistérios. Escrita por Elizabeth Jhin e com direção artística de Pedro Vasconcelos, o folhetim aposta em um elenco pouco conhecido pelo grande público, com nomes como o de Vitória Strada – em seu segundo trabalho na televisão, e também como protagonista –, o da estreante e influenciadora digital Kéfera Buchamann, e o de João Vicente de Castro (que atuou como o vilão de Rock Story, em 2016).
Seguindo os rumos de seus trabalhos anteriores para a emissora carioca (Amor Eterno Amor, Além do Tempo), a autora constrói o universo fictício da novela em cima da crença no espiritismo.
Cris (Strada) é uma jovem atriz que, após chegar em Rosa Branca (Minas Gerais) com o namorado Alain (Castro), um bem-sucedido diretor de novelas, entra em contato com a vida passada. E, seja por coincidência ou destino, a artista é escalada para viver Julia Castelo nos cinemas – ou melhor, para interpretar uma versão de quem ela própria já fora e, sem que saibam, em outra encarnação (também vivida por Strada).
Assim, e a partir da curta sinopse divulgada pela Rede Globo, a protagonista terá contato com um misterioso portal para o passado; e, de volta à época em que Julia viveu, poderá desvendar como e por que (ela mesma) morreu. No núcleo protagonista, Espelho da Vida também conta com nomes de peso da emissora, como Alinne Moraes, na pele da vilã Isabel, e Rafael Cardoso, como Danilo, ou o grande amor de Julia.
Outlander
Por mais distante que uma novela brasileira possa estar das produções de streaming hollywoodianas, o enredo principal de Espelho da Vida se assemelha – e muito – à “menina dos olhos” da plataforma estadunidense Starz: a épica Outlander. Tida como uma superprodução – que, tal como o folhetim da Globo, envolve misticismo, viagem no tempo, amores eternos e cenários históricos – a série britânico-americana é inspirada nos romances literários de Diana Gabaldon.
Outlander, o primeiro livro, fora publicado pela primeira vez em 1991; sendo, portanto, bem mais antigo que a história de Elizabeth Jhin – pelo menos, do início de sua produção. Independentemente de uma obra ter sido inspirada na outra, ou não, o interessante, aqui, são as semelhanças entre essas duas histórias; ambientadas e produzidas para públicos bastante diferentes um do outro.
Enquanto que Outlander (a série) contém violência, sexo e nudez explícita, Espelho da Vida alimenta-se de sutilezas. E, assim como nos demais folhetins das 18 horas, este é de uma pureza facilmente digerida pelo público livre (com baixa classificação etária indicativa).
Tramas
Segundo o que nos é apresentado pela sinopse da série americana, Claire Randall (Caitriona Balfe) é uma enfermeira inglesa dos anos 40 que, após um período de serviço aos feridos da Segunda Guerra Mundial, viaja à Escócia com o marido, o professor de história Frank (Tobias Menzies). Em terras estrangeiras, a enfermeira descobre um portal místico que a faz viajar, acidentalmente, 200 anos no passado.
Quando desperta, Claire precisa lidar com uma realidade na qual escoceses lutam contra a Inglaterra e a favor da dinastia Stuart no poder. Além disso, a protagonista encontra o antepassado de seu marido, o capitão Jonathan Randall (também interpretado por Menzies), e Jamie (Sam Heughan), um jovem escocês que mudará a percepção de vida da enfermeira.
Em comum, tanto a novela da Globo quanto a série da Starz colocam um casal de protagonistas como os forasteiros de seus ambientes centrais. Em Espelho da Vida, Cris e Alain chegam em Rosa Branca – a cidade natal do diretor de TV, mas que, atualmente, lhe é tão estranha quanto qualquer outro lugar. Para Cris, mesmo sem nunca ter estado, nesta vida, no município mineiro, Rosa Branca lhe é extremamente familiar.
Magia e espiritismo
O realismo fantástico de Outlander vai de encontro direto a Espelho da Vida, quando este último usa o artifício da viagem no tempo a seu favor. Enquanto que, na faixa das 7, acompanhamos uma família do século XIX em nosso presente (com O Tempo não Para), na faixa das 6, a viagem ao passado é o combustível motor da história. Tanto Cris quanto Claire voltam a passados anteriores às datas de seus nascimentos – o que denota o uso de
certo realismo fantástico por ambas as autoras
[O Tempo não Para] Uma crítica aos estrangeirismos da língua portuguesa na novela das 7
Depois de sobreviver a um naufrágio e ser congelada em um imenso bloco de gelo, uma família brasileira do século XIX desperta na São Paulo dos dias de hoje. Essa é a trama de O Tempo não Para, a atual novela das 7 da Rede Globo – escrita por Mario Teixeira e com direção artística de Leonardo Nogueira.
Apostando no humor usual da faixa das 19 horas, o folhetim estrelado por Juliana Paiva (Totalmente Demais) e Nicolas Prattes (Rock Story) mescla dois gêneros comuns do audiovisual; mas inusitados, se unidos em uma mesma produção: a comédia leve e a ficção científica. Além destes dois, e como em toda boa novela, O Tempo não Para investe pesadamente no romance dramático de seus protagonistas, que sofrem imensamente a cada descompasso de seu relacionamento amoroso.
Por mais divertida e – positivamente – despretensiosa que a obra de Teixeira seja, o ponto alto de seu texto está na interessante contradição temporal retratada; que é inicialmente proposta pelo choque cultural dos personagens em uma nova era, e culmina na redefinição de seus próprios caracteres. Agora, um dos elementos que mais enfatizam tal contradição é o uso coloquial da língua portuguesa; ou melhor, da língua falada.
Miss Celine e o inglês
O patriarca da família congelada, Dom Sabino Machado (Edson Celulari), é um dos que mais se utilizam de palavras complexas, e já completamente defasadas pelo tempo. Àqueles que acompanham a novela, as expressões “folgo em vê-lo”, “deveras…[insira aqui o que quiser]” e “pândego”, são imediatamente associadas à sua figura pomposa, de ex-proprietário da Freguesia do Ó.
Todos os personagens da família Sabino Machado, aliás, fazem uso de tais expressões. A mocinha Marocas (Paiva) e, principalmente, a preceptora do clã, Miss Celine (Maria Eduarda de Carvalho), trocam diálogos divertidos de se assistir. Miss Celine, por exemplo, já no século XIX, era uma mulher extremamente culta, que dominava seis línguas e conhecimentos aprofundados sobre diversos assuntos. Nos dias de hoje, o vocabulário e a inteligência da preceptora são ainda mais admiráveis.
Admirável também é a reflexão proposta por uma personagem de novela, quanto ao uso inadvertido da língua inglesa aqui no Brasil. Mesmo que o nosso português contenha inúmeras palavras e apresente uma estrutura super complexa, teimamos em nomear várias coisas a partir do inglês. Expressões como “bar”, “vídeo game”, “motoboy“, “blog“, “fashion“, “gay” e mais uma porção de termos que nem nos damos conta, são derivadas do inglês.
Na História (real)
E, se pararmos para pensar em que momento da História começamos a adotar esse tipo de vocabulário, chegamos à conclusão de que é algo bastante recente. Uma prova disso é o espanto causado nos personagens de O Tempo não Para. No século retrasado, o português bastava por si só. Mas, atualmente, como reflexo da Guerra Fria, com a globalização e a revolução tecnológica dos últimos vinte anos, a fusão, ou a incorporação, de certas línguas por outras (principalmente do inglês) é bastante comum.
Se isso é positivo, ou não, há controversas. Enquanto o conhecimento se torna mais acessível às classes baixas de nossa sociedade contemporânea, o imperialismo norte-americano é confirmado uma vez mais. O Brasil ainda alimenta um fetichismo preocupante sobre o American Way of Life dos EUA, e isso respinga, sim, na adoção de um vocabulário americanizado em terras tupiniquins. Enquanto isso, o espanhol latino busca resistir bravamente, ao traduzir quaisquer expressões em inglês à sua forma.
Brazilian Way of Life
Assim, se a trama de O Tempo não Para fosse ambientada em qualquer outro país da América Latina, o estranhamento de Miss Celine, e de demais personagens, simplesmente não existiria. Não dessa forma, pelo menos.
Aos congelados negros, por exemplo (todos ex-escravos dos Sabino Machado), a nova realidade já é esquisita por si só; mas, ter de aprender a ler e a escrever, para melhor compreenderem seus direitos, seria assunto o suficiente para uma outra novela. Afinal, a total falta de conhecimentos básicos e de instrução educacional (tal como a alfabetização) lhes é um enorme empecilho social – tornando tudo muito mais difícil do que para os congelados brancos.
Ao mesmo tempo em que este mundo traz novidades formidáveis, como a abolição da escravatura, o racismo institucional coloca esse grupo de congelados em uma situação de marginalização, automaticamente. Lembrando que, no Brasil, um negro analfabeto tem de lidar não somente com a discriminação dos cidadãos, mas também do próprio Estado.
De qualquer forma, isso seria assunto, tal como para outra novela, para um outro texto. Por enquanto, nos atentemos, então, à questão da língua portuguesa. Imagine sequer saber ler ou escrever, e despertar em uma realidade em que a compreensão básica de um idioma diferente do seu é fundamental para o convívio social. No mínimo, complicado, não é?
Valorização da cultura
Talvez, as críticas de Miss Celine aos estrangeirismos do português sejam muito mais urgentes do que poderíamos supor. Possivelmente, isso seja mesmo um reflexo da necessidade de valorização de nossa própria cultura. E, quem sabe, não precisemos dar mais créditos a O Tempo não Para do que para qualquer outra novela da atualidade?
Enquanto refletimos sobre todas essas coisas, podemos nos divertir com o “falar esquisito” do clã dos Sabino Machado, e também com suas desventuras em uma São Paulo caótica e globalizada.
Deus Salve o Rei termina em funk e celebra uma ótima jornada
O último capítulo de Deus Salve o Rei, que vai ao ar hoje à noite, coloca fim a um ambicioso projeto da Rede Globo. Inicialmente taxada de “Guerra dos Tronos tupiniquim”, a trama do autor Daniel Adjafre chamou atenção por trazer certo ar de seriedade à faixa das 19 horas, comumente destinada às comédias.
Deus Salve o Rei estreou sob muita expectativa. A princípio lhe cabia a missão de se esquivar das inevitáveis comparações com séries de TV sem sucumbir (totalmente) aos atraentes e fáceis clichês das telenovelas. Por outro lado, precisava agradar justamente a esse público das novelas e, de bônus, ainda chegou a ser concorrente de Belaventura – novela medieval da RecordTV, emissora que conta com uma audiência nichada fiel.
O projeto começou ambicioso por diversos motivos. O primeiro deles, sem dúvidas, foi a mudança do gênero do horário, da comédia para o drama. Depois, o elenco de peso, que reuniu grandes nomes da nova geração de atores globais. Entre eles: Marina Ruy Barbosa, Bruna Marquezine, Johnny Massaro, Rômulo Estrela e Tatá Werneck. Além disso, Adjafre ousou ao criar personagens pouco convencionais e ao buscar uma estética nada usual em folhetins.
Os enquadramentos, as luzes, fotografia, cenários, figurinos e efeitos especiais foram essenciais para compor a beleza visual de Deus Salve Rei. Aliás, a qualidade dos efeitos foi realmente satisfatória. Nem sempre impecável, mas bastante satisfatória.
A princípio, entretanto, esses recursos visuais ficaram subutilizados numa trama previsível, cujo desenvolvimento se dava a partir de conflitos de relacionamento que se encaixariam perfeitamente em qualquer época, em qualquer novela. Nem temas como a crise hídrica pareciam o bastante para dar a largada em “alguma coisa a mais” e envolver o público.
Entre oscilações de audiência, saída e morte de personagens, reviravoltas e a entrada do autor Ricardo Linhares, a telenovela medieval patinou entre acertos e erros. Errou principalmente ao, no bom e velho português, atirar para todos os lados. Salpicaram na trama todos os elementos medievais que habitam o imaginário popular, misturados, claro, com os tradicionais clichês de novelas – como a rivalidade entre mulheres.
No início, a obra também não conseguia ser ousada o suficiente para investir na política entre os reinos, para ir além da superficialidade do contexto no qual quis se inserir, deixando esse tipo de conflito para depois, com a chegada da peste e o começo das batalhas entre os reinos de Artena, Montemor e Lastrilha.
Contudo, e apesar da colcha de retalhos de enredos que se formou, Deus Salve o Rei teve seus ótimos acertos. A começar pelos personagens. Vários foram jogados de um lado para o outro, outros sobraram e foram mortos e alguns precisaram ser reavaliados, mas todos tinham sua dose de carisma.
O núcleo de humor liderado por Johnny Massaro e Tatá Werneck funcionou de forma espetacular. Mesmo às vezes exilados em algum lugar “tão tão distante” da trama principal, a dupla conseguiu roubar a cena, arrancar risadas e servir como alívio cômico sem parecer destoante do resto da produção.
Outro mérito da telenovela foi a representação das personagens mulheres e suas funções narrativas. De forma surpreendentemente natural, as mulheres de Deus Salve o Rei foram conduzidas como protagonistas da obra.
No começo, tudo levava a crer que as questões de gênero ficariam restritas a personagem Selena (Marina Moschen), a primeira mulher a frequentar a academia militar. Selena cumpriu bem com seu propósito, mas a surpresa foi ver que as personagens mulheres transitavam por todos os espaços. E, não raras vezes, o texto da novela se empenhou em discutir justamente o papel de suas personagens naquele universo – como quando Afonso discursou contra a caça às bruxas em seu reino ou quando personagens homens eram confrontados com a presença de Selena em determinadas posições.
Bruna Marquezine superou a atuação robótica do início da trama e fez com que sua vilã Catarina ganhasse o carinho do público. Selena e Amália (Marina Ruy Barbosa) lutaram, física e intelectualmente, de igual para igual com soldados homens. Selena virou chefe da guarda real, quebrou o estereótipo de bruxa má – que nem chegou a ser explorado pela novela, outra positiva surpresa – e ficou na linha de frente das batalhas com rei Afonso (Rômulo Estrela). Amália também apareceu sempre ao lado do rei ou em suas próprias batalhas. Diana (Fernanda Nobre) foi perspicaz e à Lucrécia (Tatá Werneck) coube o papel de debochar dos homens com sabedoria.
Claro que todas elas são mulheres brancas padrão, mas é válido ressaltar que, mesmo que muito da fórmula novelesca tenha sido mantida, tanto a proposta estética de Deus Salve o Rei, quanto suas personagens – e a forte parceria que houve entre elas – dão um frescor inesperado e positivo a história ambientada na Idade Média.
Assim, a produção que tinha tudo para cair no mais conservador que o período ao qual se refere poderia inspirar, preferiu tratar a caça às bruxas como algo reprovável, por exemplo. E, ao mesmo tempo em que rivalizou Amália e Catarina por conta do amor pelo mesmo homem, uniu Amália, Selena e Diana. Um trio de mulheres que se apoiavam e protegiam.
Nesse contexto nasceu, despretensiosamente e por conta de uma brincadeira entre Marquezine e Ruy Barbosa, o funk de
Deus Salve o Rei.