Tag: cinema francês
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[Estreia] A Noite Devorou o Mundo subverte o terror de zumbis
Imagine fazer uma visita ao apartamento de sua ex-namorada e, esperando encontrá-la sozinha, deparar-se com uma festa de arromba e um novo parceiro. Agora, visualize terminar sua noite isolado em um quarto entulhado de coisas. Para completar, idealize adormecer nesse mesmo local e, quando acordar…dar por si em meio a um apocalipse zumbi. Quem nunca, não é mesmo?
A Noite Devorou o Mundo, thriller francês de Dominique Rocher, estreia hoje (05) nos cinemas e surpreende pela consistência narrativa, tal como pelo uso de elementos raros em produções do gênero. Para começo de conversa, os zumbis do filme não emitem sons vocálicos – ao contrário de praticamente todos os títulos protagonizados por mortos-vivos. Mais lentos e menos inteligentes do que em outras representações, os zumbis de A Noite se tornam selvagens somente quando reconhecem uma estridente presença humana.
A partir daí, o protagonista Sam (Anders Danielsen Lie), ilhado e solitário no prédio de sua ex, luta contra a penetração da nova espécie na recente morada – e também contra a inevitabilidade da produção de ruídos de alta frequência. Mas, há um pequeno detalhe que rege a vida do personagem que atrapalha suas condições, e ao qual ele tem a felicidade de ainda ter acesso: a música.
No início do filme, Sam busca por gravações de algumas de suas composições. Ironicamente, o que o leva até o edifício, e onde permanece por tempo considerável, é a mesma coisa que o repele do exterior da própria construção, no final das contas. O protagonista não está disposto a abrir mão de uma das pouquíssimas coisas que sobraram após o apocalipse; considerando todos os suprimentos e (possíveis) armas encontradas nos apartamentos parisienses.
A Noite Devorou o Mundo é um longa-metragem bastante silencioso. Há poucos momentos de trilha sonora e, principalmente na primeira metade, cada barulhinho provoca um espasmo no espectador (veja mais sobre filmes de terror aqui). Não sabemos o que ocasionou o “fim do mundo” daquele universo, mas, a realidade é que isso não importa dentro da lógica do filme. A solidão de Sam é tão bem construída e (surpreendentemente) explorada – e em um filme de zumbis! – que até mesmo os monstros vilanescos ficam para o background. E, diga-se de passagem, eles não ficam nada ofuscados por causa disso.
Com o tempo, Sam se vê tão sozinho que até mesmo um morto-vivo preso no elevador serve como ouvinte. Aparentemente, todos ao redor do humano morreram ou viraram zumbis; logo, os monstros servem quase que como uma alegoria do isolamento físico e psicológico do protagonista. Sabe aquela ideia de que, para se ter certeza de que não está louco, é preciso que os outros o digam? Por mais cruel que isso possa parecer, um ser humano totalmente privado de comunicação, e enquanto permanecer como tal, não pode comprovar sua sanidade mental.
A Noite Devorou o Mundo é uma produção de técnicas simples, sem grandes efeitos especiais ou narrativas muito complexas. No entanto, a sutileza através da qual trabalha com temas aprofundados é o que há de mais notável no filme. Assim, o longa se prova muito mais do que um terror de zumbis.
Ficha técnica
Ano: 2018
Duração: 1h34
Direção: Dominique Rocher
Elenco:
Anders Danielsen Lie
[Estreia] 50 são os novos 30, comédia francesa dirigida e protagonizada por Valérie Lemercier
Aos 50 anos, Marie-Francine (Valérie Lemercier) vê sua vida mudar drasticamente quando é demitida do emprego que ama e abandonada pelo marido, que a troca por uma mulher mais jovem. Em pouco tempo, a protagonista de 50 são os novos 30 perde toda a estabilidade que havia alcançado ao longo da vida e precisa voltar a morar com os pais, aceitando suas regras como se fosse uma adolescente.
3 filmes recentes sobre romances nada convencionais
Que o cinema está cheio de filmes bobos de romance todos sabemos. Os títulos com a palavra “amor” são tantos que é muito fácil nos confundirmos. E, ainda pior, a repetição de histórias machistas, sem sentido ou forçadas é muito recorrente na sétima arte. Produções românticas e de enredos interessantes raramente são lembradas e, por isso, o gênero de filmes encontra-se bastante defasado. Pensando nisso, selecionamos três romances dos últimos tempos com narrativas nada convencionais e casais incomuns para o cinema.
1. ME CHAME PELO SEU NOME (2017)
De Luca Guadagnino, o longa-metragem indicado ao Oscar de Melhor Filme deste ano conta a história de amor entre dois jovens. No verão de 1983, os pais de Elio (Timothée Chalamet), um professor e sua esposa, recebem em sua casa, na Itália, a visita de Oliver (Armie Hammer) – um universitário norte-americano. É a partir daí que os estudantes nutrem uma paixão avassaladora.
O mais interessante do filme é a naturalidade com a qual Elio e Oliver se interessam um pelo outro, apesar da época e de todos os empecilhos sociais impostos ao romance. Graças à mente aberta dos pais do colegial (intelectuais totalmente dispostos ao diálogo familiar), seu filho permite-se apaixonar pelo intercambista americano sem medo. Elio tem uma sexualidade bastante fluida – sendo, talvez, bissexual –, e sua jovialidade e olhar não-discriminatório auxiliam na compreensão dos próprios sentimentos.
Já Oliver, filho de pais conservadores, manifesta maiores receios quanto à relação com o jovem poliglota (Elio fala três línguas). Mas, isso fica evidente somente à medida em que o sentimento entre ambos exige um comportamento mais sério. Antes disso, no entanto, Oliver não tem medo de se aproximar do menino; fazendo, até mesmo, questão de tocá-lo para deixar claras as suas intenções.
O romance entre os dois é abraçado por paisagens italianas naturais, por praticamente todos os que os conhecem e por uma trilha sonora inconfundível. No decorrer do filme, percebemo-nos também apaixonados por cada um dos jovens. Tanto Elio quanto Oliver apresentam qualidades fascinantes, e isso contribui para o clima agradável de Me Chame Pelo Seu Nome.
Apesar da aceitação do relacionamento por aqueles que os cercam, não nos esqueçamos de que, em plena década de 80, a homossexualidade era vista com maus olhos, ainda mais do que nos dias de hoje. Portanto, a repreensão, mesmo que fantasma, está sempre acompanhando os protagonistas de longe. O longa levou o Oscar de Roteiro Adaptado e está disponível no Net Now.
(Fonte: YouTube / Sony Pictures Brasil)
2. EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL (2018)
Da diretora e roteirista Eléonore Pourriat, Eu Não Sou Um Homem Fácil é uma comédia de drama sobre a desigualdade de gênero. Focado, principalmente, no entendimento e na possível empatia do espectador para com o feminismo, a produção mostra o desenvolvimento do relacionamento entre Damien (Vincent Elbaz) e Alexandra (Marie-Sophie Ferdane). Assim, o longa-metragem encontra um ótimo caminho para ilustrar questões tão banalizadas que entendê-las requer um certo esforço do senso comum.
Depois que Damien sofre um acidente, o machista incorrigível desperta em um mundo invertido, no qual as mulheres são as opressoras dos homens. Inicialmente confuso, o protagonista, aos poucos, vai se habituando a pertencer ao sexo oprimido, passando por todo tipo de assédio e segregação política.
Na História da nova realidade, a força psicológica fora atrelada ao corpo feminino que engravida e pare seres humanos. Portanto, enquanto que conceitos como inteligência e sexualidade são características femininas, ao homem coube o papel de cuidador doméstico e objeto sexual. Como exemplo, Alexandra se equivale a tudo aquilo que Damien era antes de bater a cabeça: um predador, totalmente à vontade em sua posição social. E ele, oprimido pelas mulheres, é julgado por ainda ser solteiro e se relacionar com várias pessoas.
A desigualdade entre o casal não deixa de ser muito diferente de relacionamentos heterossexuais da vida real. Alexandra facilmente é lida como o “macho escroto” que nos é tão familiar e que se aproveita de estereótipos de gênero em benefício próprio. E Damien, enquanto briga para ser respeitado em sua – nova – posição, lembra uma feminista amadurecida por suas condições.
O feminismo, aliás, é tido como “masculismo” em Eu Não Sou Um Homem Fácil, com manifestações pela exposição do mamilo masculino e direitos iguais. A partir disso, a história de amor da mulher babaca que se redime com o masculismo do parceiro nunca fizera tanto sentido. Um romance cheio de estereótipos – mas do avesso e repleto de responsabilidade social. Disponível na Netflix.
Trailer legendado em inglês
Estreia: ‘Se Você Soubesse’ espanta por apresentar direção feminina
Nesta quinta (03), estreia diretamente nas plataformas iTunes, Google Play e NET NOW o primeiro longa-metragem da diretora Joan Chemla. Se Você Soubesse é estrelado por Gael García Bernal, em sua primeira interpretação em francês, e inspirado no livro Boarding Home, do cubano Guillermo Rosales.
Na produção francesa, o ator mexicano dá vida a Daniel, um jovem cigano que vive às margens da sociedade. Depois de um acontecimento trágico envolvendo seu amigo Costel (Nahuel Pérez Biscayart), Daniel entra em uma espécie de dormência psicológica, na qual, para domar a própria culpa, sobrevive apenas para ajudar a família do amigo.
Lucho (Mariano Santiago), o irmão de Costel, em um permanente estado de agressividade e ódio a Daniel, persegue o rapaz em nome de uma vingança despropositada. Todos as cenas em que Lucho aparece, aliás, são capazes de despertar incômodo e desgosto no espectador – graças, também, ao belo trabalho de Santiago.
Por falar em atuações, o astro protagonista cumpre muito bem o seu papel. Há evidente autoconsciência de Bernal para com sua interpretação, o que deixa as expressões de Daniel bastante convincentes. Os pontos altos do filme justificam-se nas belas tomadas e enquadramentos de Chemla, que nos deixam mais íntimos dos personagens – como quando Daniel olha para seu reflexo através do espelho e, literalmente, nos é mostrada uma lembrança angustiante no vidro. Além do que, a tocante trilha sonora, que acompanha sequências sem diálogo, e a fotografia acizentada são qualidades da produção.
Até certa altura, o roteiro de Se Você Soubesse intriga por sua falta de linearidade, assim como pela abordagem de temas delicados – como a segregação e a pobreza de imigrantes e ciganos no país europeu. Mas, somente quando a primeira personagem feminina de destaque é introduzida na história, Francine (Marine Vacth), algo que, afinal, deveria ser comemorado, tudo começa a desandar.
Por ser dirigido por uma mulher, o filme teria mais chances de se aprofundar na representatividade de gênero de forma realista. Nem todas as produções precisam tratar de temas feministas, é claro, mas lidar com as desigualdades entre os sexos de forma irresponsável, atualmente, sempre diminuirá a qualidade de uma obra. E é exatamente isso que acontece em Se Você Soubesse.
Francine serve de apoio para que o personagem de Bernal tenha suas complexidades ainda mais à mostra. Mesmo que a moça seja alguém claramente vitimada por mazelas sociais – devido ao seu silêncio bastante presente e sua expressão ingênua –, nenhuma de suas possíveis camadas é explorada em tela, e, ainda pior, a personagem se perde dentro de uma imagem de subordinação e dependência masculina.
Quando Francine é assediada moral e sexualmente pelo gerente da pensão onde residem ela e Daniel, o protagonista, que esteve acompanhando toda a situação de forma assustada, sequer oferece algum tipo de ajuda.
Além da falta de empatia do personagem principal, há uma cena grotesca, na qual Daniel é convidado por Francine para jogar Palitos, e ela revela ao desconhecido que não consegue mais olhar para o rosto de seu filho como antes – uma das poucas vezes em que vemos a jovem se comunicar durante todo o filme, aliás. A partir disso, é natural que o espectador imagine o pior sobre a vida da personagem, como que o filho poderia ser fruto de um estupro. Diante da confissão, no entanto, Daniel sobe a saia de Francine com as mãos e acaricia suas coxas. “Talvez ele se transforme em vilão”, muitos podem ter pensado ao assistir à cena. Mas, lamentavelmente, a mocinha cede à Daniel, e, então, uma música romântica toca para embalar o casal.
De maneira presumível, o longa-metragem não passa no teste de Bechdel, já que as únicas mulheres, além de Francine, que têm falas são a mãe de Costel e Lucho (cerca de dois ou três diálogos), a esposa de Costel (que apenas conta para Daniel sobre sua gravidez) e uma moradora da pensão, que é estuprada pelo gerente.
A vida é dura para as mulheres dentro e fora da ficção, mas, nem (ou justamente) por isso, precisamos ser retratadas como meros objetos. É surpreendente que uma diretora mulher tenha sido a responsável por conduzir a obra e imprimir sua personalidade através das câmeras desse jeito. Por mais que o filme seja baseado em um livro escrito por um homem, as duas mídias são completamente diferentes e, dessa forma, é muito difícil compará-las (veja aqui 5 adaptações cinematográficas tão boas quanto os livros).
Apesar de Se Você Soubesse apresentar um ótimo trabalho técnico e paisagens urbanas marginalizadas bem relevantes de uma França pobre,
seu enredo, inicialmente interessante, não se sustenta pelo romance
Estreia: Madame, segundo filme da francesa Amanda Sthers
Optar por realizar um filme de comédia “escrachada” e caricatural sobre alguma questão social é sempre complicado. Facilmente a crítica pode se tornar ofensa e causar o efeito contrário ao desejado. Esse tipo de abordagem exige sensibilidade e tato em relação às escolhas feitas pela direção e roteiro. A linha que separa humor ácido e crítico de ofensas, às vezes, pode ser tênue, mas, quando bem explorada, torna-se uma grata surpresa. Esse é o caso da comédia francesa
[Estreia] ‘Amante por um Dia’ é mais do mesmo na filmografia de Philippe Garrel
, tendo como uma das protagonistas Esther Garrel (Me Chame pelo Seu Nome). A atriz dá vida à Jeanne, uma jovem que, ao ser deixada pelo namorado com quem vivia e por quem é profundamente apaixonada, volta para a casa de Gilles (Eric Caravaca), seu pai, em busca de colo e abrigo. Logo, porém, a jovem descobre que ele está se relacionando com Ariane (Louise Chevillotte), uma garota que tem a sua idade e é aluna dele.